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Crítica | O Vingador do Futuro (1990)

por Ritter Fan
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Amando ou odiando Paul Verhoeven (acho difícil o diretor inspirar sentimentos menos radicais em alguém), o fato é que ele sabe fazer filmes inesquecíveis. Seu Conquista Sangrenta, de 1985, abordou a época medieval sem filtros, mostrando um retrato ficcionalmente honesto da época e isso no mesmo ano em que Rutger Hauer também estrelaria o drama medieval O Feitiço de Áquila, que não poderia ser mais oposto à obra de Verhoeven. O mesmo vale para RoboCop, de 1987, ainda hoje considerado um verdadeiro clássico do gênero (a versão de Padilha empalidece perante o original). E quem não se lembra da cruzada de pernas de Sharon Stone em Instinto Selvagem, das baratas gigantes em Tropas Estrelares ou mesmo das mulheres seminuas (ou totalmente nuas) em seu quase pornô trash Showgirls? Até a horda de detratores desse último filme pelo menos lembra o que viu, para o bem ou para o mal.

O fato é que as assinaturas de Verhoeven estão sempre presentes em suas relativamente escassas obras: sua forte ironia e sua sátira e crítica sociais abundantes e relevantes.

O Vingador do Futuro (mais um título infeliz em português), estrelando Arnold Schwarzenegger, é um claro exemplo de como o diretor consegue aliar imagens antológicas, efeitos especiais e violência com uma saudável camada de comentário crítico ao que vivemos nos dias de hoje. O filme, baseado em Podemos Recordar para Você, por um Preço Razoável, conto do magistral autor de ficção científica Philip K. Dick, conta a história, em um futuro não especificado, de Douglas Quaid (Schwarzenegger), que tem fixação com Marte. Como um trabalhador comum, ele não tem meios para pagar uma viagem até lá, mas acaba aceitando uma alternativa: um implante de memória da empresa Rekal, que funciona como se ele tivesse viajado. O problema é que, como um excitante bônus, o implante faria Quaid viajar como um agente secreto e isso, para surpresa de todos, especialmente do próprio implantado, acaba destravando o que talvez possa ser a verdadeira memória do personagem como um espião. Quaid, então, passa a ser perseguido pelo que parece ser o mundo todo, especialmente sua esposa Lori (Sharon Stone) que, na verdade, não é bem sua cara-metade. Partindo para uma aventura em Marte, Quaid se depara com o poder dominante oprimindo a classe trabalhadora, que planeja uma revolta. Ele parece ser a chave de tudo, mas a questão que ele mesmo não sabe responder é: quem exatamente ele é?

O conto de Philip K. Dick é curto e objetivo, com um final completamente diferente do filme. A única coisa realmente aproveitada em O Vingador do Futuro é o conceito de um implante de memória envolvendo Marte destravando outras memórias em Quaid (Quail no conto). O resto é uma bem bolada construção que começou, de forma embrionária, em 1975, com Ronald Shusett e Dan O’Bannon, que queriam desenvolver esse filme mas acabaram fazendo Alien no lugar (leiam a história aqui). São reviravoltas e mais reviravoltas, todas muito bem costuradas em roteiro inteligente e bem executado por Verhoeven.

O futuro nos é apresentado não como algo extravagante e surreal, mas sim muito na linha de RoboCop, como algo terreno (mesmo quando a ação se desloca para Marte), com personagens interessantes e com quem o espectador consegue se relacionar, se preocupar ou sentir raiva. Schwarzenegger encarna Quaid de maneira muito eficiente, convencendo-nos de sua transformação de uma pessoa completamente confusa, surpresa e frágil (ok, frágil talvez seja um exagero, mas vocês entenderam o que quis dizer) em um herói (ou será que ele é vilão, ou é tudo um sonho?) de ação. Sharon Stone e Rachel Ticotin (Melina, a namorada da segunda persona de Quaid) convencem como mulheres de ação e Michael Ironside, vivendo Richter, talvez esteja no melhor papel de sua vida depois de seu Darryl Revok em Scanners – Sua Mente Pode Destruir.

A veia irônica e satírica de Verhoeven se faz presente a todo o momento. Para começar, a busca por férias falsas de uma classe social mais baixa que almeja alcançar os patamares de uma classe social mais alta, algo discreto no conto original, é exacerbado aqui, com críticas fortes ao consumismo desenfreado e à necessidade de fazer algo só porque os outros fazem. O mesmo vale para a classe dominante, caracterizada com opressora e fútil.

Sim, é verdade que o comentário social se dá no meio de pancadaria e tiroteios, mas as melhores críticas dessa natureza vêm quando elas não são o centro da atenção. A ação é um veículo, um vetor que transporta o comentário ao nosso subconsciente e deixa-o lá, pronto para pular a qualquer momento, naquelas horas em que estalamos os dedos e dizemos: “É verdade, igualzinho ao filme tal”.

O Vingador do Futuro, queiram ou não, já tem seu lugar garantido no panteão dos clássicos da ficção científica. É um filme que, uma vez visto, não será esquecido, mesmo que ele não tenha agradado ao espectador. Diverte, deixa tenso, faz vibrar e, no meio de tudo isso, ainda nos lega lições e belíssimas alfinetadas que todos nós precisamos de tempos em tempos.

O Vingador do Futuro (Total Recall, 1990)
Direção: Paul Verhoeven
Roteiro: Ronald Shusett, Dan O’Bannon, Gary Goldman (baseado em conto de Philip K. Dick)
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Rachel Ticotin, Sharon Stone, Ronny Cox, Michael Ironside, Marshall Bell, Mel Johnson Jr., Michael Champion, Roy Brocksmith, Ray Baker, Rosemary Dunsmore, David Knell, Alexia Robinson, Dean Norris
Duração:  113 min.

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