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Crítica | O Tio (2020)

Uma angustiante narrativa sobre cárcere e opressão psicológica.

por Leonardo Campos
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Uma jornada angustiante de cárcere e opressão psicológica. Esta foi uma das impressões que tive ao conferir O Tio, produção do cinema brasileiro recente, associada ao gênero terror, estilo que tem crescido cada vez mais em nosso sistema de realização e conduzido o país a se tornar um criador de narrativas mais conectadas com a nossa realidade, isto é, com uma atmosfera tipicamente brasileira, apesar das referências constantes aos clássicos produzidos fora de nosso eixo cultural, em especial, as ressonâncias do esquema hollywoodiano. Não posso dizer que o filme é um tipo de entretenimento para todos os públicos, pois há, em sua estrutura, um ritmo que dialoga com uma perspectiva mais intelectual, menos imediata, por isso, dissociada dos interesses de parte das plateias afoitas por narrativas de horror com mortes sanguinolentas, perseguições implacáveis ou espíritos obscuros que se manifestam tendo o reforço do jumpscare. Aqui, temos o espaço familiar como um ambiente de estabelecimento do medo, da sensação de insegurança e da falta de compreensão para os fenômenos que nos circundam.

Dirigido por André Borelli, também responsável pelo roteiro e edição, O Tio já começa dando o tom que será adotado ao longo de toda a narrativa: um plano fechado capta uma mesa, situada no interior de um apartamento que, saberemos, será um dos principais espaços cênicos da trama. Uma garota, agonizante, transmite para os espectadores as suas sensações por meio dos sons e de sua expressão de alguém supostamente mergulhada em algo opressivo, que impede a respiração leve e a sensação de tranquilidade. Há algo de errado com esta personagem, conflito que será delineado quando conhecermos o seu tio, Camilo (Chico Neto), figura ficcional que nomeia a produção. Ele supostamente é o motivo da jornada inquietante de Bárbara (Gabriela Hamati), a sua sobrinha em situação de cárcere, um tema bastante atual na sociedade brasileira, possível alegoria dentre as tantas opções interpretativas do filme.

Neste apartamento, a dupla de personagens vive o cotidiano dentro de um sistema de monitoramento humano. Cada passo dado por Bárbara é acompanhado pelo tio, alguém zeloso, extremamente metódico e observador, excessivamente controlador de todas as ações da jovem que até deixou de ir ao trabalho, além de ter evitado sair com amigos e coisas do tipo. Será que ela vive uma relação de assédio? Há abuso sexual envolvido? Por quais motivos Bárbara não se desvencilha do tio e foge? Estamos interpretando a narrativa sob o ponto de vista dela? E se ela estiver transtornada psicologicamente? São muitas as questões que O Tio nos envolve, uma narrativa onde cada resposta não parece ser definitiva e muito do que não está nos diálogos pode ser compreendido pelos olhares trocados entre os personagens ou pela captação de pequenos detalhes importantes, oriundos da eficiente direção de fotografia de Carina Borelli.

Juntamente com a sua amiga, Diego (Pablo Diego Garcia), seu aparente interesse amoroso, se apresenta em cena como uma das oportunidades de deslocamento para a personagem em sua situação de angústia, no entanto, a sua reação diante do tio é tão enigmática que, tal como mencionado, não sabemos se é ela que o observa por um viés deturpado ou se de fato ele é o algoz que tem oprimido a vítima e a colocado numa redoma de horror. Com atmosfera potencializada pela condução sonora de Vitor Moutte, O Tio ainda conta com o bom trabalho de Marina Shyoun na direção de arte, essencial para estabelecer o tom da narrativa que é envolvente, mas um tanto arrastado para a sua duração relativamente pequena. No geral, em sua primeira obra com grande distribuição nacional, Borelli esbanja talento em seu trabalho de cineasta, num caminho que tem tudo para ser de vigor e evolução. Vamos aguardar.

O Tio — Brasil, 2020
Direção: André Borelli
Roteiro: André Borelli
Elenco: Pablo Diego Garcia, Gabriela Hamati, Chico Neto, Marianna Troccoli
Duração: 109 min.

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