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Crítica | O Sorgo Vermelho

por Rodrigo Pereira
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Todos sabemos como começos podem ser difíceis nos mais diferentes aspectos da vida. Quando se começa aprender a tocar algum instrumento musical, por exemplo, é comum a dificuldade e, muitas vezes, a irritação. Da mesma forma, iniciar uma carreira profissional exige paciência e perseverança para conseguir entregar o seu melhor. O caminho do aprendizado é duro e tortuoso. Imagine, então, que você deseje se tornar cineasta e seu filme de estreia seja laureado com diversos prêmios em seu país e conquiste a premiação de melhor filme do Festival de Berlin. Nada mal para um começo, correto? Isso aconteceu com Zhang Yimou em seu ingresso na sétima arte com O Sorgo Vermelho.

Baseado no romance do escritor Mo Yan, o filme se passa entre as décadas de 1920 e 1930 e acompanha a jovem Jiu-er (Gong Li), que está prometida em casamento com o dono de uma destilaria. O homem, já na casa dos 50 anos, sofre de lepra e morre de forma misteriosa pouco tempo após a oficialização do matrimônio. Com isso, Jiu-er assume o controle da destilaria e muda completamente a relação de trabalhadores e patrão, trabalhando junto a todos, dividindo o lucro do local igualmente e se recusando a ser chamada de patroa. Eventualmente, ela se casa com Yu (Wen Jiang), um dos trabalhadores, e, mesmo com a presença do bandido Sanpao (Ji Chun-Hua) e seus capangas, a vida parece prosperar ao longo de quase uma década, com a destilaria indo bem e todos ganhando suas vidas honestamente.

Porém, isso muda radicalmente com a invasão japonesa durante a Segunda Guerra Mundial, e é aqui que o filme se divide enormemente. Enquanto a primeira parte da obra retrata a vida daquela comunidade chinesa nas primeiras décadas do século XX, a segunda foca em como a vida daquelas pessoas foi transformada em um horror completo com a chegada do exército japonês. Quando colocadas em perspectiva, é bastante interessante perceber como o diretor sugere uma reavaliação das nossas impressões acerca de alguns personagens e situações. Existem, sim, cenas e personagens que nos causam uma sensação de repugnância imediata, entretanto a invasão traz o entendimento que tudo aquilo poderia ser ainda pior.

Isso não é, de maneira nenhuma, diminuir, por exemplo, os ataques e sequestros realizados por Sanpao ou os abusos sofridos por Jiu-er, mas compreender que os problemas daquele povo devem ser discutidos e resolvidos entre o próprio povo, como clama o princípio de autodeterminação dos povos. Durante a ofensiva japonesa em suas terras, no entanto, isso deixa de existir e vemos todos aqueles personagens chineses, alguns com rivalidades entre si, lado a lado enquanto são oprimidos e forçados a obedecer a todas as atrocidades praticadas pelo imperialismo japonês. Yimou faz coro a outros diretores de seu país (como Wilson Yip) que também denunciaram em alguma(s) obra(s) o horror das ações japonesas em sua pátria, um tema bastante dolorido para àquelas pessoas (não à toa, a bandeira do Sol Nascente é comparável à suástica nazista pelos invadidos até hoje).

Além dessa abordagem crítica, a fita traz algumas características que se tornariam recorrentes na filmografia de um dos principais nomes da Quinta Geração do cinema chinês. A utilização de fortes cores, ainda que de maneira bem mais tímida, está presente em seu trabalho de estreia, assim como o próprio tema da guerra, que também costuma ter destaque em seus filmes (Herói e O Clã das Adagas Voadoras são exemplos disso) e geralmente com uma postura contrária a esses conflitos.

É interessante perceber também algumas referências a outras obras grandiosas no cinema. O fato da maioria das sequências se passarem em áreas áridas remetem muito aos cenários do western e uma das principais homenagens, o arco de pedra próximo à destilaria, é justamente a Era Uma Vez no Oeste, um dos grandes nomes do gênero. Já na segunda parte, quando os chineses resolvem atacar os invasores japoneses, algumas cenas, principalmente as de pôr do sol com um forte laranja avermelhado, aludem a Apocalypse Now

O melhor de tudo é que não são referências soltas ao vento e que não agregam à narrativa. A obra de Sergio Leone tem a vingança como fator principal para mover Harmonica, personagem de Charles Bronson, a mesma vingança que o povo chinês realiza contra os imperialistas ao final da película. A alusão ao filme de Francis Ford Coppola, por outro lado, é no sentido dos danos e traumas que a guerra pode causar aos seus participantes. O ataque suicida contra os soldados japoneses (a vingança) somado a Yu com olhar perdido, seu filho chorando ao lado e Jiu-er morta aos seus pés talvez seja a sequência que melhor expressa esses sentimentos.

Para um trabalho de estreia, O Sorgo Vermelho é um espetacular longa de exaltação do povo chinês e que denuncia algumas das atrocidades promovidas pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Uma projeção dura, principalmente no ato final, mas que conta os horrores da guerra e marca a entrada de Zhang Yimou na sétima arte já com algumas de suas características que viriam a tornar o diretor reconhecido mundialmente.

O Sorgo Vermelho (Hong gao liang) – China, 1988
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Jianyu Chen, Mo Yan, Wei Zhu
Elenco: Gong Li, Jiang Wen, Ten Rujun, Ji Liu, Ming Qian, Ji Chun-Hua, Chunhua Zhai, Jia Zhaoji, Yuxiang Zhang, Guiyun Zhou, Yang Qianbin, Guoqing Xu, Erga Yao, Yusheng Li, Kun Dong
Duração: 91 min.

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