Home FilmesCríticas Crítica | O Tremor (2020)

Crítica | O Tremor (2020)

por Iann Jeliel
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O Tremor

Bem curtinho, O Tremor é tipo de exercício de gênero preciso em seus intuitos, mesmo que saiba que o processo adotado na elaboração do mistério irá gerar uma expectativa maior do que será a conclusão. Por isso mesmo, o estreante indiano Balaji Vembu Chelli conscientemente articula sua premissa sobre uma corda bamba de propostas, a jornalística e a fantástica, de modo que a convergência entre elas incite reflexões a respeito de nossa natureza curiosa sobre a desgraça. O protagonista busca na cobertura exclusiva de um terremoto num vilarejo marginalizado, uma oportunidade de alavancar a carreira como repórter, o que por si só já nos diz muito sobre certas noções moralmente deturpadas que atribuímos ao valor-notícia no universo jornalístico.

O mundo marginalizado só interessa quando finalmente sofre as consequências de uma inevitável tragédia, fruto da sua marginalização, seja geográfica ou de qualquer outro tipo. É só lembrarmos, por exemplo, do caso da barragem de Brumadinho em Minas Gerais, em condições precárias bem antes de seu rompimento, mas que só se transformou em pauta quente quando as mortes aconteceram. O fantástico no filme irá trazer à tona provocações parecidas no protagonista, que na visita ao local tem total desconhecimento de sua história, tratando-o quase da mesma forma com que alguns tratam a África: como se fosse um país, sem qualquer olhar sobre a cultura do local, suas pessoas ou história. Tratando-se de um jornalista, esse desconhecimento nos faz pensar sobre o falso senso humanitário construído protocolarmente para a matéria.

No momento em que explora e busca pelo terremoto, o repórter é indiferente aos elementos que cercam seu entorno. Ele precisa captar algo para depois pensar a respeito, por isso que o filme opta em mostrar todo o caminho que o levará até o local, para que possamos observar, em sincronia temporal, o quanto o personagem demora e precisa se frustrar ao conseguir uma informação e então começar a agir. A atuação minimalista de Rajeev Anand, consegue através de pequenos trejeitos corporais, tornar essa transição bastante convincente, mesmo dentro de um mesmo tom de apatia. Uma apatia inicialmente vinda da robotização sobre a face indiferente do profissionalismo, que depois se transforma em um misto de apatia frente à própria persona, para quem cai a ficha da decepção sobre a indiferença que o levou até ali.

São camadas de reflexões pertinentes que talvez funcionassem melhor se não fossem tão entrelaçadas ao suspense. Sinto falta de mais flertes com o sobrenatural, como aquela sequência no passeio do protagonista como uma moradora do vilarejo desconhecido. Dá a entender que a partir dali o filme irá entrar em territórios mais explícitos de terror, o que seria extremamente interessante, porque àquela altura a mensagem do jornalismo deturpado meio que já havia sido passada, só restava dar o último puxão de tapete ao protagonista, não necessariamente ao filme como um todo. Existia ali, todo um cenário de ferramentas para entregar a virada junto ao fantasioso, mesmo que fosse meramente sugestivo, sendo extremamente eficiente nessa sequência.

  • SPOILERS

Acontece que não. E como já se tem a frustação de não ter a resposta do mistério sobre o terremoto, fica a frustação maior de não converter esse mistério para a liberdade um tanto mais criativa. Não chega a ser um conforto do filme, mas diante do potencial atmosférico apresentado pela mão do cineasta, que consegue sustentar a atenção sobre praticamente nenhuma ação, imagino que o final podia tomar escolhas bem mais interessantes do que uma mera “trolagem” sobre uma promessa que não seria cumprida. Assim, a curiosidade e as reflexões não parecem ter tanta força quanto a decepção, embora longe de ser um filme desonesto, existe até uma ambiguidade que sustente a ideia de uma subversão do fantástico, mas é aquilo, fica novamente no questionamento ou traz a materialização de um senso mais denso de consequências.

  • FIM DOS SPOILERS

De qualquer forma, O Tremor é um filme mais curioso do que frustrante, e acredito que seja uma boa porta de entrada para conhecer uma Bollywood de gênero fora daqueles filmes de ação espalhafatosos que viram memes na internet. Vale não só a conferida, como a anotação de Balaji Vembu Chelli como um cineasta para ficar de olho.

O Tremor (Nilanadukkam | Índia, 2020)
Direção: Balaji Vembu Chelli
Roteiro: Balaji Vembu Chelli
Elenco: Rajeev Anand, Sasikumar Sivalingam, Semmalar Annam
Duração: 71 minutos

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