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Crítica | Tintim: O Tesouro de Rackham, o Terrível

por Luiz Santiago
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O Tesouro de Rackham, o Terrível é a continuação dos eventos apresentados em O Segredo do Licorne. Após a jornada ao passado genealógico do Capitão Haddock, a descoberta do Licorne e o tesouro de Rackham (aparentemente deixado no fundo do Oceano), Tintim e o Capitão organizam uma expedição para o local, obedecendo as coordenadas deixadas por Hadoque, no século XVII.

Conquanto a primeira parte deste arco mostrava pequenas irregularidades na história, o desfecho vem para calar os pessimistas e marcar com louvor mais uma aventura clássica de Tintim, publicada em encadernado um ano antes do término da Segunda Guerra Mundial.

O aparecimento de um novo personagem, o Professor Trifólio Girassol, deu à história um nível de humor simplesmente inesquecível. Todos os eventos conseguem se adequar a atmosferas dramáticas particulares, mas o humor está como plano de fundo para todas elas. Hergé conseguiu, em apenas 62 páginas, criar uma cadeia de acontecimentos com personagens de diferentes constituições psicológicas (o raivoso Haddock, o certinho e diplomático Tintim, os atrapalhados Dupond e Dupont e o surdo Professor Girassol) inseridos em situações distintas, o que demanda um grande esforço de lapidação textual e corte de tudo o que é supérfluo na narrativa.

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Também salta aos olhos a confiança que Hergé depositou em seus leitores, não trazendo explicações demasiadas ou entregas gratuitas de informações, o que, na minha opinião, diminuiu a qualidade do álbum anterior. Mesmo sendo uma continuação, não temos referências cifradas ou enigmas que demandam longa explicação. Tudo ocorre de maneira orgânica e sequencialmente cadenciada. O ritmo da história vai criando no leitor uma série de sentimentos, ora riso atrás de riso; ora ansiedade; ora curiosidade; ora apreensão… Contando as surpresas e o trabalho com personagens e depuração da história, este é o melhor álbum de Hergé até o momento, considerando a sua cronologia de publicação para as histórias de Tintim — mesmo tendo em destaque obras notáveis como O Lótus AzulOs Charutos do FaraóO Cetro de OttokarA Estrela Misteriosa e o próprio O Segredo do Licorne.

A surdez do Professor Girassol não só trouxe situações hilárias, como também guinou o comportamento de personagens já conhecidos, para situações deliciosas e impagáveis. Lembremos, por exemplo, a postura de Dupond e Dupont quando recebem uma bronca de Tintim por estarem brigando como duas crianças por travesseiros e cobertores. Os mesmos detetives nos fazem gargalhar quando fazem essa proposta: “Vamos trocar de roupa e nos misturar discretamente à tripulação”… O problema é que a roupa que eles aparecem no quadro seguinte é tudo, menos discreta.

O mesmo destaque vai para o Capitão Haddock, que mais uma vez ganha enorme atenção do leitor com suas explosões de raiva, palavrões e relacionamento complicado com o Professor Girassol. Parece mentira, mas, aos 26 anos de idade, eu ri como uma criança boba lendo esse álbum. Falas simples como “Miserável! Analfabeto! Cretino dos Alpes! Vou jogar você no mar! Vou jogar você no mar, entendeu?” me fizeram gargalhar com gosto durante a leitura. Esse tipo de tratamento humorístico aliado a uma aventura sem eventos absurdos e um roteiro enxuto é algo que ajuda bastante ao leitor aproveitar a aventura em toda sua essência.

Conversando com um amigo sobre O Tesouro de Rackham, o Terrível, ouvi algo que não concordo, mas que acho interessante compartilhar aqui, posto que pode ser o sentimento de alguns leitores. Dizia ele que não há uma verdadeira ameaça na história, e mesmo com o irmão Passarinho solto, Tintim não enfrenta ninguém. É um volume onde não há dificuldade alguma…

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Se observarmos com atenção o caráter dessa história, veremos que seria incoerente da parte de Hergé trazer uma outra ameaça potente ou não guiar os acontecimentos para a caça ao tesouro de Rackham. Não podemos nos esquecer de que o próprio Tintim havia dito, no último quadro de O Segredo do Licorne que a aventura continuaria, logo, era exatamente isso os leitores esperavam, não o início de outra saga. E além de manter a coerência em sua proposta de continuação, vemos aqui uma série de dificuldades, mas que foram sutilizadas (e isso não é nada ruim) pelo humor vindo do Professor Girassol. Tudo o que acontece no Sirius e no longo tempo em que ele passa ao norte da República Dominicana, em pleno Oceano Atlântico, é funcional no sentido narrativo, tendo apenas um “senão”, no encontro de Tintim com o tubarão, que fica bêbado após engolir uma garrafa de rum e machuca o dente após morder o capacete (é assim que se chama?) do escafandro em que o jovem repórter está.

Confesso que nunca tinha rido tanto em uma história escrita por Hergé, até ler esse álbum. Uma história simples de exploração do mar; numa sequência de eventos objetiva e encantadora. Definitivamente uma das minhas favoritas do repórter topetudo.

  • Crítica originalmente publicada em 21 de maio de 2013.

Le trésor de Rackham le Rouge (Bélgica, 1943)
Publicação original: Le Soir Jeunesse, fevereiro a setembro de 1943
Publicação encadernada original: Casterman, 1944
No Brasil: Companhia das Letras, novembro de 2011
Roteiro: Hergé
Arte: Hergé
62 páginas

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