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Crítica | O Soldado Americano

por Luiz Santiago
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Com um grande número de referências estéticas ao cinema de Godard e indicações narrativas às obras de Samuel Fuller e Robert Aldrich, Fassbinder termina a sua Trilogia Noir, ou, como geralmente é chamada, “trilogia sobre filmes de gângster”, de forma aquém do esperado. Seu exercício aqui não tem a graça de O Amor é Mais Frio que a Morte e, ao mesmo tempo que pretende recuperar e perverter a atmosfera do excelente Os Deuses da Peste, faz um caminho completamente incoerente em termos de roteiro, tornando-se exagerado e piegas em momentos diferentes da projeção.

No centro da trama temos Ricky (Karl Scheydt), ex-soldado americano de origem alemã que acaba de voltar do Vietnã e está em uma “missão” na cidade de Munique. Ele precisa eliminar três pessoas como parte de um acordo com alguns policiais corruptos e o roteiro acompanha sua caminhada pela cidade, encontrando pessoas e matando quem deve matar.

Num primeiro momento, achamos que se trata de uma reformulação da história de Os Deuses da Peste, ao menos como concepção geral, mas lá pela metade do filme percebemos que não é bem assim. O Soldado Americano se mostra uma obra seca e com um roteiro que mais sugere do que demonstra — e não digo isso em termos imagéticos, mas textuais. Os personagens são apenas delineados e Fassbinder, que também assina o roteiro, os deixa completamente na superfície. Quer fosse intenção do diretor ou não, a opção não foi benéfica para a obra.

Mesmo que o espectador conheça os dois filmes anteriores da trilogia e entenda que o cineasta propunha uma visão crítica e desencantada sobre os indivíduos à margem da sociedade, falta substância para os personagens, principalmente os protagonistas. Os eventos externos servem como ótimo contexto e de fato funcionam muito bem em O Soldado Americano, mas sem motivações particulares, a trama fica perdida e o filme aparenta “não ter história”. O diretor parece apenas mostrar ações aleatórias, consequências de coisas que apenas são ensaiadas mas nunca expostas o mínimo necessário na tela.

Porém, se tropeça na escrita do roteiro, Fassbinder ganha alguns pontos na direção — mesmo exagerando no excesso de câmera lenta ao final da fita. O diretor assume aqui uma composição bastante teatral (no sentido positivo) das cenas e as dirige com bastante elegância, com erros isolados e concentrados mais no desenvolvimento e na já citada sequência final. Aqui, o diretor também brinca com ações suspensas dos atores e com o calculado tráfego dos personagens por um grande cenário – a cidade – que aos poucos diminui, culminando com o aprisionamento e a morte física, moral ou social do indivíduo, um reflexo distante de O Vagabundo da Cidade, e da maioria dos filmes sociais da Nouvelle Vague.

O fotógrafo Dietrich Lohmann, que já trabalhara com Fassbinder em O Amor é Mais Frio Que a Morte, O Machão, Os Deuses da Peste e Por Que Deu a Louca no Sr. R.? cria ambientes que nos lembram muito uma versão do noir, mas acaba subvertendo a estética do gênero ao criar uma iluminação branca e dura para os personagens ou para as cenas de maior destaque físico de alguém na tela, como podemos ver quando Ricky vai visitar a mãe e o irmão. A casa é praticamente toda imersa em preto, enquanto há uma forte e quase irreal luz branca sobre o rosto do personagem e de seus parentes sempre que os vemos em plano médio, primeiro plano ou em close-up.

Para fechar os elementos técnicos, a música de Peer Raben mais uma vez se destaca com louvor, com temas que, na maioria das vezes, acabam melhorando muito as cenas em que aparece — um feito do compositor que já havíamos comprovado em outro filme de Fassbinder, O Café, e que volta aqui com um ar mais urbano, solto e marcante.

Ao fechar a trilogia sobre os filmes de gângster, Fassbinder se entrega desnecessariamente ao subjetivo e finaliza um filme cujo valor está aquém de sua capacidade como diretor e que tinha muita coisa para ser bem melhor. Há uma ideia de abandono e desalento interessantíssima nas entrelinhas e a impressão de que não há esperança de melhoras para a sociedade pós-guerra é algo patente na projeção. Todavia, a narrativa ficou demasiadamente à superfície, uma falta de profundidade que custou a simpatia do público e muito da qualidade geral da obra.

O Soldado Americano (Der amerikanische Soldat) – Alemanha Ocidental, 1970
Direção: Rainer Werner Fassbinder
Roteiro: Rainer Werner Fassbinder
Elenco: Karl Scheydt, Elga Sorbas, Jan George, Hark Bohm, Marius Aicher, Margarethe von Trotta, Ulli Lommel, Katrin Schaake, Ingrid Caven, Eva Ingeborg Scholz, Kurt Raab, Irm Hermann, Gustl Datz
Duração: 80 min.

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