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Crítica | Os Descendentes (2011)

por Gabriel Zupiroli
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Um conhecido nome do cinema independente americano, com filmes como Eleição, Sideways – Entre Umas e Outras e Nebraska, Alexander Payne costuma trabalhar com temáticas simples, acontecimentos da vida que adquirem uma roupagem agridoce de “algo que pode acontecer com qualquer um”. Seguindo a mesma linha, Os Descendentes é um filme que adentra em uma região delicada de se abordar – a espera pela morte -, mas que não se desvencilha do que o cinema de Payne já vinha construindo: trata-se de uma obra contida, suave e, ao mesmo tempo, amarga, que traz a comédia aliada ao drama para traçar um retrato cínico e paradoxalmente esperançoso de seus personagens.

Acompanhando um homem (George Clooney) cuja esposa está em coma após um acidente e que precisa lidar com as filhas distantes, o filme adentra nesta perspectiva de uma junção de pessoas relativamente desestruturadas que sempre teve como suporte o indivíduo agora ausente. A problemática reside então em como conviver, como mediar as diferenças e compreender sobretudo a falta e suas ramificações. Para isso, o diretor não deixa de optar pela comédia como condutora da maior parte da obra, mas cujo humor é principalmente satírico e ácido, sem nunca verdadeiramente se entregar ao riso.

E esta é uma característica curiosa de Os Descendentes. Nunca há uma verdadeira entrega ao gênero ou à encenação, é sempre tudo muito contido e receoso de se aventurar. Mesmo a câmera de Payne se comporta como se soubesse o que fazer: ainda que seja um filme independente e que claramente se insere em uma tendência, abdica das características desta para se estabilizar numa zona tradicional e aparentemente sólida. O resultado que surge é o que geralmente se condiciona chamar “comédia dramática”, nome que muitas vezes abrange obras que não sabem o que fazer com suas proposições e oscilam entre uma entrega absoluta ou um ficar contido nas potencialidades abortadas.

É assim com o drama e com a comédia. Toda e qualquer potência dramática no filme é podada pela mão do diretor que segura o estouro emocional. Nesse sentido, os conflitos surgem em tela de maneira branda e amenizada, com as relações entre os sujeitos sempre mediadas por uma fatalidade falsa. É quase como uma ode a um modo de ser confortável, muito adequado àquela família abastada cujo maior problema além do coma da mãe é a venda ou não de uma gigantesca parcela de terra herdada à iniciativa privada. Não há explosão, seja do choro ou do riso, o que habita a tela é sempre uma solidez amena e impotente.

Mas curiosamente este movimento se encaixa com a visão de Payne sobre como lidar com a morte porvir. Além da venda de suas terras, o personagem de Clooney precisa encarar outro dilema: como dar a notícia da morte iminente da esposa aos amigos e familiares. É nesse objetivo que, sem nenhuma surpresa, a relação com as filhas adquire outras camadas rasas e pode dar um pouco de ânimo para um filme contido demais. É também nessa narrativa que a espera pela morte de alguém surge como mero artefato simbólico para a metamorfose interior daquelas personagens que antes pensavam demais em si mesmas e nas suas materialidades, mas que agora podem finalmente voltar a ser uma família com suas semelhanças e diferenças.

Os Descendentes é um filme morno, agridoce, que não se permite uma entrega genuína a qualquer sentimento minimamente profundo. Entretanto não se contém unicamente nestas características potencialmente negativas: alia a isso o fato de que Payne enxerga toda a absurdidade daquela situação de maneira irônica e trabalha a obra em função de juntar os discursos. Nisso, acerta muito bem. Sabota-se, sabota-se e no fim, por conveniência ou não, ainda consegue ser um filme minimamente decente.

Os Descendentes (The Descendants) – EUA, 2011
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Jim Rash, Kaui Hart Hammings, Nat Faxon
Elenco: George Clooney, Amara Miller, Nick Krause, Shailene Woodley, Celia Kenney
Duração: 115 min.

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