Home TVTemporadasCrítica | Olhos de Wakanda – 1ª Temporada

Crítica | Olhos de Wakanda – 1ª Temporada

Wakanda desde sempre.

por Ritter Fan
8,6K views

Coincidentemente ou não, Olhos de Wakanda, a primeira série da Fase 6 do Universo Cinematográfico Marvel, tem estrutura e premissa muito semelhantes à de Predador: Assassino de Assassinos: não só ambas são animações, como as obras contam com quatro histórias em formato de semi-antologia que passeiam por diferentes épocas da História. A única real diferença é que, no longa de Dan Trachtenberg, as três primeiras partes convergem na quarta, enquanto que, na série desenvolvida por Todd Harris, essa característica inexiste. Para além dessa conexão entre propriedades hoje debaixo do mesmo guarda-chuva corporativo, é interessante notar que Olhos de Wakanda é a primeira série animada do UCM que efetivamente se passa na linha temporal principal, a chamada Linha Temporal Sagrada, o que ao mesmo tempo expande a presença de Wakanda na História do Mundo, como a própria história do UCM com um tudo, ainda que o impacto direto na narrativa macro que conhecemos – notadamente por meio de Pantera Negra – só apareça de verdade no último episódio que, bem no estilo dos quadrinhos, promove um retcon interessante.

Em linhas gerais, Olhos de Wakanda lida com a organização Hatut Zeraze, ou Cães de Guerra, uma espécie de CIA wakandana que tem como objetivo reaver silenciosamente tecnologia à base de vibranium da nação escondida no coração do continente africano que porventura chegue ao mundo exterior. O primeiro episódio, que se passa fundamentalmente em Creta e vizinhança no ano de 1.260 a.C., lida com Noni (Winnie Harlow), uma ex-integrante da forças especiais Dora Milaje, que é recrutada para recuperar objetos poderosos das garras do conquistador Leão (Cress Williams), um wakandano renegado. Para todos os efeitos, esse é o começo, na prática, dos Cães de Guerra, com o episódio seguinte, que se passa décadas depois em Troia, no final da famosa guerra, girando ao redor de B’Kai (Larry Herron) que há anos se infiltrara como Memnon, nos Mirmidões, exército de Aquiles (Adam Gold), para recuperar um colar da famosa Helena de Troia (Joanna Kalafatis). O terceiro episódio, Achados e Perdidos, avança para 1.400 d.C. e se desloca para a China, com outro agente infiltrado, o afobado Basha (Jacques Colimon), roubando uma estatueta importante para o lugar e tendo que enfrentar Jorani (Jona Xiao), a Punho de Ferro da época, que, por sua vez, consegue se infiltrar em Wakanda. No último, uma Pantera Negra de 500 anos no futuro (Anika Noni Rose) aparece em 1896, em Adwa, na Etiópia, durante a famosa batalha do exército local contra a força invasora italiana, para garantir que um artefato wakandano recém-recuperado pelo novato príncipe Tafari (Zeke Alton) e o experiente Cão de Guerra Kuda (Steve Toussaint) permaneça onde fora encontrado para evitar uma catástrofe futura.

Em poucas palavras, a produção é belíssima, replicando em animação o visual suntuoso e rico tanto do longa de 2018, quanto da continuação Wakanda para Sempre, com design de personagens e textura inspiradas em pinturas de artistas afro-americanos modernos e uma qualidade bem acima da média em termos de fluidez de movimentos. Percebe-se muito claramente que as equipes de animação não se ativeram a apenas um padrão e emprestaram a cada episódio personalidade própria, ainda que, claro, mantendo a unicidade visual. Detalhes como os do uniforme do Leão ganham eco na forma como a grandiosidade de Troia é retratada e, depois, em como o interior labiríntico do quartel-general do Hatut Zeraze é trabalhado, culminando com uma riquíssima recriação de Adwa durante a guerra e, claro, a versão futura de Wakanda. Há muito o que observar em Olhos de Wakanda, que funciona muito bem como veículo para reacender o interesse sobre a mitologia de Wakanda que, querendo ou não, foi afetada pelo tumulto que foi o filme de 2022.

E, claro, é interessantíssimo ver a presença secreta de Wakanda ao longo de milênios, ainda que isso também ressalte o quanto o enclave ultramoderno no coração da África poderia ter mudado radicalmente a História do Mundo, notadamente impedindo a brutal colonização europeia em seu continente, se tivesse deixado de ser essencialmente egoísta e se revelado bem antes do que os tempos modernos. Aliás, a tecnologia wakandana é um elemento que causa estranheza, pois não deixa de ser surreal ver B’Kai usar um radiotransmissor no século XIII a.C. ou Basha um avião no século XIV d.C., algo que é amplificado pela relativa dificuldade em imaginar desenvolvimentos tecnológicos lógicos até o presente e, também, 500 anos no futuro (como acontece com diversas franquias de ficção científica, notadamente Star Trek). Mas a série não tenta esconder a escolha dos monarcas de Wakanda em manter sua existência em sigilo, custe o que custar, por um lado, e o uso liberal de tecnologia “impossível” por outro, já que Todd Harris parece ter como objetivo deixar ainda mais evidente como Wakanda é, de muito longe (muito mesmo), a nação mais desenvolvida do UCM na Terra.

Curiosamente, porém, apesar de cada um dos episódios ter visuais e tons próprios, com o primeiro sendo uma narrativa de autodescoberta, o segundo lidando sutilmente com a homossexualidade conhecida de Aquiles, o terceiro caminhando mais para a linha cômica e o terceiro completamente para a ficção científica, a repetição temática é frustrante. Ter a recuperação de tecnologia wakandana como gatilho para todos os episódios é cansativo, além da obediência cega de seus agentes. Faltou um pouco mais de trabalho de desenvolvimento para cada protagonista, com nuanças de personalidade mais proeminentes e menos pasteurizadas. O resultado dessa combinação acaba funcionando como uma âncora narrativa que impede a realização completa, nas telinhas, da visão ambiciosa de Harris, algo que é ecoado na timidez da quantidade de episódios. Havia e há muito mais material para enriquecer essa abordagem e só quatro capítulos, dois deles geográfica e temporalmente muito próximos, sem realmente jogar um puçá mais amplo e variado já aqui nesse começo e não somente em temporadas futuras, se houver, impede que o conjunto da obra alce voos maiores. Nem mesmo o quarto episódio tem esse condão, ainda que o retcon feito, sozinho, talvez até merecesse uma abordagem cinematográfica, pois, pelo menos nas HQs, esse tipo de história costuma dar pano para manga.

Olhos de Wakanda poderia ser bem mais do que é, mas, sem dúvida alguma, seus quatro episódios oferecem riquezas visuais e narrativas – mas especialmente visuais – que mais do que fazem a jornada valer a pena, revelando-se como uma ótima maneira de expandir a influência de Wakanda no UCM e o próprio UCM como um todo, sem precisar se valer de personagens de grande destaque. Fica a torcida para que os quatro episódios apresentados não sejam os únicos planejados e que a série retorne para abordar outras eras, outros personagens e outras regiões do globo.

Olhos de Wakanda – 1ª Temporada (Eyes of Wakanda – EUA, 1º de agosto de 2025)
Desenvolvimento: Todd Harris
Direção: Todd Harris, John Fang
Roteiro: Geoffrey Thorne, Marc Bernardin
Elenco: Winnie Harlow, Cress Williams, Patricia Belcher, Larry Herron, Adam Gold, Lynn Whitfield, Kiff VandenHeuvel, Yerman Gur, Joanna Kalafatis, Jacques Colimon, Jona Xiao, Isaac Robinson-Smith, Gary Anthony Williams, Zeke Alton, Steve Toussaint, Anika Noni Rose, Debra Wilson
Duração: 125 min. (quatro episódios)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais