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Crítica | Orgulho e Preconceito (2005)

Um trabalho regado de ternura em todos os seus aspectos.

por César Barzine
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Adaptação do icônico romance de Jane Austen, o longa Orgulho e Preconceito conserva perfeitamente a essência de sua obra original, construindo uma narrativa que transporta o conteúdo da trama com eficiência, enquanto mantém o frescor e a atmosfera características do livro; o que leva a uma harmônica orquestração de forma e conteúdo que estabelece aquilo que pode-se tratar como exemplar numa adaptação cinematográfica. Não que adaptações devam se manter presas à substância de sua fonte primária, mas que, quando o objetivo é a fidelidade artística, esta obra de Joe Wright acaba sendo um belíssimo caso de um produto que se afirme como cinema enquanto mantém a magia também encontrada na literatura. Tudo que habita no trabalho de Jane Austen está aqui: a parte principal da trama e das relações entre os personagens; o subtexto que expõe o comportamento da época e contesta seus valores; a delicadeza e o charme que compõem a atmosfera daquele universo; e os inúmeros diálogos espirituosos e ácidos que constantemente saem da boca dos personagens.

A primeira sequência de Orgulho e Preconceito deixa claro boa parte da dinâmica do filme e da personalidade dos integrantes da família Bennet. Elizabeth (apelidada de Lizzy) está sozinha lendo um livro e entra em sua casa de classe média-alta, uma de suas irmãs está tocando piano, outras duas correm rindo por aí, e seus pais comentam sobre a chegada de um homem rico e solteiro na cidade. A câmera de Wright é hábil ao explorar esse conjunto de diversas sugestões a respeito de cada personagem: Jane é apresentada de modo isolado, como uma figura mais contemplativa e distinta de seu meio; Mary, que mal aparece durante todo o longa, mas segundo o livro é mais reclusa e menos frívola, é capturada apenas de costas; já as outras duas irmãs representam o arquétipo de uma espécie de futilidade jovial, sempre e apenas preocupadas com homens e suas riquezas; assim como a matriarca da família Bennet, que trata as filhas como negócios a serem trabalhados em função do matrimônio.

Tudo isso é apresentado de uma vez em poucos minutos. Lizzy, ao que é sugerido, é a única personagem que tenha “algo a dizer“; e apesar de Mary e sua irmã mais velha, Jane, também não se encaixarem no padrão de futilidade recém apontado, é apenas Lizzy, dentro daquela família, que possui uma carga de subjetivismo a ser explorada. A jovem se afirma naquele ambiente de elite, regado de bailes e jantares, como uma figura singular, de fina ironia e respostas rápidas que são arrancadas nos diálogos. O roteiro constrói um belo trabalho nas falas presentes aqui, mantendo o tom arcaico das palavras sem deixá-las enfadonhas ao preenchê-las com ironia e espirituosidade. Assim, ora temos diálogos despojados cheios de sarcasmo, ora vemos outros mais sentimentais e carregados de alma — principalmente os dos encontros entre Lizzy e Sr. Darcy na segunda metade do filme.

Essa presença fixante de Lizzy não é marcada por uma busca incessante de certo empoderamento feminino, e sim de uma maneira sutil, que é articulada não só pelo roteiro e a direção, mas também por sua atuação. Keira Knightley, que a interpreta, possui um aspecto dócil que articula uma persona arrojada de forma angelical, criando um desempenho que cativa os olhos do espectador e desperta nossa afeição por ela. Knightley consegue ser meiga sem soar melosa demais, e enfrenta as convenções de seu tempo sem recorrer a uma postura de dureza que soe rabugento. Trata-se de uma personagem/interpretação moderna o suficiente para ser contestadora e, em igual medida, clássica o suficiente para exalar feminilidade. Em relação à construção de seu par romântico, há a presença do Sr. Darcy, vivido por Matthew Macfadyen, que também exerce seu papel com competência. Este, está longe de ter o mesmo carisma de Knightley e, por isso mesmo, obtém sucesso. É justamente a partir do tom meio ranzinza manifestado que seu personagem se estabelece, tendo ele, em um primeiro momento, despertado a repulsa de Lizzy. No entanto, é através desses protestos vindos da moça que ocorre a reviravolta do filme, desenvolvendo o romance do casal.

Nestes dois pontos — a primeira é a impressão negativa dela por ele; e a segunda, a impressão, desta vez, positiva — está um dos elementos centrais do filme e do livro. Uma das ideias de título para o romance de Jane Austen era Primeiras Impressões, cujo sentido acabei de descrever. O título, no entanto, acabou sendo Orgulho e Preconceito, e aqui vemos esses dois sentimentos como uma dialética no romance do casal: Lizzy representa o preconceito com que vê Darcy, e este é o orgulho com qual encara Lizzy. Essas duas primeiras impressões vão ser impostas pela audácia na personalidade de um e pela frieza na personalidade de outro. O filme, então, mais do que um simples romance, é uma história sobre questões morais, sociais e sentimentais que caminham juntas sem possibilidade de desvinculação. 

Na questão técnica, a produção, por ser uma obra de época e cheia de graciosidade, necessita de um trabalho caprichado no visual, e assim é feito no que concerne à fotografia, direção de arte e decupagem. A fotografia é bastante variada, apresentando muitos planos com foco em cores e tonalidades distintas, chamando mais atenção aqueles que se encontram em cenários internos e com alta iluminação. Já a direção de arte, por retratar as elites da época, não poderia deixar de ser menos do que muito bela, com decorações e figurinos fabulosos, exalando a todo momento a completa elegância daquele período histórico. Quanto à decupagem, destaque ao plano sequência citado no início do texto, responsável por introduzir e localizar o longa e sabendo explorar perfeitamente a condição dos personagens. Chama a atenção também alguns outros instantes ao redor do filme, como os planos detalhe de quando Darcy pega na mão de Lizzy ao sair de uma carruagem e os movimentos de câmera durante as danças nos bailes.

O único defeito que se encontra no filme é a maneira com que é trabalhado o romance de Jane com o Sr. Bingley, em que não é apresentado o mínimo de desenvolvimento entre eles, fazendo com que o episódio em que ela passa na casa deste ao estar doente seja exposto de maneira abrupta e deslocada da trama — aqui, o roteiro acabou subtraindo mais do que deveria do conteúdo do livro. Cabe salientar também que a figura do próprio Sr. Bingley foi reduzida a uma mera caricatura de um sujeito bobalhão completamente incapaz de se expressar. Mas nenhum desses fatores ofusca a força desta adaptação carregada de ternura e delicadeza, que consegue pintar um retrato certeiro de uma época sem tirar o protagonismo em torno dos sentimentos de seus personagens.

Orgulho e Preconceito (Pride & Prejudice) — EUA, França, Reino Unido, 2005
Direção: Joe Wright
Roteiro: Deborah Moggach, Jane Austen (romance)
Elenco: Keira Knightley, Matthew Macfadyen, Donald Sutherland, Brenda Blethyn, Rosamund Pike, Jena Malone, Talulah Riley, Carey Mulligan, Claudie Blakley, Judi Dench, Tom Hollander, Kelly Reilly, Rupert Friend, Simon Woods, Penelope Wilton, Peter Wight, Tamzin Merchant, Roy Holder
Duração: 127 minutos.

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