Aos desavisados, vale começar afirmando que a presente crítica não é de um livro sobre Yasuke, a figura histórica conhecida como o samurai negro, ou samurai africano, que serviu o daimyō Oda Nobunaga no século XVI, no Japão, mas sim do primeiro romance da série literária fictícia homônima composta de oito livros que foi escrita pelo autor afro-americano Marc Olden, não havendo nenhuma relação entre um personagem e outro. Aproveitando-se dos chamados filmes de exploração – ou exploitation movies – sobretudo sobre personagens afrodescendentes e sobre artes marciais que tomaram relevo em Hollywood entre os anos 60 e 80, Olden criou Robert Sand, um ex-soldado americano que lutou na Guerra do Vietnã e que foi treinado como samurai por sete anos em um dojo nos arredores de Tóquio depois que ele mostra coragem ao tentar salvar um senhor de idade japonês da agressão de outros soldados e que se revela como sendo Konuma, um respeitado mestre samurai.
Em outras palavras, o autor surfou na onda de duas modas notadamente setentistas, criando um samurai negro moderno em uma história de origem que começa quando o dojo em que Sand vive e treina é massacrado pelas forças inclementes do Coronel Tolstoy, um soldado renegado em uma furiosa missão de vingança contra aqueles que ele acha que lhe prejudicaram. Único sobrevivente, Sand busca a ajuda de William Baron Clarke, ex-presidente dos EUA com quem um dia teve conexão e que também é alvo da fúria insana de Tolstoy, o que leva o samurai à sua própria missão de vingança e também de resgate. Essa breve sinopse que, vale dizer, é propositalmente incompleta para evitar spoilers, revela que Olden faz esforço para complicar sua narrativa e tudo o que ele realmente consegue é criar uma sucessão de conveniências que podem ser resumidas ao somatório das habilidades extraordinárias de seu protagonista com o dinheiro infinito e os contatos importantes do “Barão”, como William Baron Clarke é conhecido.
Chega a ser inadvertidamente cômico como tudo é fácil demais para Sand, como todas as peças vão sendo encaixadas não naturalmente, mas com marretadas narrativas que exigem do leitor um bom grau de aceitação de que o que está lendo é pura diversão passageira, daquelas que servem de intervalo entre escolhas mais séries mesmo dentro da categoria de obras de ação desenfreada. Para todos os efeitos, a melhor comparação é mesmo com os filmes setentistas de exploração em que roteiros escritos de qualquer maneira eram produzidos com um elenco de 12ª categoria e orçamentos não superiores a uma cesta básica, mas, justiça seja feita, Olden escreve bem para o tipo de literatura que se propôs a lançar, algo que fica ainda mais evidente quando o romance sob análise é comparado com sua tenebrosa adaptação cinematográfica de dois anos depois, com Sand sendo vivido por Jim Kelly.
E que fique claro: não há mal nenhum em escrever e ler obras assim. Há espaço para tudo e é sempre bom haver variedade. O Samurai Negro, de Marc Olden, é a típica literatura pulp americana que teve diversas formas e gêneros ao longo de todo o século XX transplantada para o que tinha poder de venda, mesmo que de nicho, quando ele iniciou sua série literária. Seu Robert Sand, apesar de ser o típico super-herói invencível, mantém os pés no chão, com descrições das mais variadas cenas de combate que se agarram ao realismo e evitam a todo custo exageros hiperbólicos explosivos, com a personalidade do samurai negro ganhando uma boa, ainda que padronizada, construção narrativa que lhe dá um inamovível senso de honra e de moralidade, além de calma para lidar com as situações mais tensas, com um bom uso de subtexto crítico sobre preconceito racial. O Barão, benfeitor de Sand, é aquela figura poderosa e enigmática que permanece razoavelmente nas sombras e o grande vilão é indisfarçavelmente alguém que ficaria em casa em qualquer longa-metragem da franquia James Bond.
Como um exemplar da literatura de exploração, O Samurai Negro acerta na mosca mesmo quando tropeça feio em toda a “mágica” usada para fazer com que tudo funcione (se fosse um filme, estaríamos diante de um exemplo clássico de “roteirismo”). Como história de origem de um personagem que seria usado ainda sete outras vezes até 1975 (sim, oito livros em menos de dois anos, sendo que Olden, nesse mesmo período, escreveu oito livros de sua série Narc!), o romance é básico, nada realmente especial ou particularmente memorável. Mesmo assim, é uma boa leitura daquelas simples e prazerosas – se o leitor gostar do gênero, claro – que preenche satisfatoriamente aquele momento em que tudo o que queremos é ler uma sucessão de páginas que descansa o cérebro e o prepara para os reais desafios.
O Samurai Negro (Black Samurai – EUA, 1974)
Autoria: Marc Olden
Editora original: Signet Books
Data original de publicação: 07 de maio de 1974
Editora no Brasil: Nova Época
Páginas: 240