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Crítica | Os 120 Dias de Bottrop

por Luiz Santiago
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A torpeza, nojeira e loucura de Salò, ou os 120 Dias de Sodoma (1975) são abraçados pelo diretor Christoph Schlingensief  nesta sua fenomenal homenagem ao Novo Cinema Alemão, em especial ao enfant terrible do movimento, o grande R.W. Fassbinder. O estilo de filmagem, o tratamento dado aos atores e atrizes, a loucura nos sets e o processo criativo caótico encontrados na prolífica carreira do cineasta — que aqui também ganha uma referência especial homenageando o “ de Fassbinder”, intitulado Precauções Diante de uma Prostituta Santa — aparecem representados numa comédia ácida, sombria e também experimental que relembra um momento político e vanguardista do cinema na Europa e faz uma declaração de amor perfeitamente coerente com o legado fassbinderiano.

Schlingensief sempre foi um diretor de extremadas loucuras, trabalhando no limite da sanidade e muitas vezes utilizando os lados mais obscuros da comédia para construir suas histórias. Em Bottrop, o olhar está direcionado para a criação artística e para a relevância do produto finalizado na História, ou seja, o filme usa a “desculpa” de homenagem para mostrar como a arte pode ser feia, suja e imoral, e talvez por isso mesmo tenha a possibilidade de sobreviver às bem-comportadas convenções de um determinado período, tornando-se a porta de entrada para uma nova Era ou assumindo em sei mesma uma existência única, impulsionada por um espírito do tempo.

Notem que a figura de Fassbinder aqui é a de um personagem inquieto, mas infantilizado, bobo: o criativo insano rodeado por artistas tão ou mais loucos que ele. O contraste a essa persona é justamente a sisuda e esteticamente perfeita Leni Riefenstahl, que aparece como uma outra força criativa, fazendo dessa grande chacota sociológica o tema de seu “Novo Triunfo da Vontade“. A questão de estilo, culto artístico (vide a recorrente brincadeira com o ator Helmut Berger) e importância do autor são coisas diluídas num processo que parece ainda mais importante nessa arte, como os contatos na distribuição do filme e a possibilidade de financiar um novo projeto, com o diretor mantendo-se fiel à sua própria assinatura, à sua mensagem que deve ou não sobreviver a ele mesmo.

O cinema é uma máquina de sonhos, mas também pode ser de dores e lágrimas, de revoluções, de abusos e de infâmias sociais das mais diversas ordens. Como qualquer arte, tudo é possível que se produza em filme e a importância desses títulos, desses comportamentos fora de órbita e dessa febre criativa que possivelmente acabará em morte prematura, ficam para a posteridade como o recado de um período onde era necessário falar, mostrar e mudar o mundo. Aqui em Bottrop, isso é ironizado com a presença da TV, com trechos de premiação, com a banalização da obra artística intercalada por aleatórias imagens sangrentas de operação e profusão de títulos que sugerem imitação de criações do passado.

Representando literal ou visualmente momentos de As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (1972), Martha (1974), O Assado de Satã (1976, definitivamente um dos filmes mais loucos de Fassbinder) e Num Ano de 13 Luas (1978) Bottrop imagina o encerramento de um ciclo criativo exacerbando o instinto, o suor, as gargalhadas e as lágrimas que envolvem a produção de uma arte, ao mesmo tempo que não ignora a dificuldade de se criar algo verdadeiramente novo e transformador tendo que enfrentar tantos vícios e barreiras colocados pela própria indústria. É um filme que prova a relevância do trabalho de vanguarda de artistas das mais diversas áreas e a coragem de dar a cara a tapa em momentos onde tudo parece contrário à criação. Um verdadeiro manifesto cômico e sem amarras. Fassbinder ficaria orgulhoso.

Os 120 Dias de Bottrop (Die 120 Tage von Bottrop) — Alemanha, 1997
Direção: Christoph Schlingensief
Roteiro: Oskar Roehler, Christoph Schlingensief
Elenco: Margit Carstensen, Irm Hermann, Volker Spengler, Udo Kier, Helmut Berger, Mario Garzaner, Sophie Rois, Ilse Garzaner, Martin Wuttke, Kurt Garzaner, Bernhard Schütz, Gerry Jochum, Dietrich Kuhlbrodt, Brigitte Kausch, Kerstin Graßmann, Charlotte Siebenrock, Ralf Fütterer, Achim von Paczensky, Wolfgang Wimmer, Jonny Pfeifer, Frank Koch, Irmgard Freifau von Berswordt-Wallrabe, Oskar Roehler, Harry Hass, Regina Kalala, Kurt Kren, Frank Castorf, Leander Haußmann, Regina Ziegler, Regina Lorenz, Roland Emmerich, Kitten Natividad
Duração: 62 min.

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