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Crítica | Os Aventureiros do Bairro Proibido

por Kevin Rick
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Saca só esta premissa: Um caminhoneiro chamado Jack Burton (Kurt Russell) precisa ajudar seu amigo Wang Chi (Dennis Dun) a resgatar sua noiva de um feiticeiro milenar chamado Lo Pan (James Hong), que necessita casar com uma mulher de olhos verdes para recuperar seu físico e manter sua imortalidade, resultando em uma batalha entre o bem e o mal em Chinatown. Soa absurdo, correto? Até mesmo ridículo, certo? Bem, o cineasta John Carpenter sabe disso, e utiliza a cafonice e a incoerência para criar Os Aventureiros do Bairro Proibido, um clássico oitentista e um dos melhores longas de ação que assumem o espírito de filmes B.

Veja que a linguagem B-movie é extremamente proposital, e a obra descrita pelo diretor como ação/comédia/kung-fu/fantasia/aventura/monstro/fantasma assume este caráter de mistura galhofa de gêneros como meio de subverter expectativas e convenções esperadas em filmes de ação macho dos anos 80. A trama que começa como um “escapismo” da realidade quando Jack descobre o universo fantástico de feiticeiros em Chinatown rapidamente dita o tom de não-explicação da mitologia, e toma para si o ridículo e a estupidez, tanto deste microcosmo absurdo, como também do nosso protagonista tapado, de maneira a propor uma aventura visual e humorística com a confusão.

Grande parte do arco de Jack, se é que podemos chamar de arco, baseia-se em tirar sarro do ego americano e do seu habitual protagonista caucasiano. Russell entende muito bem a ideia de inutilidade do personagem, e o interpreta com um excesso de confiança e carisma abobado que diverte bastante nas várias situações heroicas que o personagem é colocado entre o limiar da idiotice e do badass. E é interessante notar como Jack acaba sendo o sidekick para Wang Chi em grande parte do combate, em outra subversão inteligente da obra em relação a filmes de artes marciais/ação que colocam a minoria como meros ajudantes, além de puxar o estilo de Carpenter que sempre preza pela unidade e não o indivíduo.

Não acho que o filme realmente assume este tom crítico como elemento principal, sendo muito mais utilizado em uma veia cômica na busca da inversão do tradicionalismo em obras da época, pois o interesse de Carpenter reside na criação de uma película de comédia multigênero no qual o cineasta tem o espaço criativo para fazer o que quiser, literalmente o que sua mente inventiva demandar. É a partir disto que o artista compõe a obra com várias set pieces de aventura mesclada com diferentes estilos e gêneros, e grande parte da obra assume uma montagem de quests, me lembrando a estrutura de fases de um jogo de videogame, e a estética colorida e cartunesca do filme é a personificação de um quadrinho ou animação ganhando vida.

Muitas sequências puxam o horror e as criaturas memoráveis do diretor, visto aqui em um belo bloco que o grupo principal está em uma caverna e também em algumas sequências aquáticas cheias de cadáveres. Além disso, grande parte da direção de Carpenter é uma carta de amor à filmes de kung-fu do período, cheio de coreografias exageradas e um sistema de torneio com diferentes guerreiros tomando conta do clímax, em ambientações que vão desde salões monárquicos a uma estética de submundo no covil de Lo Pan. Tudo isso é revestido de uma fantasia mitologicamente asiática, com um toque urbano, e os efeitos especiais, apesar de provavelmente serem rotulados como datados – eu continuo amando! -, são um deleite de criatividade técnica para a época, além do belíssimo design de produção dos diversificados cenários.

A narrativa soa complexa e os vários gêneros poderiam tornar a obra um pastiche desordenado, mas Carpenter consegue dar um senso de ordem ao caos ao trazer momentos de registro dos personagens sobre os eventos malucos de Chinatown, mas nunca de maneira expositiva ou explicativa, mas sim mantendo o ilógico como proposta nos diálogos dos personagens que não levam a sério os acontecimentos fantásticos, e o espectador é imerso no tom descompromissado dessas conversas, com a jornada de Jack tomando a forma simplória e humorística no meio da confusão.

Dessa forma, John Carpenter constrói Os Aventureiros do Bairro Proibido em torno da comédia de assistir um idiota encontrando o fantástico, e sendo arrogante o bastante para se achar o herói da história, enquanto os personagens a sua volta, assim como a audiência, tiram sarro de Jack Burton ao mesmo tempo que caem por seu charme e carisma. Uma obra que busca a subversão de filmes de ação e a inversão de certas tradições hollywoodianas oitentistas na caracterização dos personagens e na confusão do entorno para ditar a simplicidade narrativa, abrindo espaço para o foco do filme: a genialidade criativa de Carpenter em uma experiência mágica, charmosa, divertida, frenética e, bem, clássica.

Os Aventureiros do Bairro Proibido (Big Trouble in Little China) – EUA, 1986
Diretor: John Carpenter
Roteiro: Gary Goldman, David Z. Weinstein, W. D. Ritcher
Elenco: Kurt Russell, Kim Cattrall, Dennis Dun, James Hong, Victor Wong, Kate Burton, Donald Li, Carter Wong, Peter Kwong, James Pax, Suzee Pai, Chao Li Chi, Jeff Imada, Rummel Mor, Craig Ng
Duração: 99 min.

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