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Crítica | Os 7 de Chicago

por Ritter Fan
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Dramas de tribunal puros, daqueles que se passam eminentemente em uma sala fechada em que os procedimentos jurídicos – discursos de abertura e encerramento, objeções, depoimento de testemunhas e assim por diante – reinam absolutos carregam necessariamente na verborragia e, portanto, costumam afastar o público mais afobado, que procura “ação” no sentido tradicional e que confunde texto expositivo com uma característica intrínseca e necessária do sub-gênero. Roteiros de obras assim precisam ser cuidadosos para não cambar para o exagero e para a teatralidade, especialmente os longas de duração avantajada como é Os 7 de Chicago, com pouco mais de duas horas de uma estrutura narrativa clássica que é resgatada aqui.

Resgatada triunfalmente, acrescentaria sem medo de errar. Aaron Sorkin, responsável pelo texto do brilhante A Rede Social e que começou sua carreira nesta cadeira com Questão de Honra, exatamente um drama de tribunal – no caso, militar – de tirar o fôlego, aborda o famoso julgamento dos chamados Os Sete de Chicago (originalmente conhecidos como Os Oito de Chicago, com explicarei adiante), líderes de grupos variados que queriam protestar contra o recrudescimento da Guerra do Vietnã durante o governo do democrata Lyndon Johnson fazendo demonstrações em Chicago durante a Convenção Nacional Democrata de 1968 que acabaria indicando o então vice-presidente Hubert H. Humphrey como candidato do partido.

Assumindo a direção pela segunda vez, Sorkin inteligentemente usa a abertura para brevemente apresentar seus mais importantes personagens: Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong), co-fundadores do Youth International Party ou Partido Internacional da Juventude e líderes da contracultura, com postura aguerrida e confrontadora; Tom Hayden (Eddie Redmayne) e Rennie Davis (Alex Sharp), dois amigos ativistas que prezam pela organização e pelas manifestações não violentas; David Dellinger (John Carroll Lynch), pai de família pacifista radical e anti-belicista e Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), co-fundador do Partido dos Panteras Negras e o “oitavo” réu. Com isso, em poucos minutos o espectador já está localizado não só temporalmente, já que as imagens sobre os personagens são intercaladas com coberturas jornalísticas da época sobre o Vietnã, como também em relação às posições de cada personagem, todos prestes a convergir em Chicago.

No entanto, Sorkin, ainda bem, não está preocupado em narrar cronologicamente os fatos, criando uma elipse que já coloca os oito diretamente no tribunal, depois de olhar por alguns breves minutos para Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt) o assistente da promotoria que, já sob o governo republicano de Richard Nixon, recebe a missão de processar os revoltosos. E o show começa, show esse comandado desde os primeiros segundos não exatamente pelos réus, mas sim pelas brilhantes atuações de Frank Langella como o Juiz Julius Hoffman e de Mark Rylance como o advogado de defesa William Kunstler. Quando os dois entram em cena, é como se todo o restante passasse a ser pano de fundo apenas, com Langella vivendo um papel odioso, mas ambíguo entre a parcialidade absurda e o desequilíbrio mental e Rylance como especialista em direitos civis que não consegue derrubar o muro erigido pelo juiz e por toda a máquina condenatória por trás, frustrando-se no processo.

Sorkin, porém, não esquece de seu elenco de forma alguma e extrai performances memoráveis especialmente de Sacha Baron Cohen e Eddie Redmayne como dois lados da mesma moeda, construindo tensão entre eles e levando a um soberbo diálogo em que Hayden e Hoffman se digladiam sobre a melhor maneira de chegar à “revolução”, com pontos levantados de cada lado que merecem reflexão, especialmente quando, em retrospecto, percebemos que as afirmações de Hayden são as que acabaram se firmando no imaginário popular quando se fala em contracultura, com a pergunta “e aí, adiantou alguma coisa?” ficando pendurada no ar para o espectador responder. Yahya Abdul-Mateen II, como Bobby Seale é outro que ganha enorme destaque apesar de não ser tecnicamente parte do grupo de réus foco do filme. Ele é o “oitavo” réu que sequer tem representação de advogado já que o seu adoeceu antes do julgamento começar e ele se recusa a usar Kunstler, com o juiz, por sua vez, recusando-se a deixá-lo representar-se em momentos tensos e angustiantes que levam a um clímax revoltante de cair o queixo e que ratifica a abordagem de Langella que faz seu personagem transitar desconfortavelmente entre a linha dura e a loucura.

Estruturalmente, o longa não oferece – e nem mesmo quer oferecer – novidades ou grandes surpresas. O foco permanece nos procedimentos de tribunal, com um segundo nível que coloca os réus em conversas particulares no escritório “de guerra” montado por eles e pelos advogados. Os flashbacks aos acontecimentos durante as manifestações são econômicos e vêm na medida em que a narrativa no presente exige para que o espectador possa ver o que está sendo dito, sem nunca atrapalhar a fluidez da narrativa. Senti falta, porém, dos bastidores da promotoria, já que Sorkin fez questão de tratar do recrutamento hesitante de Richard Schultz, mas, depois, só lida com o advogado no tribunal, deixando uma lacuna que poderia muito bem ser preenchida, especialmente diante da duração do longa e das sugestões de estratégias sujas adotadas pela promotoria.

Logicamente, outro trunfo do filme é que ele, infelizmente, ganha ressonância e relevância nos dias atuais, já que seu cerne está na repressão ao direito à livre manifestação do pensamento e ao direito de protestar. Entram na equação, claro, as formas de protesto, se pacífico ou beligerante e, lógico, a violência policial, aspecto que Sorkin provocativamente deixa à margem da discussão principal, mas sem jamais perdê-lo de vista para então usá-lo na “revelação” climática.

Com atuações impressionantes dos veteranos Frank Langella e Mark Rylance, mas também contando com um afiadíssimo elenco restante, Aaron Sorkin dramatiza o julgamento dos Sete de Chicago em um “filme de tribunal” exemplar que finca raízes na estrutura tradicional do sub-gênero, mas que as usa não para relaxar ou burocratizar o storytelling, mas sim para fazer brotar uma obra que tem como objetivo educar, cutucar, incomodar e trazer à luz discussões relevantes ao nosso tão conturbado presente. O mundo inteiro viu esse julgamento, mas a lição não foi absorvida até hoje.

Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7, EUA – 16 de outubro de 2020)
Direção: Aaron Sorkin
Roteiro: Aaron Sorkin
Elenco: Sacha Baron Cohen, Eddie Redmayne, Joseph Gordon-Levitt, Yahya Abdul-Mateen II, Michael Keaton, Frank Langella, John Carroll Lynch, Mark Rylance, Alex Sharp, Jeremy Strong, Noah Robbins, Daniel Flaherty, Ben Shenkman, Kelvin Harrison Jr., Caitlin FitzGerald, Max Adler, Alice Kremelber, John Doman, J. C. MacKenzie, Damian Young, Alan Metoskie, Wayne Duvall, C. J. Wilson
Duração: 129 min.

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