Depois de tentar a sorte em Hollywood com Tomb Raider: A Origem, o cineasta norueguês Roar Uthaug voltou para seu país com a ideia de brincar um pouco com a “prata da casa”, usando a rica e divertida mitologia dos trolls para conceber uma história que é, sem tirar nem por, a sua versão de King Kong ou Godzilla, com o roteiro de Espen Aukan sendo um genuíno “recorta e cola” de tudo o que se pode esperar de um filme em que humanos indefesos precisam enfrentar criaturas impossíveis. Há a cientista que se recusa a acreditar no que vê; o maluco em quem ninguém acredita, mas que é o único que enxerga a coisa pelo que ela é; os nerds providenciais que são também fontes das obrigatórias referências à cultura pop; o soldado que se une à causa e, claro, os líderes do país que respondem com violência a tudo que não compreendem. E isso sem contar com a imensa criatura incompreendida cuja função é quebrar tudo o que encontra pela frente.
Ou seja, todos nós já vimos esse filme diversas vezes, mesmo que não o tenhamos efetivamente assistido. Não há quase nada que aconteça que não siga uma cartilha padrão de obras do gênero. E eu uso o “quase”, pois as exceções ficam por conta da mitologia própria dos trolls que é inserida com facilidade na estrutura narrativa, criando alguns momentos inspirados como é o segredo de estado que explica o porquê da criatura estar se dirigindo à capital e cenas como a que ilustra a presente crítica em que o troll, depois de farejar um soldado católico, faz dele uma rápida refeição. Mas eu não quero de forma alguma dizer, com isso, que O Troll da Montanha é um filme imprestável, pois eu acho impossível chegar a essa conclusão quando a ameaça tem a aparência que tem, nariz de batata, sobrancelhas grossas, barba desgrenhada e esse apetite peculiar, além de a capacidade de se camuflar como rochedos e montanhas. É diferente de um gorila imenso ou um lagarto gigante, com aparências mais inumanas. O troll e tudo o que gira ao seu redor constroem o diferencial do longa.
Na história, a perfuração de um túnel em uma montanha na cordilheira Dovrefjell, na região central da Noruega, desperta o troll do título e o governo convoca diversos cientistas para entender o que está acontecendo, um deles sendo a paleontóloga Nora Tidemann (Ine Marie Wilmann), a única a tentar dar respostas “fora da caixinha”, mesmo se recusando a acreditar no que parece ser a resposta mais óbvia. Ajudada por Andreas Isaksen (Kim Falck), assistente de uma primeira-ministra que poderia muito facilmente ser o Múcio, personagem do saudoso Jô Soares, tamanha sua incapacidade de tomar decisões, e, depois, pelo Capitão Kristoffer Holm (Mads Sjøgård Pettersen), Nora não demora a arregimentar a sabedoria de seu pai Tobias (Gard B. Eidsvold) com quem não fala mais há muitos anos em razão de sua obsessão com… sim, você adivinhou… trolls. Segue-se, daí, a obrigatória brutalidade bélica dos mandantes que se recusam a aceitar qualquer solução pacífica, o plano secreto de Nora e sua trupe para lidar com a situação, perseguições pela cidade, destruições aqui e acolá e, devo reconhecer, um eficiente uso de computação gráfica para dar vida ao monstrão que, por sua aparência, é capaz de causar espasmos de risos nos espectadores, o que ajuda bastante em não levar o filme a sério, já que, vamos combinar, isso não é saudável.
Como mencionei, o filme não é só previsível, o que considero uma característica positiva, como ele tem cada cena telegrafada em detalhes antes que ela aconteça, quase como se houvesse legendas dizendo ao espectador algo como “agora o troll vai salvar a criança para mostrar que, na verdade, ele é bonzinho” segundos antes do ser mitológica fazer justamente isso e a protagonista ainda narrar em alto e bom som o que aconteceu para seus colegas e isso, claro, não é tão positivo assim, cambando mais para a preguiça de oferecer algo que subestime um pouquinho menos – só um pouquinho mesmo – o espectador. Mesmo assim, entre mortos e feridos, O Troll da Montanha é uma bobeira com monstro gigante que não deixa aquela sensação de ter visto algo imprestável como acontece por mais vezes do que deveria. Roar Uthaug faz aquele feijão com arroz ralo – ou, talvez mais apropriadamente, aquele lutefisk com batata – até gostosinho, mas que não alimenta quase nada, o que é definitivamente melhor do que refeições que causam dor de barriga…
Obs: Fica aqui o agradecimento ao nosso troll Luiz Santiago por ter autorizado o uso de sua imagem para ilustrar a crítica.
O Troll da Montanha (Troll – Noruega, 2022)
Direção: Roar Uthaug
Roteiro: Espen Aukan (baseado em história de Roar Uthaug)
Elenco: Ine Marie Wilmann, Ameli Olving Sælevik, Kim Falck, Mads Sjøgård Pettersen, Gard B. Eidsvold, Anneke von der Lippe, Fridtjov Såheim, Dennis Storhøi, Karoline Viktoria Sletteng Garvang, Yusuf Toosh Ibra, Bjarne Hjelde, Jon Ketil Johnsen, Duc Paul Mai-The, Ingrid Vollan, Trond Magnum, Pål Richard Lunderby, Eric Vorenholt, Hugo Mikal Skår
Duração: 101 min.
