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Crítica | Obsessão Secreta

por Gabriel Carvalho
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“Eu não sei nem o seu nome.”

Certas obras conseguem ser tão estúpidas, na ausência de alguma expressão mais simpática, que entregam seus enredos justamente em como se chamam. Obsessão Secreta é um desses casos, promovendo até arrepios no crítico que vos escreve, em meio ao impasse de citar nominalmente o próprio longa ou não – visa-se, como de costume, entregar uma crítica sem revelações da trama. Uma obsessão secreta ronda o suposto acidente que tirou memórias pontuais de Jennifer (Brenda Song). Portanto, os espectadores são colocados com os seus olhos vidrados a essa informação crucial, no lugar de uma construção propriamente dita, que invocasse qualquer senso de paranoia ou desconstrução de aparências. Ao invés de uma sustentação de tensão parecida a de Corra! – obra exemplar em movimentar situações que não são o que parecem ser -, a desconfiança surge em níveis alarmantes já nas primeiras cenas do longa. Jennifer, nesse caso, enfim retorna para casa com o seu marido, Russel Williams (Mike Vogel), e enquanto retoma a sua memória, sempre convenientemente, questionamentos sobre o que de fato acontecera naquela desafortunada noite começam a aparecer. Nós já entendemos tudo em segundos. Mesmo assim, os tantos problemas do longa, consistente somente nas asneiras que permeiam a narrativa, vão muito além de qualquer previsibilidade. Pois, dentro do uso dos tais clichês, a estupidez reverbera com mais ousadia ainda.

Peter Sullivan, responsável por essa pérola do thriller cinematográfico, começa errando logo pela premissa do longa, completamente imbecil – essa palavra será repetida em outras oportunidades, acostume-se. Apenas os policiais mais estúpidos permitiriam acontecer o que então acontece com Jennifer depois do seu acidente. Um completo amadorismo generalizado se instala, ironicamente também personificado na condução desse projeto, igualmente escolar, sem a audácia de satirizar ou a competência de reiterar. Tal cineasta, que ao mesmo tempo assina o roteiro junto com Kraig Wenman, parece estar criando uma paródia do gênero, vide a quantidade de erros que todos os personagens precisam cometer para a narrativa só se iniciar. Um estudante de cinema no primeiro período do seu curso provavelmente seria mais criativo, na busca por incrementar seriedade aos acontecimentos principais. Ambos os artistas, contudo, trazem históricos bastante questionáveis: carreiras compostas por filmes de horror que apenas seus parentes devem ter assistido e muitas – muitas mesmo – comédias natalinas. Obsessão Secreta, por sua vez, desponta como o primeiro projeto com maior visibilidade de suas vidas. Consequentemente, se o restante das filmografias soa excessivamente comercial, quiçá uma exuberante lavagem de dinheiro, o caso é naturalmente repetido aqui, com as usuais peças, mas de maneira inoperante e automática, sendo posicionadas.

Os mesmos esquemas do gênero, que não ofendem, mas são incapazes de evocarem qualquer percepção sincera, se orquestram, em meio a uma montagem medíocre e uma música genérica, pontuada mesmo sem criar tensão. Porém, reais incômodos potencializam-se pela desinteligência com que o péssimo roteiro amarra os seus eventos. Uma enorme quantidade de cenas mostra ser questionável: a vítima que convenientemente não mata um obsessor nocauteado, o obsessor que convenientemente não executa um invasor inesperado, a testemunha que não é assassinada por motivos coerentes, e o roteiro nada coeso que não se importa nem em a mencionar novamente. O thriller psicológico é, no mais, misturado com o thriller investigativo, porque, ao passo que Jennifer começa a questionar o seu status quo, um investigador também surge em cena. Entretanto, se a obra anda por alguma razão é por conta de deduções e não por qualquer progressão esperta. Esse personagem, no ramo das atuações, pelo menos recebeu um decente intérprete. Dennis Haysbert compromete-se com um personagem, no entanto, extremamente raso, pincelado por um sub-arco pessoal, relacionado ao seu triste passado, nenhum pouco desenvolvido. Já Brenda Song encarna uma protagonista sem personalidade, que funciona como uma avatar do arquetípico da mulher em perigo. Mike Vogel consegue ser pior, sem conseguir transmitir a sensação que o seu papel requer.

Nem a comum conclusão consegue dar um novo gás para a obra, podendo ser trocada por outras centenas, naturais de longas-metragens tão inócuos quanto esse. Do contrário, os seus segundos finais conquistam a proeza de trazerem um tom completamente sem sentido em comparação ao que se estabelecera em termos de gravidade. A protagonista, caso se comportasse como um ser humano verdadeiro, encontraria-se em um estado depressivo extremamente profundo – uns três anos, no mínimo, de pânico. E com menos pretensão de austeridade, o longa serviria enquanto cinema trash. O pior é que, surpreendentemente, não existem segredos ou mistérios no porquê de estarmos comentando sobre uma obra dirigida pela mesma pessoa especializada em exemplares de cinema natalino que ninguém conhece. Pois a verdade é que Obsessão Secreta nunca teria ganhado o ar das graças, o número de espectadores que terminou alcançando, se não fosse a “boa” Netflix, conseguindo dar voz a um produto enormemente genérico – e se eu usei o termo genérico outra vez, redefina-o novamente, mas pensando nessa obra em questão. Para preencher catálogo, nada mais gratificante que uma quantidade gigantesca de produções que provavelmente seriam, outrora, lançadas em vídeo ou ganhariam exibições em canais pagos, escondendo-se em algum canto escuro duma locadora. Contudo, esta obsessão da empresa não tem nada de secreta.

Obsessão Secreta (Secret Obsession) – EUA, 2019
Direção: Peter Sullivan
Roteiro: Peter Sullivan, Kraig Wenman
Elenco: Brenda Song, Mike Vogel, Dennis Haysbert, Ashley Scott, Paul Sloan, Daniel Booko
Duração: 97 min.

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