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Crítica | O Sol é Para Todos

por Iann Jeliel
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O Sol é Para Todos

Lembro-me de que quando o meu pai me deu a minha primeira arma. Disse-me que nunca deveria apontar para nada dentro de casa… E que ele preferia que eu fosse disparar para latas no quintal. Mas ele disse que mais cedo ou mais tarde ficaria tentado a ir atrás de pássaros e que eu podia atirar em todos os pardais que quisesse… Se conseguisse acertar neles… Mas que não esquecesse que era pecado matar um rouxinol. O Sol é Para Todos

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Por quê?

Penso que porque os rouxinóis não fazem nada… A não ser cantar para nosso prazer.

Spoilers Moderados

Adaptação imediata do romance homônimo de Harper Lee de 1960, O Sol é Para Todos conta, através da perspectiva de uma criança, desventuras rotineiras de uma juventude em uma sociedade estruturalmente preconceituosa no sul dos EUA. O livro em questão é transformado de um teor autobiográfico para um parcial estudo social, mais diretamente ligado a questões raciais de forma ampla. Não se trata de uma história sobre o racismo na parte da negritude por si só, ainda que seja o cerne climático da dramaturgia, a narrativa caminha para um lado mais universal da raiz do problema, geralmente associada às influências ignorantes que os entornos constroem ao nosso redor na infância. Nesse sentido, apesar do olhar infantil capturar em essência somente a base superficial da temática, o tom lúdico da obra didatiza com perfeição a ideia de equidade racial que deveria ser enxergada de forma pura – como uma criança – pela humanidade.

A direção de Robert Mulligan entrega essa didática na cadência de acompanhar a rotina das crianças e seu pai e como ela vai sendo afetada pela normatização de preconceitos ao seu redor. A primeira subtrama de destaque nisso é envolvendo a casa de um vizinho (Robert Duvall – em um de seus primeiros papéis no cinema), olhado por desconfiança pela vizinhança, destacando-o como uma espécie de “monstro”. As crianças, de tanto ouvirem a história, morrem de curiosidade para pegar o sujeito que malmente sai de casa. A primeira metade focará nessa aventurazinha dos dois filhos do advogado Atticus Finch (Gregory Peck – fantástico!), Jem (Phillip Alford – o irmão mais velho) e Scout (Mary Badham – narradora da história e irmã mais nova), e um amigo da vizinhança (Dill – John Megna) se arriscando a espioná-lo para tentar confirmar sua descrição perigosa. Mulligan retrata essa missão como uma brincadeira bem cômica e infantil, mas ao mesmo tempo existe um teor provocativo na inserção do suspense da mise-en-scène, flertando propositalmente com o horror psicológico do medo do desconhecido, para gerar um contraste natural quando sua quebra ocorrer.

Essa quebra não necessariamente é só com a revelação do verdadeiro rosto do moço, mas quando o mesmo efeito é usado em outros rostos nos quais se encontra o verdadeiro monstro. A analogia é precisa para desenhar a crescente do senso de discernimento das crianças sobre as tensões raciais que vão acompanhando mais diretamente quando estão ao lado do seu pai em meio à resolução do caso de Tom Robinson (Brock Peters), um negro acusado de abuso sexual da filha de um fazendeiro da cidade. Antes de se tornar um filme de tribunal, os pequenos já se comportam como jurados do caso ao serem espectadores da sua reatividade na figura de seu pai, de quem buscam sempre a atenção pela falta da mãe que está com a imagem manchada na cidade do interior por representar a defesa de um negro. Na construção da relação familiar, a personalidade de Atticus é posicionada implicitamente como um homem civilizado e defensor dos direitos humanos, sem precisar levantar exatamente uma “causa”. Não é um caso de white savior, mas pura e simplesmente um agente da lei agindo com a ética da justiça social pela inteligência que lhe foi designada pelos estudos – e também por certa influência de parentesco, como mostra o diálogo que deu nome à obra.

Seus ensinamentos aos filhos são como as de quaisquer outros pais que querem proteger as crias das ignorâncias do mundo. Tampouco o personagem tem receio de colocar os filhos em sua rotina para observarem tudo e aprenderem a associação automática das coisas quando se adquire conhecimento. Basicamente, ele expurga isso no fantástico monólogo do tribunal, em que suas provas basicamente constam na exposição de ignorância, no sentido de falta de conhecimento, de todos ali envolvidos. Só aquilo a meu ver era suficiente para criar esse ponto de virada nas crianças, que seria bem ratificado nas consequências após o tribunal. No entanto, o filme acaba por querer conectar isso à trama anterior do vizinho em termos de história e acaba se enrolando um pouco dentro de sua estrutura, propondo uma climática desnecessária a eventos que na narrativa episódica já se conversariam. Fato é que a trama do vizinho tinha que ser resolvida depois do tribunal mesmo, só que poderia ser sem a necessidade de um clímax, com as crianças em perigo e sendo salvas pelo sujeito albino, para que assim fechassem o aprendizado social dos dois e obviamente de nós como público – que o imaginamos como negro, dada a descrição anterior, e vemos que a discriminação racial está longe de ser resumida nesse ponto.

De todo modo, é importante o filme reforçar o aprendizado de contexto após o aprendizado de uma boa imagem familiar, porque no fundo, um não sobrevive sem o outro. É possível ter uma figura em quem se espelhar na família, mas ser mais influenciado pelo mundo externo negativamente pelo sentimento de rebeldia contrário. O preconceito só será rebatido pela próxima geração, mas também só continuará com ela a depender dos exemplos que pegar. O Sol é Para Todos acaba sendo universal muito por ser esse exercício abrangente e simples de caminhos no equilíbrio de averiguar o discernimento infantil sobre importantes lutas sociais desde cedo.

O Sol é Para Todos (To Kill a Mockingbird | EUA, 1962) O Sol é Para Todos O Sol é Para Todos
Direção: Robert Mulligan
Roteiro: Horton Foote (baseado em livro homônimo de Harper Lee)
Elenco: Gregory Peck, Mary Badham, Phillip Alford, John Megna, Frank Overton, Rosemary Murphy, Ruth White, Brock Peters, Estelle Evans, Paul Fix, Collin Wilcox Paxton, James Anderson, Alice Ghostley, Robert Duvall
Duração: 129 minutos

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