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Crítica | Os Fabulosos X-Men: A Saga da Fênix Negra

por Ritter Fan
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Não sabe nada de amor? Jean, você é amor!
– Summers, Scott

  • spoilers. E sim, a avaliação acima é “5 Fênix” mesmo… 

Não sei nem por onde começar minha crítica sobre A Saga da Fênix Negra, título que convencionou-se para o arco narrativo composto pelas edições #129 a 137 de The Uncanny X-Men e que marcou o ano de 1980 e a História da Nona Arte com um todo. A parceria entre Chris Claremont e John Byrne nos roteiros, com o segundo capitaneando a arte é uma das mais prolíficas dos quadrinhos mainstream e o referido arco é, na falta de uma expressão menos hiperbólica, absolutamente perfeito. Talvez a melhor forma de começar, porém, seja ignorando o ponto principal do arco – a transformação da Fênix em Fênix Negra e a tragédia que se segue – e listar, quase que como um tira-gosto, tudo aquilo que a dupla criativa cria para as páginas dessas nove edições e que ajudariam a estabelecer grande parte da base para linhas narrativas futuras que continuam até hoje sendo utilizadas. É aqui que:

  • O Clube do Inferno é apresentado, baseado não apenas em clubes homônimos da alta sociedade no século XVIII, como também em atores e personagens de filmes como Robert Shaw, Donald Sutherland, Jed Leland e Hawkeye Pierce;
  • O Círculo Interno do Clube do Inferno – composto por Emma Frost, a Rainha Branca, Jason Wyngarde (revelado como sendo o Mestre Mental), Sebastain Shaw, Donald Pierce e Harry Leland – é introduzido;
  • Kitty Pryde é recrutada pelos X-Men, já indicando sua atração por Colossus;
  • Cristal (Alison Blaire) é apresentada;
  • O Senador Robert Kelly é mencionado e brevemente visto na sede do Clube do Inferno;
  • A ação no Clube do Inferno é a catalisadora para que Kelly efetivamente comece a caçada aos mutantes;
  • A conexão mental entre Jean Grey e Scott Summers é estabelecida;
  • Uma espécie de rivalidade entre o Professor X e Ciclope começa a ser alinhavada.

Já disse várias vezes e a lista acima apenas ratifica: Claremont não escreve em arcos e sim como um enxadrista que pensa dezenas de jogadas a frente, sempre plantando sementes e estratégias que só vão germinar mais a frente. É muito raro encontrar um escritor desse naipe no mainstream de quadrinhos, alguém preocupado não com imediatismos, mas sim com um trabalho que olha para seus personagens de maneira holística, completa, em um intricado mapa de relacionamentos e de situações que conversam organicamente entre si. Isso sem contar com sua criatividade, bastando lembrar que, mesmo depois de ele parar de escrever os X-Men, seu legado continuou sendo usado e abusado por diversos (possivelmente todos) os seus sucessores.

Mas, diferente d’A Saga da Fênix, arco que introduziu a personagem, mas que a manteve convenientemente em segundo plano, A Saga da Fênix Negra coloca Jean Grey como foco das atenções, mesmo que não o tempo todo, no melhor estilo Claremont de escrever. Afinal, mesmo que essa “saga” em si comece na edição #129, a grande verdade é que tudo é decorrência lógica não só de seu surgimento na edição #101 (nada menos do que 28 edições atrás!), como também de todo o desenvolvimento da personagem para além de seu arco inaugural, mais particularmente suas tentativas de controlar o poder excessivo da Fênix e o início do relacionamento de Jean com o misterioso Jason Wyngarde, algo que levaria diretamente à saga sob análise, em que ela começa a perder o controle sobre a entidade Fênix que habita seu corpo e mente.

Primeiras aparições: (1) Clube do Inferno (nas sombras) e Emma Frost, a Rainha Branca; (2) Kitty Pryde; (3) Cristal e (4) o Senador Robert Kelly.

Wyngarde, portanto, é peça-chave aqui. São as projeções de suas ilusões que envelopam Jean Grey, fazendo-a apaixonar-se por ele (ou por sua versão bonitona, mas completamente mentirosa) ao ser constantemente “transportada” para o século XVII. Mas Claremont e Byrne comem pelas beiradas nesse arco e começam de maneira enganosa na edição #129, logo após o embate dos X-Men contra Proteus na Ilha Muir, com Cérebro localizando dois novos mutantes nos EUA, um em Chicago e o outro em Nova York, o que leva à divisão do grupo em duas equipes e a revelação de que o Clube do Inferno vem monitorando as atividades dos X-Men e do próprio super-computador localizador de mutantes há algum tempo. É nessa edição, então, que Xavier, Tempestade, Colossus e Wolverine partem para recrutar Kitty Pryde, sendo capturados pela Rainha Branca e seus minions, com Ciclope, Fênix e Noturno, na edição seguinte, investigando o mutante de Nova York que acaba sendo revelada como a cantora – e patinadora! – Cristal, que logo se junta aos esforços do grupo depois que o Clube do Inferno ataca a boate onde se apresenta.

Sem perder tempo, a edição #131 logo encerra esse mini-arco, mais uma vez reunindo todos os X-Men, depois de uma luta contra Frost que a Fênix ganha de lavada, de quebra reiterando seu gosto por poder e “sangue”. Ao longo de toda essa pendenga, vale lembrar, Jean Grey é trabalhada constantemente pelo roteiro, com Wyngarde amplificando seu controle sobre ela e efetivamente transformando-a na Rainha Negra e levando-a para o lado do Círculo do Inferno pelo menos quando ela está “possuída” pelas ilusões do vilão. Simultaneamente, a preocupação de Ciclope com sua amada é uma constante, já que ele percebe que o lado sombrio de Jean vem ganhando mais força, inclusive com atitudes aparentemente simplórias, como esbanjar poder para alterar a configuração molecular dos uniformes e mexer na memória dos pais da jovem Kitty de forma a evitar conflitos verbais.

Nas três edições seguintes (#132 a 134) os X-Men partem para a ofensiva contra o Clube do Inferno em excelentes sequências de ação em espaço confinado na sede da entidade vilanesca, dando oportunidade para que os membros do Círculo Interno demonstrem seus poderes e habilidades. Esse pequeno arco, por si só, demonstra a qualidade do texto de Claremont e de Byrne e a arte do segundo, em um conjunto harmônico, dinâmico e impossível de parar de ler, independentemente de qualquer outra consideração. E isso sem precisar recorrer a fogos de artifício e a exageros. Tudo é contido, mas tão espertamente escrito e tão maravilhosamente desenhado, que o leitor fica completamente preso a cada virada de página. Arriscaria dizer, sob pena de ser injusto com outras dezenas de obras-primas dos quadrinhos, que essas três edições estão entre as melhores três edições seguidas de uma publicação regular de uma editora mainstream.

E, por incrível que pareça, essas três maravilhosas edições são apenas a proverbial ponta do iceberg dessa saga, pois é na página final do número #134, que a Fênix Negra finalmente aparece, destruindo a nave de seus colegas, algo que é imediatamente continuado na seguinte (#135), com um combate entre a agora vilã e seu ex-amigos, algo que não demora em vista de seu vasto poder capaz de “destransformar” Colossus e de converter uma árvore inteira em ouro. É também nesse número que a Iniciativa Sentinelas é aventada pela primeira vez por Sebastian Shaw ao pé do ouvido do Senador Robert Kelly, algo que logo no ano seguinte resultaria no excepcional arco Dias de um Futuro Esquecido, além de dezenas e dezenas de outras histórias dos trágicos mutantes. Da mesma maneira, é a partir desse ponto que a narrativa se volta para o lado efetivamente cósmico, com a Fênix Negra literalmente inspirando-se em Galactus e “engolindo” uma estrela inteira e, no processo, assassinando cinco bilhões de seres sencientes de um planeta próximo, o que é testemunhado por um cruzador Shi’ar, prontamente obliterado ao tentar atacar a entidade genocida.

(1) Primeira aparição da Fênix Negra; (2) Os super-heróis Marvel sentem a manifestação da Força Fênix; (3) e (4) a Fênix Negra alimenta-se de uma estrela.

O encadeamento da edição #135 é exemplar e, ao final das meras 18 páginas (isso foi bem antes de o padrão mudar para 22), o leitor está realmente exausto, mas não no sentido negativo. O crescendo da “canção da Fênix” é assustador e terrível e o ritmo é alucinante, com o texto de Claremont passando a urgência e a inevitabilidade da situação ao mesmo tempo que a arte de Byrne transmite o escopo do que está acontecendo. Até fica a dúvida sobre como essa história poderá continuar com o mesmo nível de qualidade.

E ela não continua com a mesma qualidade, mas sim com mais qualidade ainda. Claremont e Byrne conseguem o impossível e chegam ao clímax desse arco com a sublime edição #136 em que eles conseguem lidar com um evento cósmico começando de maneira intimista, com os X-Men tentando lidar com o que aconteceu no número anterior, Lilandra e os Shi’ar sentenciando a Fênix Negra à morte e a própria super-poderosa mutante voltando para casa, mas por casa leia-se o lar de Jean Grey, em um retorno à simplicidade que é como aquela calma diante da vindoura tempestade, mas que também remexe assuntos complexos, como o amor e ao mesmo tempo o medo que sua família tem dela e não por ela ser a Fênix Negra e sim meramente por ser mutante. É particularmente incrível como o texto lida com a dualidade na Fênix, com diálogos internos que se elevam a verdadeiros embates entre personalidades antitéticas que continuam em um crescendo lógico e assustador que só pode levar a um fim e que é antecipado pelo icônico momento em que Wolverine, o único que tem coragem de lutar com a Fênix Negra sem se segurar, está prestes a matá-la com suas garras quando momentaneamente Jean toma o controle sobre seu corpo. Mas esse foreshadow é mantido em xeque, com Ciclope usando sua conexão amorosa com Jean para trazê-la de volta do abismo, seguido do Professor X em um poderoso embate psíquico com a entidade do qual ele só sai vitorioso com a ajuda de Jean “segurando” a Fênix Negra.

Mas uma história dessas proporções não poderia simplesmente acabar assim, de maneira rápida e sem maiores consequências. Claremont e Byrne são melhores do que isso e entregam o “clímax do clímax” na edição #137, especial, com 35 páginas. Nela, de maneira circular, a conexão da Força Fênix com os Shi’ar volta com força total, com a Imperatriz Lilandra colocando Jean Grey em julgamento pela destruição de um planeta inteiro em sua fome insana. Daí decorre um desafio invocado por Charles Xavier, que coloca seus X-Men em duelo mortal contra a Guarda Imperial Shi’ar e um Skrull e um Kree que se infiltram na pancadaria, tudo na parte azul da Lua, próximo da base do Vigia que a tudo observa e que narra a edição, com páginas de abertura e fechamento, além de uma “participação especial no meio”. É aqui que, finalmente, tudo chega a seu fim, com Jean Grey sacrificando-se pelo bem comum, por saber que a Força Fênix é incontrolável, em um daqueles momentos clássicos e belíssimos dos quadrinhos que ficam ali lado-a-lado com A Morte de Gwen Stacy, A Morte do Capitão Marvel, o assassinato de Elektra pelo Mercenário e outros (só para ficar na Marvel Comics).

A Saga da Fênix Negra é quadrinhos em sua forma mais pura, mais perfeita e mais poderosa. Claremont e Byrne merecem todas as honrarias por esse arco inesquecível que marcou e ainda marca a Nona Arte!

Os Fabulosos X-Men: A Saga da Fênix Negra (The Uncanny X-Men: The Dark Phoenix Saga, EUA – 1980)
Contendo: The Uncanny X-Men #129 a 137
Roteiro: Chris Claremont, John Byrne
Arte: John Byrne
Arte-final: Terry Austin
Cores: Bob Sharen (#129, 134, 135), Glynis Wein (#130 a 133, 136 e 137)
Letras: Tom Orzechowski
Editoria: Roger Stern (#129 a 131), Jim Salicrup (#132 a 137), Louise Jones (#137 juntamente com Salicrup), Jim Shooter (todas as edições)
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: janeiro a setembro de 1980
Páginas: 18 por edição e 35 a edição #137

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