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Crítica | Obi-Wan Kenobi – Parte I e Parte II

Reclusão interrompida.

por Ritter Fan
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Ajude-me, Obi-Wan Kenobi. Você é minha única esperança.
– Organa, Leia.

A terceira série live-action da Era do Streaming de Star Wars aporta no Disney+ com dois episódios de uma só vez dos seis no total para contar a história de (Ben) Obi-Wan Kenobi no intervalo de tempo entre A Vingança dos Sith e Uma Nova Esperança em que ele suspostamente ficou recluso em Tatooine servindo de guardião secreto de Luke Skywalker. Como de praxe, fiz duas críticas separadas, uma para cada episódio, com a do primeiro tendo sido redigida antes de eu assistir o segundo para evitar “contaminação”. Vamos lá conferir as críticas?

Parte I

Dez anos depois do final de A Vingança dos Sith, Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) é um homem assombrado por seu passado, pelo que ele percebe como sua falha em treinar Anakin Skywalker (Hayden Christensen) como Jedi, em impedi-lo de trilhar o caminho do Lado Sombrio da Força de acordo com os desejos de seu moribundo mestre Qui-Gon Jinn. Kenobi, tendo sobrevivido à Ordem 66 e mutilado seu psicótico pupilo em um combate mortal (ou quase), vive uma reclusa, tediosa e, em última análise, covarde vida em Tatooine, trabalhando mecanicamente, dormindo em uma caverna espartana e extraindo alguma razão de viver da observação ao longe do jovem Luke Skywalker (Grant Feely) que ele um dia almeja treinar nos Caminhos da Força mesmo que Owen Lars (Joel Edgerton) seja terminantemente contra.

Como sabemos que Kenobi, em sua versão Alec Guinness,, continua vivendo escondido em Tatooine quando Uma Nova Esperança começa, ou seja, nove anos a frente, a produção da série tinha um impasse em mãos, ou trabalhava circunscrita ao planeta desértico banhado por dois sóis onde tudo começou ou construía uma história que permitisse “escapadas” do Mestre Jedi, mesmo tendo que pisar em ovos para não rasgar de vez a cronologia da franquia. E era mais ou menos óbvio que a segunda opção seria escolhida, com o primeiro episódio do que ainda é anunciada como uma minissérie (o que pode mudar, claro) inteligentemente estabelecendo a premissa de um Jedi torturado por seu arrebatador sentimento de culpa para então, bem ao final, fazê-lo finalmente largar seu posto de guardião distante de Luke para localizar ninguém menos do que Leia Organa (Vivien Lyra Blair), sequestrada por caçadores de recompensa liderados por Vect Nokru (ninguém menos do que Flea, do Red Hot Chili Peppers), depois que seu pai, o Senador Bail Organa (Jimmy Smits) suplica por sua ajuda, ecoando o icônico “help me Obi-Wan Kenobi” que catalisa os eventos do Episódio IV.

O que realmente funciona como o coração do episódio de abertura é o tempo investido em McGregor de volta ao seu personagem depois de 17 anos distante deste universo. Ver sua rotina em Tatooine, com cada repetição incrementada pela proximidade cada vez maior dos Inquisidores Sith caçando Jedi liderados pelo Grande Inquisidor de Rupert Friend (o Peter Quinn, de Homeland), com um figurino e maquiagem que particularmente achei muito pobres, é essencial para que entendamos o suplício de Kenobi, sua desesperança, sua aceitação da derrota de sua Ordem sofrida nas mãos de Palpatine. O roteiro é enxuto e esperto o suficiente para saber que precisa convencer o espectador de que o que vemos é uma sombra intermediária entre as duas versões do mesmo personagem, a primeira impetuosa e a segunda sábia, com a excelente Deborah Chow capturando a exata dose de melancolia a partir da atuação econômica de McGregor.

Da mesma forma, o texto bebe em boa medida de suas fontes mais importantes, dando tanta atenção ao que veio cronologicamente antes quanto ao que está por vir, mas sem ficar escravo da inserção de referências forçadas para agradar os fãs. Sim, claro que elas estão lá em quantidade, mas o ponto é que elas parecem importantes e são competentemente inseridas na tapeçaria narrativa que tem como ponto focal o guerreiro relutante que é obrigado a arriscar tudo por um ideal. Tudo funciona bem nesse aspecto, seja a apresentação dos Inquisidores, com especial destaque para a Terceira Irmã, ou Reva Sevander (Moses Ingram), que deseja mais do que tudo, contra as ordens expressas de seu superior, encontrar Kenobi, uma lenda que até mesmo os Sith desistiram de procurar depois de uma década de dominação da galáxia, seja a história apenas aparentemente paralela que nos apresenta à jovem e espevitada Leia, em Alderaan que serve como gatilho para que o pesaroso Jedi desencave seu sabre de luz e relutantemente parta do planeta em que vive e que, ainda bem, se conecta com os Inquisidores via Reva, em um ótimo movimento circular que não deixa tramas perdidas.

O primeiro episódio de Obi-Wan Kenobi sabe ter paciência para (re)construir seu protagonista e tornar relevante sua história de reclusão sem partir para a pancadaria ou pulos de lógica. McGregor, por seu turno, mostra que tem plena capacidade de ser um Kenobi realmente digno agora que tem uma boa diretora ajudando-o (porque sim, sua atuação na Trilogia Prelúdio é, na melhor das hipóteses, engessada). Definitivamente um ótimo começo para o que, pelo menos para mim, parecia uma história que não precisava ser contada.

Parte II

Impossível não fazer a conexão entre Obi-Wan Kenobi e The Mandalorian ao ver o personagem-título levar a tiracolo uma criatura diminuta de verde enquanto foge de ameaças sinistras. Se fizermos a conta, notaremos que 100% das séries live-action da franquia Star Wars tiveram uma dupla assim, mesmo que, em uma delas, isso tenha sido marretado na narrativa sem qualquer razão de ser. Mas, considerando a premissa da nova série e do gatilho que retira Kenobi de Tatooine, algo assim era mais do que esperado, mesmo que, aos puristas, possa ser razoavelmente estranho descobrir que Leia Organa chegou a ter uma aventura ao lado do Jedi, algo infinitamente menos idiota e intrusivo do que detruir o misticismo da Força com os midi-sei-lá-o-que.

O único problema do segundo episódio – e é um problema grande, diria – é que ele deixa de lado o que o primeiro tinha de especial, o foco em Kenobi, para lidar com uma narrativa consideravelmente simplista que o coloca como alvo da furiosa e particularmente eficiente inquisidora Reva que, dentre outros feitos, aniquila seu chefe sem dó nem piedade em uma cena que subverte expectativas e revela, ao final, que sua devoção é à Darth Vader que, para surpresa do Jedi, ainda está vivo. Ou seja, é um episódio básico “de fuga” em que conhecemos personagens como o charlatão de bom coração Haja Estree (Kumail Nanjiani) e ganhamos uma simpática participação especial de Temuera Morrison como um clone veterano pedindo esmola em meio a um planeta que parece saído diretamente de Blade Runner em um uso mais bem acabado da tecnologia de retroprojeção StageCraft se comparado com o aspecto artificial e talvez “limpo” demais dos cenários no primeiro episódio.

O roteiro é o mais objetivo possível, criando todas as oportunidades para a interação de McGregor com a atriz mirim Vivien Lyra Blair que se esforça para fazer uma mini-Leia que dá vontade de torcer o pescoço umas 18 vezes e para lembrar Kenobi de quem ele um dia foi, compassadamente tirando o ferrugem de suas habilidades, culminando com a levitação da menina quando necessário. É como acompanhar um manual de redação de roteiro, o que pode parecer algo excelente, mas que não é na verdade, pois tudo parece preso entre duas paredes que impedem qualquer semblante de real criatividade e de efetivo desenvolvimento de personagens para além da vilã Reva, que ganha mais contornos aqui do que a obsessiva durona do capítulo inaugural.

Por outro lado, a direção de Deborah Chow é novamente muito boa, com sua capacidade de lidar com ação que ela já havia demonstrado por duas vezes em The Mandalorian se repetindo aqui e efetivamente melhorando o texto mais banal que ela tinha para colocar na tela. Ela tem bem menos espaço para lidar com o lado psicológico de Kenobi, mas compensa com algumas boas tomadas de luta corporal e de demonstração de acrobacias por parte da dublê de Moses Ingram fazendo parkour Sith nos telhados da cidade.

Apesar de consideravelmente mais movimentado, o segundo episódio de Obi-Wan Kenobi é, também, bem mais aventura-padrão, o que não é exatamente ruim – longe disso, diria -, mas que chega a decepcionar levemente por tirar Kenobi do centro absoluto das atenções e abrir o palco para os fogos de artifício talvez cedo demais, ainda que a série seja breve, composta apenas por seis episódios. Com a promessa do retorno de Darth Vader ao final, pode ser que os dois aspectos – ação e estudo de personagem – encontrem o equilíbrio perfeito e Obi-Wan Kenobi possa começar a ajudar a apagar o gosto ruim que ficou com a série daquele outro personagem legado de Tatooine.

Obi-Wan Kenobi – Parte I e Parte II (EUA, 27 de maio de 2022)
Direção (Partes I e II): Deborah Chow
Roteiro (Parte I): Joby Harold, Hossein Amini, Stuart Beattie (baseado em história de Stuart Beattie e Hossein Amini)
Roteiro (Parte II): Joby Harold (baseado em história de Stuart Beattie e Hossein Amini)
Elenco: Ewan McGregor, Rupert Friend, Sung Kang, Moses Ingram, Joel Edgerton, Bonnie Piesse, Simone Kessell, Vivien Lyra Blair, Flea, Jimmy Smits, Grant Feely, Benny Safdie, Kumail Nanjiani, Rya Kihlstedt, Temuera Morrison, Hayden Christensen
Duração: 55 min. (Parte I); 41 min. (Parte II)

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