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Crítica | Os Excêntricos Tenenbaums

por Luiz Santiago
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Alguns diretores parecem possuir a chave para o alumbramento a cada nova realização. Do trabalho com o design de produção à perfeita execução do roteiro, direção do elenco e da obra, além da precisa finalização (ou não) dos conflitos em cena, temos nesse tipo de cineasta e suas obras um exemplo de que o cinema pode ser uma revelação artística capaz de encantar visual e intelectualmente o espectador, como também diverti-lo, e muito. Este é o cenário da filmografia de Wes Anderson, na qual encontramos o inesquecível Os Excêntricos Tenenbaums.

Com roteiro de Wes Anderson e Owen Wilson, a película aborda a vida da família Tenenbaum, da compra da casa pelo patriarca e da infância dos filhos até um momento decisivo na vida da família, com uma doença terminal em jogo, mágoas do passado, traumas de infância, decepções recentes e idiossincrasias que faz com que cada um dos Tenenbaums pareçam desconcertantemente comuns, talvez como cada um de nós em dias de muita raiva, muita preguiça, muita loucura ou comportamentos extremos. Wes Anderson e Owen Wilson escreveram uma coletânea de crônicas sobre a vida, algo digno de ser reunido em uma antologia.

E é justamente isso que temos logo na abertura de Tenenbaums. Não necessariamente uma antologia, mas a aparição de um romance, um livro, a face literária que dá base para os eventos que virão a seguir. E a comparação em si não é gratuita. Os Tenenbaums são livremente baseados nos Glass, personagens de Jerome David Salinger, autor de O Apanhador no Campo de Centeio. E como personagens de um livro vivo, o elenco de Tenenbaums beira o exótico com uma mistura de realidade crua, sensível e pluralmente particular, uma característica primeiramente conseguida por Wes Anderson na direção dos atores, todos estão excelentes em seus papeis, e, em segundo lugar, vista pela caracterização de cada um, seja para os ambientes que lhe são típicos (o quarto dos filhos, a casa ou espaço pessoal que ocupam quando adultos; a residência da família, o hotel onde o pai mora).

Entramos aí em um conceito artístico muito interessante. Por se tratar de uma obra notavelmente intimista e ter como foco a relação familiar ou amorosa dos personagens — algo bastante comum na obra de Anderson — é natural que cada um ganhe espaço maior num ponto ou outro da projeção e que os ambientes se mixem com o passar do tempo, não só porque o filme abarca algumas décadas, mas também porque mostra o amadurecimento ou o cultivar de mágoas e rancores de alguns personagens. A divisão da obra em capítulos de duração mais ou menos igual abre a porta para uma identificação pontual com cada um e ainda tem o mérito de fazer um diálogo belo e inteligente com a literatura.

Nesse romance, peça, conto quase infantil ou crônica viva, não temos um senso exato de identificação geográfica, assim como as personagens parecem não pertencer a nada e a ninguém, mesmo os que sofrem por amor ou gozam do amor de outra pessoa. Sabemos que a trama se passa em Nova York e a mansão que Royal Tenenbaum compra no início do file fica em Manhattan, mas tudo em torno nos faz pensar que a cidade fica em um lugar quase “fora do tempo”. Não existem pontos turísticos conhecidos, as placas foram arbitrariamente modificadas para algo quase nostálgico, o serviço de Táxi é o mais estranho e curioso possível e até o figurino do elenco brinca com uma possível linha temporal e geográfica da moda, mostrando cores e estilos de diferentes épocas e regiões dos Estados Unidos.

Além de uma história familiar forte e de cunho moral inteligente (nada dos clichês e lições simples ou redentoras), Os Excêntricos Tenenbaums nos proporciona uma incrível experiência visual e artística, podendo, através de elementos distintos de sua arte, trilha sonora e fotografia (especialmente no que se refere ao ambiente da casa ou hotel, lugares favoritos de Wes Anderson no quesito estilo-e-psicologia, como podemos comprovar em Hotel Chevalier e Moonrise Kingdom, por exemplo), contribuir para uma total independência do roteiro em relação a qualquer construção mais exata ou necessária que normalmente teria que fazer. Na obra de Wes Anderson, e este é um dos filmes mais indicados para entendermos isso, a arte e o cenário tem um duplo sentido prático: contar uma história própria e retratar com exatidão lírica o roteiro. Nada está lá por acaso ou para servir de curiosa exposição.

Entrando no lúdico mundo da literatura infantil em seu formato geral (temos até um narrador!) e revestindo-o de elementos adultos, Wes Anderson faz de Os Excêntricos Tenenbaums um delicioso quadro de família através do anos, capturando a loucura e o melhor de cada um, seus traumas, neuroses, mentiras e falhas. Todos se descobrem, mas não existe favoritismo dramático no roteiro, defesa de um personagem ou fofuchismos familiares. A vida e as pessoas são o que são. Às vezes geniais, às vezes desprezíveis. As consequências e talvez um possível equilíbrio entre essas duas coisas geram a excentricidade particular dos seres humanos, algo que no caso de Tenenbaums se torna uma sessão de quase duas horas de alumbramento artístico, humor e diversão, ou seja, uma obra-prima inesquecível de Wes Anderson.

Os Excêntricos Tenenbaums (The Royal Tenenbaums) – EUA, 2001
Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson, Owen Wilson
Elenco: Gene Hackman, Anjelica Huston, Ben Stiller, Gwyneth Paltrow, Luke Wilson, Owen Wilson, Bill Murray, Danny Glover, Seymour Cassel, Kumar Pallana, Alec Baldwin
Duração: 110 min.

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