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Crítica | O Telefone Preto (2021)

A união que vence o mal.

por Felipe Oliveira
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Pelo boca a boca que gera a cada novo projeto, parece loucura não querer estar atrelado ao MCU e integrar a linha produtiva de heróis. Felizmente, rejeitar a direção da sequência de Doutor Estranho para regressar ao gênero que fez seu nome no meio cinematográfico, Scott Derrickson não só foi corajoso, mas sensato em sua escolha. Num momento em que direções autorais e liberdade criativa refletem um critério de indução do público, nada mais justo que dirigir um filme que fosse seu e tão próximo de suas origens, podendo usar dos elementos que conhece do terror e fazer de O Telefone Preto um certeiro retorno ao gênero.

Se bem podemos lembrar, Derrickson ganhou notoriedade com O Exorcismo de Emily Rose e fez sua última contribuição para o terror escrevendo o roteiro de A Entidade 2 em 2015 ao lado de seu parceiro C. Robert Cargill, depois do mal recebido Livrai-Nos do Mal. Ao ter a chance de adaptar o conto homônimo de Joe Hill com domínio e liberdade, Derrickson finalmente conseguiu desenvolver com êxito seu estilo que preza mais pela construção do gênero do que demonstrações com recursos óbvios, a exemplo de jump scares, que em The Black Phone conseguem pegar o telespectador desprevenido justamente pela forma que ele utiliza dentro de sua abordagem. Porém, diferente dos trabalhos anteriores, aqui, o diretor assume uma queima precoce em como essas projeções surgem e suas frequências dentro da trama, o que dá a sensação de que esse foco tirou a atenção do que poderia ser melhor desenvolvido, ainda que tivesse as peças fundamentais para isso, e que também interrompe o impacto. 

Para quem conhece o conto, certamente terá mais facilidade em reconhecer os pontos fortes da adaptação que Cargill e Derrickson fizeram, pelo fato de se manter fiéis ao que Hill propôs ao longo das vinte páginas, e depois, por usarem de grande criatividade na hora de expandir as ideias num formato de longa-metragem. O ano é 1978, e uma onda de sequestros tem atormentado os subúrbios de Denver, Colorado. Mas quando Finney (Mason Thames), um garoto de 13 anos é sequestrado pelo sádico assassino e preso num porão com isolamento acústico, descobre que um telefone desconectado na parede é capaz de comunicá-lo com as vítimas anteriores, que estarão dispostas a impedirem que ele tenha o mesmo destino trágico.

Nas poucas mudanças que se fez na transposição das páginas, a principal delas, é como a narrativa inicialmente conduz um drama delicado e inesperado, o que de imediato captura a audiência; depois, é na caracterização do intitulado vilão The Grabber, que era descrito como um palhaço gordo no conto e aqui ganha uma leva de máscaras sempre dando ênfase a um modo de humor diferente dentro de suas ações. Se Halloween – A Noite do Terror e O Massacre da Serra Elétrica (1974) foram um dos filmes que tiveram inspiração no caso de Ed Gein, O Telefone Preto lembra o chocante caso do palhaço maníaco John Wayne Gacy, assassino em série que de 1972-1978 violentou e tornou vários jovens em Illinois, Chicago. E em meio ao pânico que assume a narrativa dado os números de sequestros no filme, somos apresentado a sufocante rotina de bullying que Finney sofre, além da opressora vivência que tem com o pai alcoólatra e abusivo, o que consequentemente também afeta sua irmã Gwen (Madeline McGraw). Então, antes das nuances de terror se fazerem presente, Derrickson concentra em evidenciar as camadas que fazem do seu filme o ponto chave, sendo elas vistas na dramatização familiar e como o vínculo na amizade revela a força e resistência desses dois irmãos.

Dito isso, o Grabber surge também como um paralelo que relaciona as experiências duras que os irmãos lidam e o ponto de superação contra todas suas questões, principalmente para Finney. Se o rosto de Leatherface era uma máscara ausente de personalidade, e a palidez da máscara de Michael Myers era de alguém desprovido de emoção, sem olhos, podendo personificar qualquer coisa, as várias facetas de Grabber através das máscaras apontam para um mal que não quer ser visto, e o que incorpora toda vez que elas mudam. Tal construção ganha mais força pela parte superior sempre ser com chifres que lembram algo demoníaco, enquanto a parte inferior denotam as variações de humor com aborrecimento, tristeza, sorriso e até inexpressividade, somado a performance corporal e voz de Ethan Hawke na pele de uma figura assustadoramente conflitante. É dessa forma que conhecemos o vilão, sem que haja espaço ou preocupação em humanizá-lo além das vítimas, pois, o que sabemos é que, enquanto as autoridades criam esforços para sanar os sequestros, ele é alguém comum inserido na sociedade; com emprego de palhaço e que mantém as aparências socializando. Mas, fora isso, assim como Finney, ficamos frente a frente de suas aparições quando trajado de expressões alternadas, às sombras, buscando maneiras de realizar seu sadismo para que possa partir para outra vítima.

Na sua liberdade para a adaptação, Derrickson também costura um tom de leveza inserido nos traços do molde de amadurecimento, afinal, essa é uma história que quer falar de esperança além dos assombros da iminente violência urbana que acomete a juventude no final da década de 70 e da contextualização doméstica e familiar abusiva que atingem a realidade de Gwen e Finney. Nisso, o longa soma outro acerto em sua identidade ao trazer uma reprodução de época que não cai nas comparações a títulos de drama e aventura dos clássicos juvenis, deixando a estética, o figurino, o cabelo e trilha sonora darem forma a essa caracterização que não quer soar uma sequela de nostalgia, mas remontar de maneira própria o que remete a época.

Se torna uma reprodução incrível como Derrickson conseguiu construir momentos pontuais de tensão de maneira muito rápida, e ainda assim, satisfatórias dentro do escopo que está valorizando mais os tributos dramáticos do que o que fará o telespectador pular da cadeira. Mas quando faz isso, não poupa as doses que fazem a audiência ficar inquieta com os desdobramentos do suspense que se divide com um terror sobrenatural. Aliás, esse é mais um aspecto criativo do longa, visto a forma que a direção cria um plano de imersão para o misticismo que integra a mitologia, que vai desde as projeções de sonhos para as chamadas vindas do limbo habitado pelas vítimas do Grabber.

Embora funcione tão bem quase que integralmente de forma autoral pela forma que amplifica as informações do conto, o roteiro falha nas inserções metódicas de humor com um personagem que perde o potencial, pelo texto não permitir que ele se aproveite dentro da trama além do mero efeito cômico. Nesses momentos, é como se a narrativa buscasse aplicar uma quebra de tensão qualquer que fosse, o que soa um artifício manjando e que termina destoando da construção envolvente de drama e suspense sobrenatural.

Com uma soma bem amarrada que consegue transitar de maneira surpreendente entre os gêneros e podendo contar com performances acima da média, em especial McGraw, O Telefone Preto realiza o efeito de apresentar um terror ímpar e refrescante para o nicho, funcionando de maneira independente. Porém, a consequência de seu sucesso já aponta uma possível sequência numa ideia proposta pelo próprio Hill, o que só o tempo dirá se uma história solta sofreu com o mal das continuações.

O Telefone Preto (The Black Phone – EUA, 2021)
Direção: Scott Derrickson
Roteiro: Scott Derrickson, C. Robert Cargill (baseado no conto de Joe Hill)
Elenco: Mason Thames, Madeleine McGraw, Jeremy Davies, Miguel Cazarez Mora, Ethan Hawke, E. Roger Mitchell, Troy Rudeseal, James Ransone
Duração: 103 min

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