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Crítica | O Surfista Prateado, por Stan Lee e John Buscema (1968 – 1970)

por Luiz Santiago
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O Surfista Prateado (Norrin Radd) foi criado por Jack Kirby e Stan Lee em 1966, na Quarteto Fantástico #48, aparecendo já ao lado de Galactus, o devorador de mundos, de quem foi arauto, até rebelar-se e ser exilado na Terra. Desce a criação do personagem, Stan Lee tentou colocá-lo em diversas histórias mensais então publicadas pela Marvel e já nutria um forte carinho pelo Sentinela das Estrelas e suas divagações filosóficas, lutas internas e incompreensão da humanidade, o que não o impedia de defendê-la. Esse carinho, depois, faria o autor admitir que o Surfista é o seu favorito da galeria de personagens que criou ou para os quais escreveu.

Em agosto de 1968 surgiu a primeira revista solo do Prateado, que duraria até setembro de 1970, tendo um total de 18 edições, todas escritas por Stan Lee e com arte de John Buscema nas 17 primeiras (algumas em parceria), sendo o número final do volume ilustrado por Jack Kirby.

Como é comum nas revistas de heróis até a Era de Prata (pelo menos até os primeiros anos da década de 1970), o leitor não vai encontrar aqui exatamente um volume coeso, com arcos e histórias fluídas ou linha de acontecimentos demarcada com ‘força canônica’ ao longo das publicações. Embora existam sim continuações de algumas histórias, o que impera neste volume são as aventuras isoladas, todas elas terminadas com algum tipo de reflexão do atormentado Surfista Prateado singrando a órbita da Terra e lamentando o fato de estar exilado em um lugar onde os seres primitivos o odeiam e onde ele não consegue, aparentemente, fazer algo sem que em algum momento alguém o interprete mal e faça de tudo para predê-lo ou matá-lo.

norrin rad o surfista prateado

A edição de abertura, denominada A Origem do Surfista Prateado!, não mente quanto ao objetivo anunciado no título e se destaca com louvor pela arte de John Buscema e finalização de Joe Sinnott. Aliás, é válido dizer que em todo este primeiro volume de O Surfista Prateado, o grande destaque acaba mesmo sendo da arte em todos os seus aspectos. Por se tratar de uma saga cósmica de pequenas proporções (narrativas) misturadas com aventuras em diversos lugares da Terra o leitor percebe o quanto Buscema e toda a equipe criativa investiu em uma variação e riqueza artística belíssimas durante o processo de ilustração das revistas. Tudo tem impacto: os quadros no espaço, a movimentação do Surfista, as cenas de batalha, as participações especiais de diversos heróis, os vilões (especialmente Mephisto), os aspectos geográficos lugares visitados (URSS, China, Suíça, Escócia, algum país latino-americano, Latvéria, Terra-6966, Zenn-La e alguns outros planetas não nomeados), perspectiva, cores e organização das páginas para que o modelo pouco dinâmico da diagramação não entediasse o leitor.

Já o roteiro de Stan Lee tem menos impacto e apresenta falhas, repetições e clichês no decorrer dos contos. Todavia, esses momento se alternam com algumas ideias interessantes, com o visível cuidado do autor ao escrever solilóquios para o Surfista e com uma ou outra execução que acaba nos fazendo gostar da história inteira, como é o caso dos princípios narrativos das edições #1 a 3, as melhores de todo o volume.

Aqui, Lee e Buscema também criaram um grande número de primeiras aparições nos quadrinhos, dentre as quais vale a pena destacar:

  • Shalla-Bal, a amada de Norrin Radd.
  • Zenn-La, o planeta natal de Norrin Radd.
  • Irmandade Badoon / Monstro Badoon
  • Mephisto / Reino de Mephisto (inferno)
  • Supersenhor (Overlord)
  • Fantasma
  • Yarro Gort, pretendente de Shalla Bal.
  • Flagelus (Doomsday Man)

surfista prateado cosmos

Essa mistura de elementos espaciais e problemas bastante característicos do pós-Segunda Guerra Mundial, além de forte influência da Guerra Fria como incursões anti-comunistas, referências ao armamento poderoso das duas potências (União Soviética e EUA), neurose das massas e guerras menores acontecendo o tempo inteiro, características que dão um sentido bem diferente a essas histórias que não são de todo ficção científica, não são de todo o tipo “quadrinhos de herói” e nem são de todo uma crônica social de final dos anos 60. O que nos impede de gostar mais do produto completo é o caráter extremamente didático da escrita de Stan Lee, o clichê de suas abordagens amorosas (a maioria delas desnecessárias) e pouco desenvolvimento de seu personagem principal. É claro que em menor grau vemos mudanças sofridas pelo Surfista, mas fora a edição #1, onde isso acontece de forma física e textual — ambas maravilhosamente postas –, todo o restante é uma repetição de lamentos, ira e volta à compreensão que, no começo, é interessante mas depois cansa, e muito, tendo um ou outro ponto que nos faça ver essas perguntas do Cruzador Prateado sob outro ângulo, mas nada assim tão diferente daquilo que já havia sido posto antes.

Dentre as participações especiais na revista, a de maior destaque é a de Loki, Thor, Odin e dos Três Guerreiros de Asgard. A história em si, marcada por uma vontade de vingança de Loki contra Thor, não é exatamente uma maravilha mas no todo funciona bem e tem momentos instigantes, místicos e de boa abordagem familiar que vemos em menor grau ou não vemos em participações como as do Homem-Aranha (uma das mais fracas do volume), do Quarteto Fantástico, de Nick Fury + S.H.I.E.L.D. ou dos Inumanos na edição #18, muito embora esta também não seja uma trama de se jogar fora, podendo facilmente ocupar o segundo lugar dentre as melhores participações que interagem com o Surfista.

O cancelamento da revista não permitiu que víssemos o resultado de um irado Cruzador das Estrelas se voltando contra a Terra. A partir da edição #13, Lee foi aos poucos acrescentando momentos de explosão de raiva e descontrole do personagem, o que nos faz imaginar até onde ele iria chegar caso o volume tivesse continuado. No final, pode-se até reclamar de uma certa descaracterização do Surfista que vimos no início, mas todo o comportamento dele obedecia a um ciclo que também dava conta da fragilidade e “fim de paciência” do personagem, elemento comum e aceitável. Mesmo correndo o risco de ver um “novo Surfista”, seria interessante uma continuação desse lado mais… sombrio dele.

surfista prateado

A estrutura de toda a saga do Surfista Prateado é a exposição de vida de sacrifícios, sede de conhecimento, adaptação ao novo e dor pela separação de pessoas amadas. Do lado dos humanos, vê-se exposta a constante manifestação de ódio diante daquilo que não conhecem e propensão à violência. Há certo maniqueísmo e exagero no tratamento das duas partes, mas eles não deixam de ser uma verdade e representar sim uma parte de nós.

O Surfista Prateado serve como personagem e como símbolo àquela parte da razão que se indigna com o que é considerado errado ou insustentável; lamenta-se por isso; luta para que coisas trágicas consequentes desse erro não aconteçam, mas não logra fugir de todo dessa situação, pois está preso a ela por uma barreira que pode ser, em nosso mundo, a lei, a moral, a ética o amor, o instinto… O velho dilema humano com o livre-arbítrio, o uso da força e a [in]compressão são aqui representados por um cruzador estelar humanoide que, acima de tudo, respeita a vida e ainda sabe amar. Vendo assim, não é difícil entender por que Stan Lee tem o Surfista como o seu personagem favorito.

O Surfista Prateado Vol.1 #1 a 18 (Silver Surfer Vol. 1) – EUA, ago, 1968 – set, 1970
Roteiro: Stan Lee
Arte: John Buscema / Jack Kirby (edição #18)
Arte-final: Joe Sinnott, Sal Buscema, Dan Adkins, Chic Stone / Herb Trimpe (edição#18)
Letras: Sam Rosen, Artie Simek
Capas: John Buscema, Joe Sinnott, Dan Adkins, Marie Severin, Barry Smith, Herb Trimpe
25 a 30 páginas (por edição)

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