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Crítica | O Segredo de Davi

por Leonardo Campos
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Cinema com alta dose de subjetividade e experimentação não é algo indicado para se tornar massivo e fazer sucesso com o grande público. O Segredo de Davi, pretensioso terror nacional lançado em 2018, é parte deste segmento. Hermético em algumas passagens e com determinados códigos de interpretação para quem está acostumado com as estratégias narrativas do cinema independente, circundante nos espaços ainda elitistas de exibição. O destaque para a pretensão do filme, cabe ressaltar, não é uma crítica negativa, ao contrário, trata-se de um elogio para a equipe do cineasta Diego Freitas, dedicada na construção narrativa de uma produção que é um grande exemplar da atual safra de filmes de terror do circuito de realização brasileiro, abundante no campo do ominoso, do pavor e do medo, isto é, um título que reforça as bases do gênero e suas subcategorias num espaço de consumo e produção antes muito voltado ao sertão-favela.

Com texto assinado em colaboração com Gustavo Rosseb, O Segredo de Davi parece mais um convencional filme de serial killer, dentro das demandas do global sistema de fórmulas narrativas hollywoodianas, mas não é bem assim que a história se estabelece para o público. Há, sim, convenções utilizadas para gerar alguma identificação, no entanto, o geral é de fragmentações, idas e vidas no tempo e expressões subjetivas do protagonista que não permitem ao filme ser o típico exemplar do suspense com doses de violência e investigação em torno dos responsáveis pelos assassinatos que contemplamos na tela, poucos, mas ainda assim em sua economia de sangue, fortes e chamativos. Em seus extensos 112 minutos, longos quando levamos em consideração que a narrativa é letárgica, acompanhamos o cotidiano de Davi (Nicolas Prattes), um estudante de cinema que esconde segredos sombrios e um passado bastante conturbado.

Construído pelo ótimo desempenho de Prattes, o jovem se tornou um assassino em série que tem paixão por registrar os crimes que comete e disponibilizar na internet. Ao passo que começamos a seguir a sua trajetória e somos levados para o passado em constantes flashbacks, atravessamos o limiar entre o real e o imaginário, com pitadas generosas de sobrenatural, feixe de sedimentos da memória do protagonista que explicam, mas não explicitam, os motivos do seu comportamento no presente da narrativa, período de seus estudos num curso de Cinema e Audiovisual, local que deveria ser o campo ideal para a criatividade e a liberdade de expressão, mas que infelizmente se oferta como um campo da batalha para o personagem, sufocado pelo bullying que sofre em determinados momentos, em especial, por parte de um valentão que ganhará o esperado troco antes do desfecho da narrativa, de maneira também menos convencional que o esperado.

Com a emergência de seus crimes nos meandros da cibercultura, Davi não sabe até quando os seus atos sombrios conseguirão se manter em segredo. Dono de tendências psicopatas macabras, ele é o típico jovem antissocial que só consegue se soltar dentro dos pouquíssimos circuitos em que se sente mais à vontade. Essa sua postura introvertida é acompanhada pelo filme com narração poética, carregadas de alegorias e montagem não linearizada pelos padrões atuais, algo que nos pede mais atenção no que é apresentado se quisermos montar as peças da história que ainda assim, deixa espaço para elucubrações e não amarra o enredo de maneira totalmente expositiva, didática, dando margem para interpretações múltiplas. É uma proposta muito ousada, com cenas de violência altamente controversas, numa articulação de ideias que tal como já mencionado, não acompanha os elementos externos da narrativa, pois mais parece uma representação do pensamento fragmentado e caótico do protagonista.

Desenvolvido durante uma década, conforme descrições do cineasta Diego Freitas em coletivas de imprensa, O Segredo de Davi é um filme sobre “um menino que mata para ser amado pela própria família”, tendo como mentores do seu processo, a vizinha Maria (Neusa Maria Faro) e Jonatas (André Hendges), ambos importantíssimos para o desenvolvimento da trajetória do personagem de Nicolas Prattes. A impressionante figura materna de Maria e a amizade improvável com o mestrando que mescla alta carga sexual e dubiedade de uma figura incerta para a sua formação faz da dupla de personagens um painel representativo da complexa jornada de Davi, travessia ficcional que nos joga mais perguntas que respostas em seu desenvolvimento e desfecho. Situado na era das redes sociais do voyeurismo que anseia por compartilhamento de imagens subversivas de violência e horror, o filme também é uma alegoria de nosso atual contexto social.

Para compor a sua história, Diego Freitas contou com a eficiente direção de fotografia de Kaue Zilli, setor responsável pela atmosfera neon que nos remete ao urbano e ao mesmo tempo, ao efusivo espaço fragmentado da mente de Davi, complementado pelo design de produção de Fernando Carcerez, erguido por meio de cenários sombrios, em especial, o prédio de classe média baixa onde habita o protagonista psicopata. Os demais espaços também são todos eficientes, desde a faculdade de cinema ao táxi que serve de ambiente para o desenvolvimento dos movimentos finais de alguns arcos dramáticos. Na trilha sonora, Paulo Beto faz um trabalho imersivo importante, também atmosférico, envolvente e sem ferrões musicais exagerados que dominam os clichês do gênero. Ademais, a narração em off não compromete e a edição privilegia os efeitos visuais e a maquiagem que tornam a trama intensa visualmente, mesmo dentro de sua letárgica dramaturgia.

O Segredo de Davi  — Brasil, 2018
Direção: Diego Freitas
Roteiro: Diego Freitas
Elenco: Nicolas Prattes, André Hendges, Bianca Muller, Cris Vianna, Eucir de Souza, Giselle Prattes, Giulia Ouro, Guilherme Rodio, João Cortês, Neusa Maria Faro, Tuna Dwek, Vinicius Bicudo
Duração: 112 min

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