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Crítica | Orange is the New Black – 3ª Temporada

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

Obs: Há spoilers somente das temporadas anteriores.

Se a primeira temporada de Orange is the New Black, série produzida pela Netflix, nos apresentou, ainda que com timidez, o fascinante mundo de Litchfield, prisão feminina de segurança mínima, a segunda temporada alcançou rapidamente o panteão de uma das melhores séries da atualidade, trabalhando um elenco enorme e sempre perfeitamente azeitado, com atuações brilhantes de não um ou dois atores, mas sim de basicamente todo mundo que ganha algum tempo de tela.

Como então fazer uma terceira temporada que pudesse almejar chegar na mesma altura da anterior? A resposta a essa pergunta poderia facilmente ser um “ora, mudando o status quo” ou “introduzindo um personagem novo” ou algo do gênero. E, ainda que Jenji Kohan, a criadora da série (baseada na biografia de Piper Kerman) faça justamente um pouco de cada, o fato é que ela não joga pela janela sua estrutura vencedora de antes. Muito ao contrário até: ela corajosamente mergulha mais profundamente ainda em seus personagens, envolvendo o espectador no processo.

E por isso é tão difícil – ou injusto – escrever sobre essa terceira temporada. Se, anteriormente, tínhamos uma vilã bem definida – Vee, que morre no último segundo do último episódio da segunda temporada – agora não mais temos essa “facilidade”. Não existe uma história ou um personagem que possamos simplesmente odiar e canalizar nossos pensamentos ou mesmo uma forma fácil de resumir a temporada. Agora, a realidade é outra, sem rosto, talvez muito mais perversa. Kohan trabalha o sistema prisional como vilão, mas não da maneira que filmes de prisão comuns fazem isso, pois OITNB não é nem de longe comum. O que vemos é a privatização de Litchfield para impedir seu fechamento e, no processo de assimilação, tudo vai ficando gradativamente pior. O maior símbolo da mudança é a comida, que passa a ser uma pasta gosmenta uniforme, tudo para economizar centavos por cabeça para a MMR – empresa que adquiriu os direitos de “exploração” da prisão – e, com isso, fazer com que seu CEO tenha bons resultados financeiros a curto prazo.

As mudanças corporativas em Litchfield formam a cola que une os 13 episódios da temporada e, como essa situação acontece em grande parte nos bastidores, sobra muito tempo para focar na multitude de diferentes personagens da série. Nosso “personagem de entrada” na série, Piper Chapman (Taylor Schilling) é realmente apenas mais uma dentro dessa engrenagem e não necessariamente a protagonista. Sua evolução de loirinha bonitinha a mafiosa das calcinhas usadas é absolutamente incrível e hilária dentro da proposta satírica de Kohan, mas essa é apenas uma das várias histórias igualmente incríveis. Alex Vause (Laura Prepon), por exemplo, a eterna ex-atual-ex-amante de Chapman, enfrenta seus fantasmas e o temor que tem de ser assassinada na prisão depois que traiu o traficante de droga para quem trabalhava. Mas Chapman e Vause não têm os holofotes. E ainda bem! Esses estão apontados amplamente para toda a população da prisão, sejam as prisioneiras, sejam os carcereiros.

Em mão menos hábeis, seria fácil perder as rédeas sobre a temporada, pois a difusão de assuntos é algo extremamente perigoso. Mas, assim como aconteceu na sensacional segunda temporada, as histórias continuam cativantes e todas elas são introduzidas de maneira orgânica na série. Temos o dilema moral porque passa Joe Caputo (Nick Sandow), ex-assistente do invisível diretor da prisão e, agora, assistente do Diretor de Relações Humanas da MMR, o inexperiente Danny Pearson (Mike Birbiglia). Caputo, no começo da temporada, descobre que Litchfield será fechada e, graças a seus esforços (com uma ajudinha de Fig – Alysia Reiner – sua amante ocasional), convence a empresa a incorporar a prisão a seu portfólio. Com isso, ele inocentemente acha que resolveu os problemas de seu staff e de seus prisioneiros, somente para descobrir que, agora, a ingerência externa passa a ser substancialmente maior. Mas ele é um homem bom em seu âmago e esse conflito interno perpassa toda a temporada, com Caputo servindo de ligação entre a MMR, os guardas veteranos, os recrutas que ele é obrigado a contratar e as detentas.

Mas nem de longe o dilema de Caputo é o mais interessante da temporada. Ficando ainda do lado dos guardas da prisão, há o interessantíssimo conflito entre o confuso conselheiro prisional Healy, que transita entre a bondade e a raiva e a competente e recém-contratada Berdie (Marsha Stephanie Blake), com a mesma função.

De toda forma, realmente o foco é na vida das detentas, seus passados e suas inter-relações presentes. Uma das linhas narrativas mais críticas à sociedade devoradora de cultura pop em que vivemos é a de Crazy Eyes (Uzo Aduba, sempre impressionante) e seu livro de pornografia espacial que, na falta de outras obras na biblioteca, torna-se uma febre entre as detentas, que se roem de desespero na espera de um novo capítulo. Transporte isso para a vida real e para romances voltados para adolescentes (ou não) e vejam como o grau de fanatismo é parecido, afetando até mesmo a autora. E o melhor é que Jenji Kohan não torna as linhas narrativas estanques ou as resolve em apenas um episódio. Uma se entrelaça com a outra naturalmente, sendo todas trabalhadas ao longo de toda a temporada.

O que falar, por exemplo, da evolução de Pennsatucky (Taryn Manning) e sua relação estudante/professora com Big Boo (Lea DeLaria)? De vilã nas temporadas anteriores, Pennsatucky ganha camadas e mais camadas de profundidade, quando a vemos nos flashbacks para sua infância e adolescência e como os eventos passados refletem em sua personalidade atual. Big Boo, que também é brindada com uma pesada história de preconceito e incompreensão quando viajamos para sua vida pregressa, nos enternece ao mostrar que, debaixo de sua aparência e jeito abrutalhados, há uma pessoa de alma muito boa, realmente querendo ajudar a perdida Pennsatucky em sua relação deturpada com o novo guarda Charlie “Donuts” Coates (James McMenamin).

E Norma, vivida por Annie Golden? De coadjuvante muda nas temporadas anteriores, ela é elevada ao status de líder espiritual, ecoando também o que aprendemos sobre seu passado. Nesse ponto, a narrativa passa a discutir abertamente o que é uma religião e como o fanatismo surge entre os desesperados. Usando Norma como alvo de sua devoção cega, um pequeno grupo de detentas liderado pela ex-Amish Leanne (Emma Myles), passa a se organizar para sessões de catarse que aos poucos vão se desenvolvendo em algo mais pernicioso, mais cruel e que acaba afetando sobremaneira a delicada e desequilibrada Soso (Kimiko Glenn).

Mas há muito, muito mais. A gravidez de Dayanara é levada à cabo, assim como sua relação com a mãe, com o guarda Bennett (Matt McGorry) e também com a mãe de Pornstache (Mary Steenburgen fazendo uma ponta). Black Cindy (Adrienne C. Moore)  lida com seu verdadeiro encontro com uma religião, algo que começa como mera conveniência e acaba de maneira genuína. Lorna Morello (Yael Stone) continua em sua eterna procura pelo amor, Poussey (Samira Wiley) descobre que é muito mais do que acha que é e, claro, Red (Kate Mulgrew, espetacular) recebe enorme e merecido destaque como mestre-cuca frustrada, conselheira de detentas e também de Healy, tendo com ele uma relação toda especial.

E o melhor é que não há narrativa que sobrepuje a outra. Sim, umas são mais simples e mais objetivas, mas todas são tratadas com a mesma reverência e respeito, além de um toque de graça que quebra a sobriedade do que poderia ser um drama pesado (as tramas com Pennsatucky e Sophia Burset são particularmente sombrias). Ao dar o mesmo peso – ou quase – para as várias histórias, Jenji Kohan permite que suas atrizes (e também os atores) mostrem à que vieram, com momentos brilhantes de quase todo o elenco, com um final lírico e muito bonito. Muitos podem torcer o nariz para a coincidência de tantas tramas complicadas sob um mesmo teto, mas estamos falando de ficção e, mesmo assim, OITNB celebra a pluralidade, o crescimento de personagens e a crítica social. Litchfield é um microcosmo da realidade com tempero especial para criar a cola narrativa necessária para ser uma série de TV.

Tudo é perfeito? Certamente que não. Apesar de a história envolvendo Sophia Burset (Laverne Cox) ser de cortar o coração, fica um gosto ruim na boca quando não vemos uma resolução propriamente dita. O mesmo vale para o “desaparecimento” de dois personagens importantes que, mesmo estando dentro da lógica de suas respectivas narrativas, precisavam de um pouco mais de desenvolvimento. E, finalmente, junto com o não-final de Burset, temos o cliffhanger com uma das personagens mais importantes que era, em última análise, desnecessário em uma série como essa.

No entanto, os problemas são definitivamente menores dentro da riqueza interpretativa que é Orange is the New Black. Arriscaria dizer que nunca antes vi um elenco dessas proporções ser tão uniformemente sensacional quanto nessa temporada da série.

Orange is the New Black – 3ª Temporada (EUA, 2015)
Criação: Jenji Kohan
Direção: vários
Roteiro: vários
Elenco: Taylor Schilling, Laura Prepon, Michael J. Harney, Kate Mulgrew, Uzo Aduba, Danielle Brooks, Natasha Lyonne, Taryn Manning, Selenis Leyva, Adrienne C. Moore, Dascha Polanco, Nick Sandow, Yael Stone, Samira Wiley, Laverne Cox, Jackie Cruz, Lea DeLaria, Beth Fowler, Annie Golden, Laura Gomez, Lori Tan Chinn, Kimiko Glenn, Lori Petty, Mary Steenburgen, Marsha Stephanie Blake, James McMenamin, Mike Birbiglia
Duração: 810 min. (aprox.)

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