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Crítica | O Último Sacramento

A tragédia ficcionalizada.

por Felipe Oliveira
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Sempre com escolhas muito peculiares em seus trabalhos, Ti West foi se consagrando como um diretor subversivo no âmbito do terror. Tendo passado por tramas vampirescas, depois sobre ocultismo e atividades paranormais, em 2013 o cineasta se aventurava no subgênero do found footage. Como de costume, West ia na contramão do que estava sendo entregue no nicho, e se alguns títulos como Atividade Paranormal e Projeto Almanaque tiveram a força de se destacar em meio ao desgaste do estilo, seu sexto projeto remeteu a quando a categoria conseguia assustar pela suposta veracidade das filmagens, algo influenciado por A Bruxa de Blair. Apesar desse indício, a ideia não era contar a tradicional história que apresenta os últimos registros perturbadores numa câmera encontrada, e sim de usar a abordagem fílmica como narrativa de um mockumentary, ou quase isso.

Essa concepção sobre um pseudo-documentário só era percebida quando entendíamos a história real a qual West utilizava para concentrar sua trama sobre alienação e fanatismo religioso: o suicídio em massa orquestrado pelo culto de Jim Jones. O ponto interessante nisso foi na forma onde a trama foi construída, de modo a prender atenção do telespectador e convencer da veracidade das informações que seguiam um trio de documentaristas liderado por Patrick (Kentucker Audley), um fotógrafo em busca de conhecer uma comunidade isolada a qual a irmã Caroline (Amy Seimetz) recebeu um tratamento contra o vício em drogas.

A configuração proposta na direção de West era de refletir a possibilidade de a tragédia ocorrida em Jonestown, no ano de 1978, ser documentada. Por isso, a cinematografia de Eric Robbins se mostrava engenhosa ao trazer planos abertos, com a câmera sempre posicionada em pontos estratégicos transmitindo a ideia de um registro proibido daquela comunidade. Soma-se a isso, era como a câmera ia se caracterizando pelo caráter de deixar o telespectador tirar as próprias conclusões, sentir a atmosfera e observar o entorno. O que possibilitou com êxito esse exercício foi ter evitado o uso de planos em primeira pessoa, acompanhada de movimentos bruscos e estremecidos potencializados por jump scare, algo recorrente no found footage.

Essa mudança de abordagem, que evitava uma perspectiva claustrofóbica, foi assertiva por introduzir o telespectador num lugar desconhecido e deixar a desconfiança dos moradores para observação. Esse choque tenso era pontuado logo nas conversas e tentativas do trio em entrar no local, com suas câmeras causando hesitação numa comunidade com regras definidas, e a resposta a isso, vinha em como as pessoas foram instruídas a falarem e se comportarem enquanto o trio estivesse presente.

O que tirava a consistência pretendida da direção em transmitir para o público a estranheza e incômodo ao local recluso, visto ser descrito como uma comunidade acolhedora, mas causava desconforto frente às regras rigorosas, foi a composição pouco inspirada dos personagens, onde tínhamos o repórter Sam (AJ Bowen) e o cinegrafista Jake (Joe Swanberg) completando o trio. Ainda assim, Bowen teve carisma suficiente para assumir o papel principal, uma vez que sua percepção representava muito bem a do público, questionando a aparentemente normalidade e submissão da comunidade ao intimidador líder, o “pai”: Charles Anderson Reed (Gene Jones).

Ainda que a localização tenha sido alterada, o nome do líder tenha sofrido uma mudança, o óculos característico de Jones e a ambientação não deixavam escapar alusões ao que inspirou o mote do filme. E exatamente neste ponto que o filme falhava em sua proposta intrépida de trazer um mockumentary incomum, já que as temáticas se encaixavam num prisma atual ao falar de violência em massa, seitas, fanatismo e poder de influência do homem, algo fortemente transmitido na performance categórica de Jones na pele do manipulador “pai”. Cada cena Jones conseguia roubar a atenção pela entonação monótona, principalmente na sequência que se reunia frente aos “fiéis” que esperavam pela palavra de seu “pastor”.

Para quem nunca leu a respeito da tragédia em Jonestown, como a comunidade era chamada em reverência ao próprio Jones, talvez o filme funcionasse mais por retratar uma ideologia perigosa e atual, porém, para quem conhece, a impressão é de que West foi um pouco inocente na sua visão de segurar até o último ato todas as alusões (como se não fossem óbvias) e deixasse o acontecimento final para o choque da audiência: o desdobramento do suícido em massa. A essa altura, depois de o público ser introduzido na comunidade pelo inteligente uso da câmera, só sobrava o choque pelas mortes, e o roteiro propondo outro gancho para uma discussão moral sobre o registro da tragédia. Nisso, a jogada de West, que também editou o filme, querendo disfarçar por quem a câmera passava sem comprometer o ritmo, mexia com a curiosidade da audiência sobre quem deixaria a câmera uma última vez posicionada para ter uma filmagem.

Em suma, foi uma combinação interessante entre found footage e pseudo-documentário, ao criar uma organização fílmica onde a visão do público não era contrariado pelos movimentos da câmera em primeira pessoa, mas era convidado a ver a captura por outro panorama. Contudo, o resultado beirava como uma ousada concepção sobre do registro como evidência ou um mockumentary que não se assumia, mas queria ser visto pelo registro de uma história real.

O Último Sacramento (The Sacrament – EUA, 2013)
Direção: Ti West
Roteiro: Ti West
Elenco: AJ Bowen, Kentucker Audley, Amy Seimetz, Joe Swanberg, Gene Jones, Conphidance, Derek Roberts, Kate Lyn Sheil
Duração: 99 min

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