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Crítica | O Segredo da Porta Fechada

por Iann Jeliel
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O Segredo da Porta Fechada

Acho interessante que o noir presente em O Segredo da Porta Fechada… se submete ao inverso do que costuma ser estruturalmente o gênero, onde geralmente é a figura masculina que uma feminina misteriosa que o colocará em uma situação de investigação. Não que seja intencional do diretor Fritz Lang fazer uma inversão completa de funcionabilidades dos princípios do gênero que ele adotou para si quando chegou em território americano, de acordo a sexualidade dos personagens – a troca da femme fatale para um “male fatale” –, até porque a construção atmosférica neste em específico remete muito mais aos thrillers Hitckcocianos de gênero, do que os que o próprio Lang dirigiu anteriormente, onde uma questão moral carcerária sempre estava muito presente, promovendo o suspense através da perseguição do casal protagonista e uma barreira ao próprio romance que tomava a tela em boa parte da narrativa.

Aqui, existe uma ambiguidade no suspense, que deixa sua questão moral em pano de fundo e se concentra num mistério ambíguo e devidamente intrigante pelas condições da premissa. Se o filme já começa estranho por instaurar um casamento precoce quase sem desenvolvimento, ele fica progressivamente mais difuso quando essa precocidade se ver ameaçada de estar pautada em uma justificativa conspiratória. Meio que essa premissa do romance rápido faz parte da tensão, pois pode ser um motivo conectado ao fato do Mark (Michael Redgrave) ser tão desconfiado, a ponto de esconder o quarto 7 para todo mundo, mais um mote para o suspense, uma vez que perguntamos, o que terá naquele espaço que não pode ser compartilhado? A roteirista Silvia Richards ajuda muito a reduzir a estranheza na perspectiva feminina, pensando na irracionalidade de atitudes que a levaram até essa situação.

A narração em off, por mais que seja um recurso básico, é fundamental para entendermos a coerência das motivações de cada passo de Claire (Joan Bennett, ótima como sempre), além de termos o raciocínio da sua paranoia em crescente com a história. O texto feminino também possui um discernimento ideal dos papeis facultativos das demais personagens femininas em estabelecer um círculo de históricos possíveis nas quais a história pode encaminhar para explorar a personalidade dúbia do marido. Veja bem o quanto ele reforça sobre a independência dessas figuras, mas ao mesmo tempo não consegue se desprender de novas. As cenas que ele vai apresentando os quartos em festa a novas mulheres reforça a dúvida sobre sua iminente periculosidade, que a protagonista passará a desconfiar cada vez mais conforme a atmosfera vai ganhando um novo peso dramatúrgico.

Talvez, Lang nem precisasse transacionar o tom como fica aparente. Do carisma de um romance a total desconfiança de um assassino à espreita. Até porque as elipses iniciais impedem bastante a que a construção clássica do casal seja crível e o filme demora um pouco para desapegar da ideia de que o inesperado amor seja plausível – considerando que as narrações em off cumpriram esse papel, sendo que não exatamente esse era um de seus intuitos. Portanto, a história só pega a partir da meiuca, em que realmente funciona como esse noir sexualmente invertido, onde Claire decide investigar suas desconfianças de Mark entrevistando as outras personagens ao seu redor. É um processo que leva a história para vários caminhos interessantes, barrados por um clímax antecipado tão interessante quanto – chega a ser quase um Psicose de inesperado – ao seguir uma linha de consequências muito diretas da investigação.

Acontece, que o terço final adentra num caráter mais metafórico que honestamente não parecia caber durante a história. Por mais que Freud fosse citado e a dubiedade do personagem se sustente no drama psicanalítico de uma experiência traumática maturada, houve muito pouco desenvolvimento do casal enquanto casal e dos indivíduos em separado para que seja crível a última virada. Não só descarta os caminhos interessantes levantados, quanto utiliza alguns de forma preguiçosa a forjar um novo clímax que reintegra um romance que na prática nunca aconteceu de fato e nem foi levado durante o filme pela teoria. Sem dúvidas, é uma conclusão bem aquém da construção até ela – ótimista demais? –, mas que não chega a decepcionar mais do que o ótimo sentimento de envolvimento do caminho, tornando O Segredo da Porta Fechada um filme ainda bem notável na carreira do diretor alemão.

O Segredo da Porta Fechada (Secret Beyond the Door… | EUA, 1948)
Direção: Fritz Lang
Roteiro: Silvia Richards
Elenco: Joan Bennett, Michael Redgrave, Anne Revere, Barbara O’Neil, Natalie Schafer, Paul Cavanagh, Anabel Shaw, Rosa Rey, James Seay, Mark Dennis
Duração: 99 minutos

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