Home FilmesCríticas Crítica | O Verbo se Fez Carne (2020)

Crítica | O Verbo se Fez Carne (2020)

por Michel Gutwilen
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Enquanto cantos gregorianos dominam o espaço sonoro frente aos tímidos barulhos de chocalho, uma Bíblia preta, marcada por palavras douradas, aparece em plano-detalhe, dominando a tela, até ser pega por um indígena que não vemos o rosto. Já em seus primeiros segundos, o curta O Verbo se Faz Carne, de 7 minutos, nos apresenta um resumo do que virá a seguir: a disputa entre colonizadores e missionários com povos indígenas. A ideia do diretor Ziel é justamente trabalhar este conflito, de maneira simbólica, como um grande ritual, ao mesmo tempo que também leva essa disputa dialética através dos próprios dispositivos cinematográficos que ele tem ao seu dispor. 

Em seguida, somando-se aos cantos gregorianos, entram dois sons também: o de um processo de catequização, com um pastor e todo seu discurso simplista e ignorante sobre “o mal que habita os índios”. Porém, enquanto a palavra narrada manda queimar, na imagem, o que vemos é o indígena rasgando páginas da Bíblia. Mais uma vez o diretor Ziel Karapotó utiliza de uma dialética, não mais sendo só som contra som, mas imagem contra som, numa espécie de sinestesia. Um olho por um olho; uma espécie de filme-performance vingativo. 

Assim, conforme a Bíblia é rasgada, os cantos gregorianos viram secundários, como se perdessem força, e as músicas do ritual toré aumentam o volume. Neste sentido, existe aí um forte simbolismo que este ato carrega, uma vez que, associa-se a força da catequização a um mero pedaço de papel, sem valor, que pode ser rasgado a qualquer momento, banal. Afinal, é a partir do que está neste livro que se tiram as justificativas para que os missionários atuem nestas áreas indígenas. Portanto, faz total sentido que, ao rasgar aquelas páginas, a própria catequização sendo escutada em off também suma. Sem algo para se basear, a palavra não é nada. Eis aí o ponto de virada do curta.

O indígena, que antes era apenas um corpo sem cabeça, sem identidade própria (na visão dos colonizadores), aparece agora em plano médio, sua face é visualizada. Então, o longa acaba em antropofagia, sendo mais uma vez que a ideia dialética é trabalhada por Karapotó: se os colonizadores “falam”, os indígenas “agem” (rasgam, comem). Afinal, os rituais, que envolvem o fazer e o simbólico, são muito importantes para todas as tribos, então é essencial que este próprio filme seja também como um grande ritual por si só, este tipo de performance. A predominância do modus operandi indígena frente ao que estamos acostumado como um filme padrão do 1º mundo. No fim, se  justifica o perfeito título O Verbo se Fez Carne, de maneira literal. 

O Verbo se Fez Carne — Brasil, 2020
Direção: Ziel Karapotó
Roteiro: Ziel Karapotó
Elenco: Ziel Karapotó
Duração: 7 minutos

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