A prática do exorcismo, profundamente enraizada na tradição católica, tem sido um tema de intenso debate ao longo dos séculos. Em um mundo cada vez mais marcado pelo avanço tecnológico e pelo crescimento das ciências, especialmente na área da psiquiatria, a questão da relevância e validade do exorcismo ganha novas dimensões. Historicamente, o exorcismo é visto como um rito que visa expulsar espíritos malignos ou demônios de uma pessoa, configurando-se como uma prática de intervenção espiritual em momentos de crise. No entanto, com o surgimento da psiquiatria moderna, muitos comportamentos e experiências que no passado eram considerados como possessões passaram a ser reinterpretados como manifestações clínicas de transtornos mentais, como esquizofrenia, transtornos de personalidade ou diversas fobias. O cinema, como vocês podem acompanhar em vários textos que assinei ao longo de mais de uma década no site, é um campo que adora continuar pavimentando caminhos narrativos.
Essa mudança de perspectiva levou a uma redução do número de exorcismos e a um questionamento sobre a necessidade e eficácia desse rito, especialmente entre aqueles que enxergam a medicina como a única forma válida de tratamento para problemas psicológicos. Entretanto, o afastamento da fé católica em algumas populações não diminui a necessidade humana de encontrar sentido e conexão com o transcendente. Em tempos de isolamento e desespero, muitos buscam retorno a práticas tradicionais e espirituais que oferecem conforto, segurança e compreensão das dores e dilemas da vida. O exorcismo, nesta perspectiva, pode ser visto não apenas como uma ritualização destinada a expulsar o mal, mas como uma forma de buscar a restauração da saúde emocional e espiritual do indivíduo. Assim, mesmo em uma era em que a medicina avança, sempre haverá espaço para o sagrado e para práticas espirituais como o exorcismo, especialmente em comunidades que mantêm uma cultura de fé vibrante. E é neste ponto que adentramos em mais uma “nova” trama de exorcismo: O Ritual. De 2025.
Dirigido por David Midell, que também contribuiu para o roteiro ao lado de Enrico Natale, O Ritual é um filme de exorcismo inspirado em uma história supostamente verídica. A trama gira em torno dos padres Theophilus Riesinger, interpretado por Al Pacino, e Joseph Steiger (Dan Stevens), que precisam trabalhar juntos para salvar uma jovem chamada Emma Schmidt, supostamente possuída, vivida por Abigail Cowen. Apesar de contar com um elenco talentoso e um roteiro acima da média, a produção não apresenta inovações significativas dentro do gênero, resultando em uma recepção morna tanto pela crítica quanto pelo público, que considera a narrativa pouco original.
Em um cenário de saturação de filmes sobre possessões, onde já se apresenta uma longa tradição, a demanda por abordagens frescas torna-se um desafio. A grande questão que surge é como trazer algo novo ao gênero, especialmente após clássicos como O Exorcista. Sendo assim, a produção opta por respeitar a estética e o conteúdo dramático da narrativa, em vez de reinventar a roda. Assim, mesmo sem oferecer grandes novidades, o filme consegue manter sua integridade ao abordar temas profundos dentro de um formato familiar. No fim, a produção se alinha à proposta de respeitar o legado do gênero, provando que, por vezes, a simplicidade e o respeito à tradição podem ser suficientes para uma experiência cinematográfica satisfatória.
Com duração de 98 minutos, O Ritual apresenta uma eficaz construção estética na narrativa de exorcismo, fundamental para envolver o público em sua história sombria. A trilha sonora, criada por Jason Lazarus e Joseph Trapanese, é crucial para intensificar os momentos de terror, equilibrando-se com pausas que permitem momentos de introspecção e reflexão dos personagens frente aos eventos macabros. A equipe de design de som, liderada por Brian Berger, complementa essa atmosfera com ruídos típicos do gênero, além de criar uma paisagem sonora rica, marcada por expressões guturais que refletem a luta interna da jovem possuída. Essas escolhas sonoras são fundamentais para estabelecer o clima de horror e tensões psicológicas ao longo do filme.
Visualmente, o trabalho do diretor de fotografia, Adam Biddle, é destacado pela iluminação sombria e pela movimentação contida da câmera, priorizando a inquietação em vez de efeitos visuais excessivos. O design de produção, supervisionado por Julie Toche, é repleto de iconografia sacra, que é constantemente subvertida pelas forças malignas que desafiam os protagonistas, os exorcistas e freiras, em sua busca por salvação. O figurino, criado por Grizelda Garza, reforça ainda mais a ambientação católica da narrativa, contribuindo para a construção de um contexto crível e impactante. Assim, O Ritual se aproveita desses elementos estéticos de maneira eficaz, criando uma atmosfera adequada para o desenvolvimento da história, apesar da falta de inovações narrativas, algo que já é previsível desde o seu trailer e sinopse.
Na trama, somos levados para 1928. Na tranquila cidade agrícola de Earling, Iowa, Emma Schmidt, uma jovem católica, começa a viver experiências sobrenaturais aterradoras, incluindo terrores noturnos e explosões de violência, levando sua família a acreditar que ela está possuída. Desesperados, eles buscam a ajuda do Padre Theophilus Riesinger, um exorcista experiente da ordem dos Capuchinhos. Riesinger viaja para Iowa acompanhado do Padre Joseph Steiger, um sacerdote mais jovem que, devido a um recente trauma familiar, é cético em relação à existência de possessões demoníacas. No entanto, ao conhecer Emma e testemunhar seu comportamento perturbador, Steiger começa a questionar suas crenças.
Os exorcismos ocorrem em um convento adjacente à igreja paroquial. Durante o ritual, fenômenos sobrenaturais se intensificam, como convulsões e a fala em várias línguas, revelando demônios como Belzebu e Judas Iscariotes, além de entidades ligadas ao passado traumático da possuída. Ao longo de 23 dias, os exorcismos são realizados em três etapas principais, com Emma apresentando sintomas extremos, como levitação e vômito de substâncias estranhas. Enquanto isso, Steiger, que se dedicava a celebrar missas diárias, começa a encontrar um novo propósito na luta pelo bem-estar a jovem, simbolicamente usando sua medalha devocional de São Miguel. Na fase final do exorcismo, que dura em torno de 72 horas, ambos os padres unem esforços para expulsar os demônios, culminando na libertação de Emma, que retorna à normalidade. A experiência não apenas transforma Steiger, mas também gera uma atenção midiática significativa para Riesinger, cujos diários são posteriormente estudados.
Em linhas gerais, um filme básico de exorcismo, mas satisfatório. Para os curiosos, O Ritual é inspirado na história de Anna Ecklund, um pseudônimo de Emma Schmidt, cuja notável série de eventos culminou em um ritual extenso que ocorreu entre agosto e dezembro de 1928. Anna começou a apresentar sintomas que a levariam a ser considerada possuída desde os seus 14 anos. O caso de Ecklund é amplamente reconhecido entre teólogos e estudiosos do paranormal como um dos mais bem documentados casos de possessão do século XX. Este notável relato inclui uma cobertura na revista Time em 1936, solidificando o status de Ecklund no contexto das possessões demoníacas e exorcismos da época. Sua história impactante e repleta de detalhes desafiadores continua a gerar interesse e intriga, contribuindo para a construção de narrativas cinematográficas que exploram os mistérios da fé e do sobrenatural. Para quem crê: eis um prato cheio para sentir medo. Para quem não crê: apenas material para um filme de terror.
De volta ao que foi rapidamente esboçado na abertura, ao terminar O Ritual, refleti: é importante destacar que, enquanto a psiquiatria e outras ciências da saúde se concentram na análise objetiva dos sintomas e comportamentos, muitas vezes ignoram o contexto cultural e espiritual que permeia a vida das pessoas. A experiência humana é complexa e não deve ser reduzida a diagnósticos frios e algoritmos de tratamento. Muitos indivíduos ainda relatam experiências que consideram sobrenaturais ou espiritualizadas e que se conectam com suas crenças, tradições e patrimônios culturais. Nessas ocasiões, o exorcismo pode ser considerado não como uma prática antagônica à psiquiatria, mas como um complemento que respeita a pluralidade da experiência humana. Para entender a prática do exorcismo no atual cenário contemporâneo, é fundamental que haja um diálogo entre a Igreja Católica e a comunidade científica.
Um assunto polêmico, mas que ainda deve gerar muitos outros filmes na posteridade, afinal, na dinâmica do cinema, o mal nunca morre, mas se transforma.
O Ritual (The Ritual/EUA, 2025)
Direção: David Midell
Roteiro: Enrico Natale, David Midell
Elenco: Al Pacino, Dan Stevens, Ashley Greene, Abigail Cowen, Patricia Heaton, María Camila Giraldo, Patrick Fabian, Ritchie Montgomery, Meadow Williams
Duração: 98 min.