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Crítica | Os Fabulosos X-Men: A Saga da Ninhada [Primeira Aparição: Binária]

por Ritter Fan
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Carol: Logan, você acha que temos alguma chance?
Logan: E isso importa?
Carol: Não, creio que não.

Chris Claremont não é só um escritor de HQs. Ele é um jogador de xadrez que usa os quadrinhos como seu intrincado tabuleiro. Nada que ele escreve é sem querer ou está lá de enfeite; tudo é trabalhado de maneira a construir arcos futuros dentro de arcos presentes que se abrem em publicações paralelas e que desenvolvem todos os personagens que ele aborda de maneira orgânica, lógica e inteligentíssima. Sua épica era capitaneando os X-Men, de 1975 a 1991, ao longo de inacreditáveis 186 edições só na série principal é a prova mais contundente dessa sua magnífica habilidade que pensa 20, 30 jogadas a frente.

Minha experiência pessoal com Claremont, só para contextualizar meus comentários que seguem, é particularmente forte, pois o começo dos anos 80 foi justamente o momento em que eu percebi que as edições publicadas nos formatinhos da Editora Abril eram não só cronologicamente muito atrasadas (e, surrealmente, as histórias compiladas em uma só revistinha eram de momentos temporais diferentes), como por diversas vezes “editadas” e alteradas nas cores, diagramação e, pior ainda, nas traduções e, com isso, comecei a juntar meu dinheiro para comprar suadas edições originais americanas nas poucas bancas de rua que as vendiam. Os X-Men de Claremont me chamaram imediatamente a atenção e eu colecionei a revista por um bom tempo.

A Saga da Ninhada, que já tinha lido naquela época, representou a primeira vez em muitos e muitos anos que reli o material do autor em relação aos mutantes e confesso que hesitei muito em começar para evitar que o desapontamento estragasse minhas lembranças de minha pré-adolescência. Mas qual não foi minha surpresa ao começar a leitura e me deparar com uma história de terror espacial com super-heróis que traz conceitos impressionantes para uma HQ voltada ao público mais jovem, com muita coisa não só inspirada em grandes obras sci-fi como Alien, o Oitavo Passageiro, como provavelmente inspiradora da própria continuação, Aliens, o Resgate, que seria lançada alguns anos depois. Em poucas palavras, o arco conta a história do sequestro dos X-Men pela monstruosa Ninhada, raça alienígena insectoide criada especificamente para a narrativa que tem como objetivo impregnar os heróis com embriões que, ao eclodirem, absorveriam suas habilidades mutantes, ajudando na expansão da terrível raça em seu Destino Manifesto intergalático.

O nojentamente deslumbrante mundo da Ninhada, construído em cima da gigantesca carcaça de um Acanti.

Parece algo simples e do tipo “já vi antes”, mas temos que primeiro lembrar que estamos falando dos anos de 1982 e 1983 e de uma HQ mainstream de super-heróis. A noção de alienígenas invasores usando os mais queridos personagens do público-leitor como hospedeiros de monstruosidades espaciais que usam gentis “baleias espaciais” (os Acanti) como suas naves depois de infectá-las com um vírus que as escraviza e que constroem cidades sobre as carcaças delas era território novo nos quadrinhos. Claro que o leitor não tem muita dúvida que “tudo acabará bem” e que nenhum herói realmente transformar-se-á em uma gigantesca vespa espacial deformada, mas Claremont não está preocupado com isso exatamente por saber que não é algo que realmente as pessoas queiram ler. O que ele faz é “construir mundos” costurando a volta dos Piratas Siderais (também criados pelo autor, mas anos antes) para a vida dos X-Men, a revelação de que o Corsário é o pai do Cíclope e do Destrutor, o coma misterioso do Professor X e o envolvimento de Lilandra, exilada do Império Shi’ar depois de um golpe de estado perpetrado por Rapina, com mais esses asquerosos inimigos sem deixar de plantar sementes narrativas, como o início do envolvimento romântico de Kitty Pryde com Colossus e o surgimento de Lockheed.

Tudo flui tão facilmente que até mesmo estabelecer o efetivo começo da Saga da Ninhada não é uma tarefa muito simples, já que depende muito do quão para trás o leitor estiver disposto a ir e confesso de coração que cheguei a pensar em fazer uma crítica da Era Claremont inteira, tarefa que obviamente descartei, por ser impossível em uma penada só. Apesar de muitas fontes indicarem esse começo na edição #158, decidi partir da #154, que é quando Christopher Summers volta à Terra. E só isso já é um testamento para a qualidade do que Claremont escreve, pois ele não pensa de maneira estanque, do tipo “pronto, agora vou escrever só sobre a Ninhada”. Ao contrário, ele monta um quebra-cabeças perfeitamente interconectado, com uma coisa levando à outra sem solavancos, resultando em uma leitura fácil e prazerosa, daquelas que o leitor fica triste porque acabou.

Mesmo quando ele dedica edições inteiras em meio ao arco para abordar tramas paralelas e sem relação com a Ninhada, ele o faz de caso pensado e não para enrolar. Esses são os casos, por exemplo, das edições #159, que coloca os X-Men (especialmente Ororo) às voltas pela primeira vez com Drácula e a #160, que lida com o rapto de Illyana Rasputin, irmã de Colossus, por Belasco, o demônio que rege o Limbo. Os leitores do grupo de mutantes sabe o que esses eventos significam para o futuro dos heróis e o que Claremont faz é plantar sementes de plantas diferentes em meio a uma plantação uniforme, de maneira que elas germinem bem lá para a frente. Com isso, ele mantém as histórias sempre bem alimentadas de pontas narrativas que vão se desenrolando para frente. É a beleza de uma época dos quadrinhos – pré-Guerras Secretas – em que aquilo que passaríamos a chamar de “sagas”, era inserido na publicação normal dos personagens. Ah, saudades…

(1) Wolverine sendo Wolverine e (2) Carol Danvers como Binária.

Mas, voltando à Saga da Ninhada (esse é um nome de conveniência, aliás, usado em um encadernado antigo americano e que é normalmente empregado, ainda que oficiosamente, para designar o arco), Claremont inicialmente trabalha com dois personagens: Carol Danvers e Wolverine. A primeira é a única humana não-mutante em meio aos X-Men, depois que Vampira absorveu seus poderes Kree de maneira irreversível e depois que o infame “estupro de Miss Marvel” a retira do seio dos Vingadores, resgate esse empreendido pelo próprio Claremont, já que ele se revoltara com o que David Micheline havia feito com a super-heroína cujo título solo Claremont escrevera quase na integralidade. Já na edição #158, o autor traz a noção de que, apesar de não mais ter os poderes de Miss Marvel, Carol manteve a fisiologia kree, sendo mais do que uma mera humana. Essa questão é estudada pela Ninhada posteriormente, com a personagem sendo alvo da curiosidade científica dos mostrengos, que a tortura com experimentos. O que ninguém esperava é que, depois de ser resgatada por Wolverine, essas experimentações trouxessem efeitos colatarais para Carol, efetivamente transformando-a em um ser celestial extremamente poderoso que recebe energia de um “buraco branco”, além de um uniforme (nunca vou entender como é que esses uniformes aparecem desse jeito…). Feliz em poder novamente singrar o espaço, mas com sangue nos olhos para acabar com a Ninhada, Carol, agora auto-batizada de Binária, passa a usar seus poderes para dizimar os “bichos escrotos”.

Wolverine, que é o melhor no que ele faz, mas o que ele faz não é o melhor, é outra peça-chave para começar a virada de mesa contra a Ninhada. Seu fator de cura luta contra o embrião da Ninhada implantado em seu corpo e ele é o primeiro a livrar-se da ameaça, mas não sem cicatrizes. A edição #162, dedicada a sua fuga, é particularmente fenomenal, com Claremont usando a oportunidade para esmiuçar os objetivos da Ninhada e toda a terrível geografia do mundo em que vivem. O Carcaju e Carol, aliás, formam uma dupla interessante, pois eles representam as medidas extremas. Para eles, a única solução é aniquilar a Ninhada, algo que entra em conflito direto com a diretriz dos X-Men de não matar, algo muito bem trabalhado na abordagem de Tempestade e também do Cíclope, ambos também ganhando um interessante sub-texto de competição, já que Ororo é a líder do grupo há relativamente pouco tempo, o que deixa Scott desconfortável.

(1) Tempestade e sua conexão com os Acanti e (2) Wolverine desmascara o Cíclope controlado pela Ninhada.

Ocupando com mais proeminência a segunda metade da saga, a discussão entre o respeito irrestrito à vida e as medidas de extermínio como auto-defesa é desenvolvida com cuidado, ainda que os conceitos ganhem muita repetição e muito texto expositivo, talvez o único defeito detectável no trabalho de Claremont, mas que não considero que desabone a história como um todo diante da teia que ele tece ao longo das 13 edições de The Uncanny X-Men objeto da presente crítica. A forma como ele lida com Ororo e a “prole” que ela espera em seu ventre é um destaque nesse tocante e que ele costura muito bem de volta com os sofredores Acanti, criando um movimento circular na saga que prova, mais uma vez, que não há peças fora do lugar.

A arte de grande parte da saga é de Dave Cockrum, que vinha já trabalhando com Claremont há algum tempo e desenha a última edição dele com os X-Men aqui, a #164. Seu controle narrativo dá forma e vida ao texto de Claremont sem cansar o leitor em momento algum, valendo especial destaque para toda sua cuidadosa criação da Ninhada e o mundo tecno-orgânico onde vive a raça. Sem dúvida inspirando-se no genial trabalho de H.R. Giger no já citado Alien, o Oitavo Passageiro – mas sem a sexualidade decadente que tornou famoso o artista plástico suíço – Cockrum enriquece a leitura com imagens aterradores, dignas mesmo de um sci-fi de horror. Por vezes as cores dos diversos coloristas que trabalharam na saga são vivas demais, retirando um pouco do lado sombrio que talvez devesse permear os meandros da colônia monstruosa, mas a arte de Cockrum e depois a de Paul Smith, que faz bem ao emular seu antecessor, evitando solução de continuidade, compensa os problemas com sequências inspiradíssimas como a já citada fuga de Wolverine pelo planeta da Ninhada, a vingança destruidora de Carol Danvers como Binária e a relação simbiótica de Ororo com os Acanti. O tom de ópera espacial é inescapável e é de se tirar o chapéu.

A Saga da Ninhada é uma leitura extremamente satisfatória e um dos mais sensacionais mega-arcos dos X-Men e olha que não faltam histórias maravilhosas do grupo na Era Claremont. Sem envelhecer um dia sequer, o primeiro embate dos mutantes contra os terríveis alienígenas é memorável do começo ao fim.

Os Fabulosos X-Men: A Saga da Ninhada (The Uncanny X-Men: The Brood Saga, EUA – 1982/3)
Contendo: The Uncanny X-Men #154 a 167
Roteiro: Chris Claremont
Arte: Bill Sienkiewicz (#159) Brent Anderson (#160), Dave Cockrum (#154 a 158 e 161 a 164), Paul Smith (#165 a 167)
Arte-final: Bob Wiacek, Josef Rubinstein
Cores: Glynis Wein, Bob Sharen, Janine Casey, Don Warfield
Letras: Tom Orzechowski, Joe Rosen, Lynn Varley, Janice Chiang
Editoria: Louise Jones
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: fevereiro de 1982 a março de 1983 e julho de 1983
Editoras no Brasil: Editora Abril, Panini Comics
Datas de publicação no Brasil:
– Editora Abril: Superaventuras Marvel #64, de 10/1987 (UXM #158), #65, de 11/1987 (UXM #160), #66, de 12/1987 (UXM #161), #67, de 01/1988 (UXM #162), #69, de 03/1988 (UXM #163 e 164), #70, de 04/1988 (UXM #165) e #71, de 05/1988 (UXM #166 e 167)
– Panini Comics: Coleção Histórica Marvel: Os X-Men #6, de 06/2016 (UXM #154 a 158), #7, de 06/2016 (UXM #161 a 166) e #8, de 06/2016 (UXM #167)
Páginas:
23 por edição e 39 a edição #166

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