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Crítica | O Retorno de Godzilla (1984)

Chutando o balde das sequências.

por Luiz Santiago
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Em 15 de dezembro de 1984 estreou no Japão O Retorno de Godzilla (que originalmente se chama apenas Gojira), estreando a Era Heisei do monstrão nos cinemas. O filme oficial da série, antes dele, foi o tenebroso Godzilla: O Terror do Mechagodzilla, de 1975; e o filme não oficial foi o lisérgico italiano Cozzilla, de 1977. Ou seja, oficial ou oficiosamente, já fazia algum tempo que os espectadores não viam o lagartão atômico nas telonas, e quando enfim o reviram, tiveram uma grande surpresa. Majoritariamente dirigido por Koji Hashimoto — apesar de muitas cenas iniciais da obra terem sido assinadas por outros diretores — O Retorno simplesmente ignora os filmes da Era Showa, com exceção do Godzilla de 1954, e acaba servindo ao mesmo tempo como continuação desse primeiro filme, como também de reboot da franquia.

O roteiro, escrito por uma equipe de seis roteiristas, não dá explicações para “o retorno” de Godzilla após a sua aparente morte — ou “mergulho definitivo no Oceano” — no filme de Ishirô Honda. Isso, porém, não faz diferença aqui, porque o foco, nessa retomada, é o tratamento do lagartão como uma força indomável da natureza, que, se um dia for destruída, será substituída por outra similar causada pelas mesmas armas nucleares que os homens não deixaram de produzir. Embora nada disso seja dito no longa, a gente entende que esta é a intenção, dada a seriedade com que a temática nuclear é tratada no filme, que acima de tudo tem uma abordagem geopolítica realista, concentrando todos os elementos conhecidos da Guerra Fria em um cenário de perigo para toda a humanidade.

Falando em Guerra Fria, não dá para deixar de comentar que este mesmo filme foi lançado em agosto de 1985 nos Estados Unidos, mas com um corte específico para o país feito pela New World Pictures, que acrescentou cenas de ligação com Raymond Burr falando a mesma ladainha de sempre, e uma montagem criminosamente ideológica na famosa cena em que um soviético propositalmente aperta o botão para o lançamento do míssil no Godzilla, enquanto na versão original, a ativação foi causada por um desarranjo elétrico. Godzilla 1985 (como foi chamado nos EUA) é mais curto que a versão japonesa e, por trazer cenas com elenco americano fazendo observações que sugerem estar interagindo com os personagens japoneses, tem um cadência dramática estranha e menos interessante, além de um resultado final um pouco inferior a esse original também.

Longe da chacota e dos plots infantis da Era Showa, O Retorno de Godzilla é uma obra pesada sobre um monstro destruidor. Aqui, o lagarto atômico volta a ser uma ameaça para o Japão e não mais um “amigo da humanidade” (para onde seria novamente empurrado nas obras seguintes, por sinal). Era uma forma de marcar o terreno e falar coisas importantes. A direção, nesse caso, explora bem os momentos de reuniões entre os países em cenas às vezes muito cansativas, mas que possuem uma razão de existir. O ponto que menos me agrada aqui é o momento sci-fi da fita, quando um veículo aéreo mega turbinado chamado Super X aparece para batalhar contra Godzilla e acaba conseguindo atordoá-lo. Esta e as outras cenas onde forças militares das mais diferentes ordens se colocam contra o monstro são muito similares às batalhas do começo da Era Showa, não havendo aqui um gigantesco salto em termos de perspectiva da câmera ou uso dos efeitos no cenário em destruição.

O elenco também é guiado para uma construção mais séria de personagens. Algumas relações do núcleo humano são bobas, mas no geral estamos diante de personagens com papéis importantes em todo o enredo. É com esses personagens, inclusive, que o roteiro fortalece o drama, que nesse aspecto traz muito do filme original, mostrando a tragédia causada pelo incontrolável kaiju e o impacto emocional na vida das pessoas por ele afetadas. Mas essa relação entre pessoas e bicho é propositalmente paradoxal. Depois de uma discussão acalorada e sensacional entre as potências do mundo sobre como deveriam deter o Godzilla, um cientista japonês descobre uma maneira de afastar o monstro da cidade, e então o encerramento do filme se dá com a vitória do engenho humano, que aparentemente mata o monstro. Mas o filme não coloca isso como uma vitória doce. As faces tristes da população e dos líderes dizem algo diferente.

O que era este ser, este inimigo natural (?) criado (ou acordado?) por forças humanas, que agora voltava ao seio da Terra? Uma vitória amarga para os homens, que mostra muito da intenção da Toho nessa nova fase do Godzilla nos cinemas, que mesmo tendo mudado seu “alinhamento” com o passar dos anos, não descambaria mais para a bagunça infantil que foram as produções de sua primeira fase. Tratado como um importante componente da misteriosa e ancestral fauna terráquea, Godzilla não perdeu mais esse status daqui para frente, e sua mudança para um “defensor da Terra e da humanidade” se daria de maneira bastante orgânica no futuro, em obras que não procuraram retirar dele o caráter monstruoso que tem. Ou seja, a maneira correta de se tratar uma criatura dessas no cinema: pode nos ajudar, mas não deixa de ser um gigante causador de problemas.

O Retorno de Godzilla (ゴジラ / Gojira / The Return of Godzilla) — Japão, 1984
Direção: Koji Hashimoto (com cenas iniciais dirigidas por Toshio Masuda, Shûe Matsubayashi e Shirô Moritani)
Roteiro: Akira Murao, Hideichi Nagahara, Ryûzô Nakanishi, Shin’ichi Sekizawa, Tomoyuki Tanaka, Hiroyasu Yamaura
Elenco: Keiju Kobayashi, Ken Tanaka, Yasuko Sawaguchi, Shin Takuma, Yôsuke Natsuki, Tetsuya Takeda, Sho Hashimoto, Hiroshi Koizumi, Takenori Emoto, Nobuo Kaneko, Kunio Murai, Taketoshi Naitô, Junkichi Orimoto, Eitarô Ozawa, Yoshifumi Tajima, Mizuho Suzuki, Tetsuya Ushio, Kei Satô, Dennis FaltKenpachirô Satsuma, Takashi Ebata
Duração: 103 min.

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