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Crítica | O Vento nos Salgueiros (1983)

Uma animação que desacelera o tempo.

por Luiz Santiago
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Em 1983, o estúdio Cosgrove Hall entregou à Thames Television uma adaptação de O Vento nos Salgueiros que ultrapassou as expectativas. Ganhador de um BAFTA e um Emmy, o telefilme geraria séries e especiais até 1990, tornando-se um divisor de águas da animação stop-motion britânica. A beleza e a ternura aqui são tantas que tudo nesse universo parece ter peso real: os corpos, os objetos, a paisagem. Há textura e matéria vivas, tudo vindo de um excelente uso da técnica stop-motion, reforçando a sensação de um mundo onde até os gestos mais simples possuem significado. Cada figurino dos personagens e detalhes do cenário contribuem para essa presença física e melancólica de uma realidade fantástica onde o tempo avança de forma lenta, quase fazendo parecer que tudo é a lembrança de alguém que viveu nesse cenário bucólico e, agora, está sonhando com o que talvez teria acontecido ali.

Visualmente, a obra parece um quadro vitoriano em movimento, recusando a lógica acelerada do entretenimento que já dominava os anos 1980 também na animação. Seus primeiros momentos exigem do espectador uma entrega à lentidão: a câmera passeia pelo rio, mostra detalhes da flora e fauna e dá espaço até para o soar da brisa que atravessa os juncos. É preciso ter paciência. O que vemos na tela é um respeito absoluto pelo tempo da natureza, embora isso possa irritar espectadores mais apressados, admito. É nesse fluxo que somos apresentados a dois personagens adoráveis, que ganham a nossa simpatia e nos preparam para a futura chegada do Sapo, que muda a estrutura narrativa do filme por completo. Dublado com maravilhosa energia por David Jason, o personagem quebra a paz do campo com sua ânsia por novidades tecnológicas, e a montagem responde a isso de imediato: o ritmo se acelera e a câmera acompanha, desgovernada, a obsessão maluca que toma conta de sua mente, explorando o impacto da modernidade na tradição rural, que é uma das linhas críticas do roteiro.

Essencialmente, o Sapo é a representação tragicômica do consumismo e do elitismo. Sendo muito rico, ele age de forma inconsequente e orgulhosa, preocupando-se apenas com seus próprios desejos. Seu foco obsessivo muda rapidamente de carroças para automóveis e, em seguida, para aviões. E há uma cadência temporal fantástica aí. Inicialmente, o que o anfíbio procura é paz, bons passeios e conforto. Depois, quando chegam o carro e o avião, a coisa muda de figura: ele fica neurótico, mais irresponsável, e não quer apenas passear, cantar e admirar as paisagens. Ele quer velocidade e adrenalina. A crítica é forte, mas revestida de leveza e humor pastelão. Isso não impede que o personagem acabe fazendo excelentes amizades com os fiéis Toupeira (Richard Pearson), Texugo (Michael Hordern, outra maravilhosa dublagem!) e Rato (Ian Carmichael), um grupo improvável que se une e faz com que a vida uns dos outros se torne mais confortável e menos solitária.  

Apesar de sua delicadeza e de conseguir algo incrível na excelente sequência noturna da Floresta Selvagem, o filme tropeça no desfecho, encerrando a história de forma estranhamente reticente. Não há conclusão verdadeira aqui, apenas um pseudo-fechamento que frustra a expectativa de conclusão emocional, especialmente depois da queda do avião do Sapo e do nível de amizade entre os protagonistas. É uma falta tão significativa, que acaba por derrubar um pouco mais a qualidade do filme, que tem sim os seus pequenos tropeços dramáticos no desenvolvimento, com blocos relativamente atropelados, a saber, o julgamento do Sapo, sua fuga e tudo o que acontece até a retomada da mansão, por exemplo. Ainda assim, a qualidade da história se mantém muito acima da média, e o melhor de tudo é que o esforço técnico não decai, de modo que temos uma animação belíssima do início ao fim.   

Filmes como O Vento nos Salgueiros parecem uma cápsula do tempo. Sua estética tátil, sua entrega ao ritmo natural e sua crença na amizade como antídoto à pressa e aos dissabores da vida ainda comovem. É o tipo de produção que convida o público a desacelerar, a reaprender a observar e se conectar. Sem sentimentalismos baratos e lições rasas de moral, a película fala dos perigos do mundo, dos aproveitadores e dos comportamentos reprováveis e irresponsáveis, mas também destaca que ter amigos de verdade para puxar a orelha e ajudar, quando preciso, é tanto essencial quanto um presente. Mais do que conto sobre bichos civilizados, é uma crônica sobre a briga entre tradição e progresso, entre o mal desorganizado e a junção de forças do bem para vencê-lo. Uma viagem cômica, bucólica e lírica por um Universo de articulados revestidos de látex, falando de relações interpessoais e tudo o que podemos aprender (e evitar) com elas. 

O Vento nos Salgueiros (The Wind in the Willows) — Reino Unido, 1983
Direção: Mark Hall
Roteiro: Rosemary Anne Sisson (baseada na obra de Kenneth Grahame)
Elenco: Richard Pearson, Ian Carmichael, David Jason, Michael Hordern, Beryl Reid, Jonathan Cecil, Edward Kelsey, Una Stubbs, Brian Trueman, Alan Bardsley
Duração: 79 min.

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