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Crítica | Orange is the New Black – 4ª Temporada

por Ritter Fan
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Obs: Há spoilers da 4ª temporada e potencialmente das temporadas anteriores, cujas críticas podem ser lidas aqui.

Orange is the New Black é uma série impossível ou, pelo menos, improvável de existir com a eficiência que existe. Ela se passa em espaço quase que completamente confinado. Há dezenas de personagens sem que nenhum tenha realmente muito mais relevância do que o outro. A temática é necessariamente ligada com o ambiente prisional. Ah, e ainda tem treze episódios longos por temporada. A fórmula tinha que se desgastar alguma hora.

Mas essa hora ainda não chegou.

Sim, a quarta temporada da série baseada nas memórias de Piper Kernan, que foi presa na vida real por lavagem de dinheiro e desenvolvida e comandada por Jenji Kohan, criadora de Weeds, continua sendo um impressionante tour de force e uma gratíssima aula de como trabalhar um mega-elenco sem criar mini-episódios dentro de cada episódio (sim, Game of Thrones, estou falando com você!). Há uma fluidez marcante na série que continua e é amplificada na nova temporada, já que seu começo – a partir da lírica “fuga” das prisioneiras de Litchfield para um momento de liberdade no lago adjacente ao final da terceira temporada– é marcado não pela redução, mas sim pelo aumento do elenco, com a chegada de novas detentas para superpopular a prisão agora privatizada e controlada pela empresa MCC.

No entanto, no lugar de abrir o leque, o que poderia quebrar o quase perfeito equilíbrio encontrado nas temporadas anteriores entre os mais variados personagens, a produção fez da grande maioria das novas detentas apenas um inteligente artifício para lidar com as tensões geradas pelo aumento populacional da prisão, sem o correspondente aumento das instalações (com exceção da transformação das camas em beliches…). A exceção fica por conta de Judy King, vivida à perfeição por Blair Brown, que ganha um arco narrativo relevante como a “prisioneira-celebridade” que já havíamos visto ao final da temporada anterior e que acaba chegando à Litchfield e logo é alvo de todas as regalias possíveis, como cela própria – que divide com uma relutante Yoga Jones – e, em determinada altura da temporada, até “serviço de quarto” e direito a seguranças.

Do lado dos guardas, como vários simplesmente abandonaram seus postos e pediram demissão por estarem em desacordo com as reduções de vencimentos e planos de saúde promovidos pela MCC, Joe Caputo (Nick Sandow), o diretor da prisão (ou melhor, o “Diretor de Atividades Humanas”…) acaba sendo forçado a trazer o grandalhão Desi Piscatella (Brad William Henke) da prisão de segurança máxima vizinha e uma equipe de perturbados ex-veteranos de guerra, o que contribui para aumentar as tensões intramuros. Se já existia um abismo entre autoridades e detentos com os mais lenientes carcereiros anteriores, agora a estrutura da série ganha uma roupagem mais clássica de “filme de prisão”, com abusos cometidos a todo o tempo e das mais variadas maneiras, uma delas até mesmo envolvendo um filhote de rato.

Dessa forma, o aparente inchaço do elenco fica só mesmo na aparência, pois há apenas dois novos arcos narrativos de personagens – King representando o culto à celebridade e Piscatella a truculência policial – e a produção tem tempo para continuar trabalhando os núcleos já estabelecidos dentro de uma temática de intolerância étnica e racial, algo que permeia toda a temporada, do começo ao fim. Se antes a série, apesar das questões sérias que sempre abordou, pendia às vezes para a comédia, agora ela mergulha de cabeça no drama, mas sem esquecer as risadas aqui ali. Mesmo começando de maneira mais leve, a temporada decididamente entra em meandros mais sombrios não só revivendo a narrativa do estupro de Pennsatucky (Taryn Manning), como também tentando abordar o confinamento em solitária da transexual Sophia Burset (aqui vivida por M. Lamar, irmão de Laverne Cox, a atriz original, já que a produção precisava da versão masculina da personagem) e a vida de ex-viciada Nicky ( Natasha Lyonne) na prisão de segurança máxima e sua volta à Litchfield, além de introduzir e desenvolver em vários focos a questão do preconceito étnico e racial graças ao inadvertido impulso dado por Piper Chapman (Taylor Schilling)  ao tentar manter o controle sobre seu negócio de “calcinhas usadas”, ameaçado por Maria (Jessica Pimentel).

É interessante, aliás, notar que, diferente do caminho tomado nas segunda e terceira temporadas, que usaram a história de Piper da primeira temporada como uma espécie de “Cavalo de Troia” para permitir a abordagem de uma multiplicidade de histórias de minorias, na quarta muito do foco volta para a personagem autobiográfica, que, dominada por sua “sede de poder”, acaba criando um grupo de supremacia branca formado por caipiras que logo entra em conflito com os demais grupos. Se a questão racial já era presente, mas trabalhada como um fato da vida, com, por exemplo, a divisão dos banheiros e das acomodações, agora ela passa a ser elemento central da narrativa e da crítica social. Há, ainda, um trabalho cuidadoso de se discutir as histórias particulares de personagens ou duplas de personagens separadamente, mas a sensação de convergência narrativa, por incrível que pareça, consegue ser maior ainda que nas temporadas anteriores.

E, claro, há a resolução do cliffhanger da temporada anterior, quando Aydin, um assassino disfarçado de guarda está para matar Alex Vause (Laura Prepon). No lugar de simplesmente resolver o problema em um episódio e esquecer dele, o assassinato do matador por Vause, depois da providencial ajuda da encantadora, mas louquinha Lolly, é usado como elemento integrante da história, com o envolvimento não só das duas, mas também de Frieda (Dale Soules), Red (Kate Mulgrew) e Piper, que acaba desaguando indiretamente na trágica e doloridíssima morte de Poussey (Samira Wiley) por um desnorteado guarda Bayley (Alan Aisenberg), morte esta inspirada pela de Eric Garner em 2014 em Nova York, em circunstâncias muito parecidas. E tudo, claro, fechando o círculo narrativo com o climático cliffhanger desta temporada para a próxima, que deixará muita gente desesperado para saber o que acontecerá (sei que eu estou desesperado…).

O roteiro da temporada, como se pode notar, além de saber trabalhar uma multitude de personagens, consegue encadear eventos de maneira a tornar lógicos todos os acontecimentos. Reparem, por exemplo, como o afastamento constante de Caputo de suas obrigações no dia-a-dia de Litchfield, graças a seu envolvimento com a MCC e com Linda (Beth Dover) e a entrega das “chaves” da prisão para Piscatella, potencializa os problemas causados pela privatização da prisão e inicia a proverbial derrubada dos dominós. Outro ponto importante e que realmente merece destaque é que, apesar da história macro, os dramas pessoais e as vidas pregressas das detentas e também dos trágicos Sam Healy (Michael J. Harney) e Bayley não ficam de fora e pintam um quadro de inevitabilidade para seus respectivos status quo na série, emprestando características de vítimas e algozes a praticamente todos e ampliando a sensação de que OITNB é um retrato realista de diversas fatias da sociedade organizada.

Se há um defeito no roteiro, este fica restrito, talvez, ao desenvolvimento narrativo tímido do drama vivido por Sophia Burset. Mal aparecendo na temporada, seu esquecimento na solitária parece um artifício narrativo muito entrecortado na estrutura da temporada, sem que haja uma resolução efetiva ou mesmo um arco lógico, com começo, meio e fim. Tenho para mim, porém, que este é uma espécie de “trabalho em progresso”, talvez algo a ser tratado em temporada futura, considerando que a série já foi renovada até a sétima temporada (!!!). Portanto, reluto em considerar esse parco desenvolvimento como um problema efetivo, ainda que, para fins da análise estanque desta temporada, ele o seja.

Falar das atuações é uma tarefa ingrata e potencialmente injusta. São tantos as magníficas atrizes que dão vida à série que pontuar o trabalho de uma significa deixar outra de fora. Todas – e realmente quero dizer todas – estão perfeitas em seus respectivos papeis, encarnando-os com altivez e amargura, alegria e tristeza, insanidade e sanidade, violência e gentileza em um desfile quase inacreditável. Talvez as doidinhas Uzo Aduba (Crazy Eyes) e Lori Petty (Lolly), pelas peculiaridades de seus personagens, caiam mais facilmente no gosto dos espectadores e realmente seus trabalhos são espetaculares, mas não há como falar delas sem falar de Kate Mulgrew, Samira Wiley, Danielle Brooks (Taystee), Yael Stone (Lorna) e também Nick Sandow, Michael J. Harney, Blair Brown e muitos, muitos outros. OITNB é como um caldeirão de talentos que fervilha com vida, emoções e competência artística do mais alto gabarito.

Orange is the New Black é uma série que felizmente existe, apesar de toda sua estrutura torná-la quase que uma impossibilidade física. O trabalho de Jenji Kohan em manter a coesão do drama das detentas de Litchfield é de se tirar o chapéu e o elenco merece aplausos de pé. Pode ser que a renovação, de uma vez só, para pelo menos mais três temporadas, seja uma decisão precipitada, mas tudo conspira para que não seja. Vida longa à série!

Orange is the New Black – 4ª Temporada (EUA, 17 de junho de 2016)
Criação: Jenji Kohan
Direção: vários
Roteiro: vários
Elenco: Taylor Schilling, Laura Prepon, Michael J. Harney, Kate Mulgrew, Uzo Aduba, Danielle Brooks, Natasha Lyonne, Taryn Manning, Selenis Leyva, Adrienne C. Moore, Dascha Polanco, Nick Sandow, Yael Stone, Samira Wiley, Laverne Cox, Jackie Cruz, Lea DeLaria, Elizabeth Rodriguez, Laverne Cox, Beth Fowler, Annie Golden, Laura Gomez, Kimiko Glenn, Blair Brown, Brad William Henke, Beth Dover, Artesian McCullough, Lee Dixon, Alan Aisenberg, James McMenamin, Lory Petty, Alan Aisenberg
Disponibilidade no Brasil: Netflix
Duração: 810 min. (aprox. – 13 episódios)

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