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Crítica | O Silêncio da Chuva

Lázaro Ramos protagoniza intensa narrativa de suspense policial.

por Leonardo Campos
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Apesar de não incluir O Silêncio da Chuva numa das narrativas que tem acrescido o coeficiente de tramas de terror no sistema de realização do cinema brasileiro, considero uma das tramas recentes que deflagram as trevas de nossa sociedade mergulhada na corrupção, no fascínio pela violência, na falsificação de imagens para representação diante do coletivo, bem como uma jornada onde a morte alheia é uma ação perpetrada sem dó nem piedade, como se a existência do outro fosse passível de eliminação em prol do que a perspectiva filosófica de Sartre nos traz acerca do “inferno ser o outro”, ou seja, salvaguardadas as devidas proporções, se está posto como obstáculo, precisa ser retirado para a minha travessia, independente das circunstâncias. Lançado em 2021, sob a direção eficiente do experiente Daniel Filho, o filme é uma assertiva tradução intersemiótica do romance homônimo de Luiz Alfredo Garcia-Roza, publicado em 1996, antecipação de Achados e Perdidos, material literário também levado ao cinema. Aqui, um equilibrado clima de suspense se relaciona com violência gráfica e trechos inquietantes de submissão misógina, numa estilo narrativo que deveria ser mais adotado pelos realizadores do cinema brasileiro.

Na abordagem cinematográfica da obra literário do professor universitário e psicanalista, a trama nos apresenta a jornada do Inspetor Espinosa, ótimo desempenho de Lázaro Ramos, como habitual na carreira deste talentoso ator, uma figura que se insere confortavelmente no arquétipo policial comumente deflagrado no cinema estadunidense, isto é, alguém que vive para o trabalho, para a irritabilidade dos seus interesses amorosos, um profissional que constantemente necessita deixar de lado a diversão, como contemplamos na abertura de O Silêncio da Chuva, para se dedicar ao trabalho. Em festa, numa roda de samba, o inspetor larga os amigos e aparentemente um par romântico, para seguir rumo ao desvendar de um misterioso crime, ao lado de sua parceira Daia, personagem que ganha o triunfante desempenho dramático da camaleônica Thalita Carauta, um dos melhores elementos do filme. Juntos, eles formam uma dupla coesa, eficiente em suas travessias pelo mundo da investigação criminal, agora colocados diante de uma enigmática morte que pode ser motivada por várias questões, desde o silenciamento da vítima por saber coisas demais ou pela audaciosa possibilidade passional.

Com uma pitada de traços das narrativas noir, O Silêncio da Chuva deflagra a morte do executivo Ricardo (Guilherme Fontes), encontrado morto a tiros no interior de seu carro, estacionado numa zona erma num dia de chuva, no bairro da Urca. Teria sido suicídio? A figura navegava em ameaças? Será uma vítima da deslumbrante e cínica Beatriz (Cláudia Abreu), a sua esposa que logo é desmascarada por ter um caso com um garoto de programa? Ou o ricaço foi apagado pelas chamas dos ciúmes de sua amante, a secretária Rose (Mayana Vieira)? Em disfarces pela cidade, a personagem parece esconder informações sobre o crime e teme constantemente por sua vida, principalmente depois que a sua mãe é cruelmente aniquilada pela figura misteriosa que ocupa o lugar de assassino. Com diálogos afiados e mixados entre momentos de tensão e humor que entregam excelentes cenas de perseguição, a adaptação do romance de Garcia-Roza é uma empolgante jornada inteligente pelos gêneros suspense e policial, numa narrativa que tinha tudo para ser dependente do cinema estadunidense, mas que consegue se desvencilhar e criar algo essencialmente brasileiro, num exercício cinematográfico autêntico e envolvente.

Em sua trajetória de eficiência narrativa, O Silêncio da Chuva delineia grandes trechos da metrópole carioca, saindo da zona sul e ampliando o seu olhar por outros pontos da cidade, numa trama que conta com o ótimo roteiro de Lusa Silvestre, devidamente transformado em material audiovisual, graças ao bom trabalho de Felipe Runheimer na concepção da direção fotográfica, enigmática nas passagens noturnas, audaciosa também nas cenas diurnas, carregadas de mistério e tensão, atmosfera que não se escora no estereótipo de criar momentos de suspense apenas ao cair da noite. Ademais, o filme conta com um coeso trabalho musical diante da trilha sonora de Berna Ceppas, intenso e utilizado nos momentos certos, adorno para as travessias dos personagens pelos espaços cênicos concebidos pela direção artística de Mário Monteiro, sabiamente contrastante na construção dos ambientes múltiplos, da casa sofisticada de um ao local imerso numa favela do outro, do quarto de hotel decadente de uma figura ficcional ao caótico lugar de trabalho dos investigadores. Nesta triunfante narrativa, faltou apenas um desfecho mais digno para a personagem de Thalita Carauta, alguém que merecia uma presença mais importante em cena, sem ocupar a zona menos importante do clímax.

O Silêncio da Chuva — Brasil, 2021
Direção: Daniel Filho
Roteiro: Lusa Silvestre
Elenco: Lázaro Ramos, Thalita Carauta, Cláudia Abreu, Mayana Neiva, Otávio Muller, Pedro Nercessian, Bruno Gissoni, Peter Brandão, Raquel Fabbri, Theresa Amayo, Késia Estácio, Guilherme Fontes, Anselmo Vasconcellos
Duração: 96 min.

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