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Crítica | O Crepúsculo dos Deuses no Theatro Municipal de São Paulo (2012)

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

O Crepúsculo dos Deuses é a última parte da tetralogia de Richard Wagner denominada O Anel do Nibelungo, composta também pelas óperas O Ouro do RenoA Valquíria e Siegfried.

Num longo processo de composição que foi de 1850 a 1874, Wagner passou da ideia original de uma única ópera que chamou temporariamente de A Morte de Siegfried (título usado por Fritz Lang em seu primeiro filme sobre os Nibelungos) para uma longa e épica caminhada que vai de um mundo de deuses e seres míticos (O Ouro do Reno) ao mundo dos humanos, onde deuses e outros seres são apenas citações e referências do passado, com aparição de um ou outro Poderoso em cena, mas por pouco tempo, como vemos em O Crepúsculo dos Deuses.

Na busca de um “Anel brasileiro”, chegamos à segunda ópera do ciclo que recebe montagem aqui em terras tupiniquins. Apesar de algumas ressalvas, A Valquíria (2011) foi o pontapé inicial para esse projeto, que agora nos traz, mesmo que fora de ordem, mais uma ópera da tetralogia, a que encerra toda a mitologia dos deuses e se apresenta como ponto de partida para uma nova ordem, onde o poder (perdido, quando o Anel volta para o leito do Reno, após seu transbordamento) é vencido pelo amor. Se receber os devidos incentivos, o projeto nos trará O Ouro do Reno e Siegfried em breve, mas acredito que com o bicentenário do nascimento de Wagner no próximo ano (2013), algumas movimentações interessantes podem mover ânimos, bolsos e produções. Vamos esperar.

Com récitas até o dia 25/08/2012, a montagem no Theatro Municipal de São Paulo impressiona pela sua beleza e citação de motivos brasileiros na cenografia, como as três Normas vestidas de orixás durante o Prólogo; a procissão nordestina de ex-votos e retirantes; a reprodução dos filmes Limite e São Paulo Sinfonia de uma Metrópole no palácio dos Gibichungs e o encontro das águas do Rio Negro com o Rio Solimões. Assim como Wagner usou de motivos nórdicos e de outras mitologias e cantos para a composição de seus librettos, André Heller-Lopes nos traz uma contextualizada e muito bem-vinda inserção brasileira na saga do Anel do Nibelungo.

O Prólogo da obra é lento, mas não despropositadamente. Com o tema que expõe, espantaria se Luiz Fernando Maleiro agitasse a batuta com mais rapidez. O ritmo ganha mais corpo na cena seguinte, quando Siegfried e Brünnhild fazem juras de amor e o herói parte em busca de aventuras, uma caminhada que mudará para sempre a sua relação com a amada e selará tanto o destino do par quanto o destino dos deuses. A iluminação e o cenário inicial já impressionam o público pela inovação e peculiaridade, transitando rapidamente através de uma ágil concepção cenográfica.

O Primeiro Ato nos leva para o castelo dos Gibichungs. A luz é intensa e temos uma oposição cênica que num primeiro momento causa estranheza. Partimos de um prólogo com objetos cênicos não contemporâneos e, quando o primeiro ato começa, temos um castelo sob um design secular, muito diferente do que imaginávamos. Passado o choque inicial, percebemos a validade desse ambiente contrastando com o primeiro, que até nos figurinos traz grandes mudanças. O final desse ato é brindado com a engenhosa montagem de jogo de espelhos, que faz Brünnhild ser subjugada e dada como esposa de Gunther.

O Segundo Ato é o “ato da vingança”. As minhas maiores ressalvas quanto ao espetáculo estão situadas aqui e vão desde o aproveitamento do coro até a falta de poder na voz do tenor John Daszak para fazer um Siegfried mais enfático, mais presente, mais notável. O cantor está correto todo o tempo, em técnica e atuação dramático-vocal imaginadas para o personagem, mas há momentos em que sentimos falta de uma maior explosão, como é corrente nos tenores wagnerianos.

O Terceiro Ato é o meu favorito, e embora o desfecho tenha sido um pouco confuso à primeira vista, não posso me furtar os elogios e aplausos para as escolhas aqui realizadas. O fim do reinado dos deuses e o surgimento de uma outra ordem foi algo extremamente poderoso, alimentado por uma finalização soberba da Orquestra Sinfônica Municipal e uma belíssima e pertinente representação do amor vencendo o poder. O Crepúsculo dos Deuses é definitivamente um espetáculo para ser relembrado no decorrer dos anos e um enorme ganho artístico para a produção operística brasileira. Quando as luzes se apagaram e a cortina desceu, toda a plateia havia renascido. Na saída do teatro só havia sorrisos e trechos de conversas animadas sobre o espetáculo. E não poderia ser diferente em vista de mais esse louvável capítulo para a construção de um ‘Anel brasileiro’.

O Crepúsculo dos Deuses (Götterdämmerung) – Alemanha, 1876
Local e data da presente montagem: 
Theatro Municipal de São Paulo, agosto de 2012
Composição e Libretto: Richard Wagner
Direção: André Heller-Lopes
Regência: Luiz Fernando Malheiro
Orquestra Sinfônica Municipal e Coral Lírico
Elenco: Eliane Coelho, John Daszak, Gregory Reinhart, Denise de Freitas, Leonardo Neiva, Homero Velho, Claudia Riccittelli, Pepes do Valle, Janette Dornellas, Lídia Schaffer, Keila Moraes, Flávia Fernandes, Maira Lautert, Laura Aimbiré
Duração: 360 min.

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