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Crítica | Os Fantasmas se Divertem (Beetlejuice)

por Giba Hoffmann
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Se com As Grandes Aventuras de Pee-wee o diretor Tim Burton trabalhou sua visão autoral pelos cantos e no âmbito das entrelinhas, seu projeto seguinte já viria a abrir espaço para um pouco mais de seu estilo de narrativa e ambientação característicos. Os Fantasmas se Divertem (convenhamos, o original Beetlejuice é um título muito mais simples e gostoso de falar!) prepara o terreno para algumas das temáticas favoritas do diretor, reafirma o sucesso da parceria com Danny Elfman e inicia outra promissora com Michael Keaton, em uma comédia despreocupada e eclética que marca mais pelo conjunto da obra do que por qualquer momento em particular.

Com um roteiro retrabalhado por diversas vezes, as versões originais do conto de Betelgeuse certamente não se prestariam ao público amplo que o produto final acabou atingindo. Os rascunhos iniciais traziam o personagem titular como uma criatura efetivamente demoníaca que, no ato final da película, cometia uma série de assassinatos gráficos — ainda que abordados da forma cartunesca que marca o filme, é certo que a opção ressoaria de forma menos do que ideal em termos temáticos. Mesmo levando-se em conta uma reestruturação bem acertada do roteiro (ainda que não sem suas falhas), é certo que a visão diretorial de Burton teve papel determinante em apaziguar essas tensões e vender algo da ideia original do filme de forma autêntica, dentro de uma classificação PG-13.

A associação do horror típico das narrativas de Burton com as imagéticas do Halloween ou do Dia de Los Muertos se deve a uma proximidade entre elementos dessas celebrações típicas e o sabor específico de terror e humor negro no qual o autor tanto se inspira. Trata-se de abordar a morte, o sobrenatural e o desconhecido sob o ponto de vista lúdico e caricato, sem no entanto deixar de lado o toque de obscuridade e mistério. É nesse fino equilíbrio que o filme consegue abordar um pós-vida repleto de representações gráficas que, sob um prisma mais realista, seriam efetivamente grotescas, mas que aqui nunca atravessam a linha do bom gosto. Essa espécie de “mau gosto de bom gosto”, expressado tanto em termos visuais quanto narrativos, é o que garante grande parte do charme das sequências do pós-vida burocrático, bem como a abordagem jocosa com os temas relativos à morte e até mesmo ao suicídio.

Não é por menos que a trilha sonora de Elfman caia aqui como luva, de forma não dessemelhante ao que seria futuramente visto em O Estranho Mundo de Jack. As sensibilidades do compositor se alinham muito bem a essa visão de Burton, conforme seu trabalho anterior com a banda Oingo Boingo já havia revelado. O misto entre o horror lúdico e a sátira social já se fizera presente em álbuns como Nothing to Fear Dead Man’s Party, e as trilhas de Elfman para Os Fantasmas de Divertem embalam com precisão a tonalidade mais acertada do filme. Inclusive o flerte eclético de Dead Man’s Party entre temáticas de Halloween com a música ska e ritmos derivados do reggae se vê retomado aqui com a escolha da música ao estilo calypso de Harry Belafonte, que marca com sucesso a outra parte da identidade musical do filme.

Se no nível audiovisual e em termos de estilo a produção conseguiu definir bem uma identidade própria e inventiva (e, acredito, seja esse ângulo o grande responsável por seu sucesso), não se pode dizer o mesmo em termos do roteiro. Os efeitos das reescritas são sentidos em uma espécie de “crise de identidade” do enredo, que começa em um lugar e se encaminha para outro, sem construir muito bem as maneiras pelas quais deseja fazer isso. A trama de nossos protagonistas, o casal Adam (Alec Baldwin) e Barbara (Geena Davis) é envolvente e bem construída ao longo dos dois primeiros atos. Após morrerem em um trágico acidente de carro, acompanhamos o literal inferno vivo do casal, condenado a passar 125 anos de aprisionamento em sua recém-decorada casa, apenas para observar seu lar ser destruído pela extravagâncias e ridiculezas dos Deetz, uma família de ricos tacanhos de espírito.

A perspectiva da “casa assombrada às avessas” é bem trabalhada pelos atos iniciais, e grande parte da riqueza visual e temática do filme vem justamente da exploração dessa versão tão interessante do pós-vida: um pesadelo burocrático em que os mortos via suicídio se tornam servidores públicos eternamente desmotivados a auxiliar os recém-desencarnados, realizado de forma tão charmosa com os visuais simplistas e o uso inventivo do stop-motion. Nesse ínterim, quem rouba a cena é a filha dos Deetz, Lydia (Winona Ryder), cujo relacionamento com os fantasmas fracassados dos Maitlands ajudam com o contorno pessoal da história de nossos protagonistas, que expressavam o desejo em ter uma filha antes de sua morte prematura.

Porém é justamente na hora de costurar essa motivação central de nossos protagonistas com a figura do personagem titular que a trama acaba se perdendo um pouco. A narrativa deixa de enfocar a perspectiva dos Maitland e passa a se focar na dos Deetz, mostrando os esfoços do bando de ricos excêntricos em lucrar com a perspectiva da casa assombrada. Muito tempo de tela é dado aos antagonistas bufões Charles (Jeffrey Jones) e Delia (Catherine O’Hara), e os Maitland acabam se fazendo estranhamente ausentes em sua própria narrativa. A mudança de perspectivas provavelmente visava brincar com o ponto de vista de cada um dos lados envolvidos na situação da casa assombrada, mas algo se perde da unidade narrativa por conta disso.

Agravando esse desnível está o fato de que o próprio Betelgeuse, cujo papel da história seria o que costuraria esses pontos de vista em torno de uma ameaça comum, acaba igualmente relegado a escanteio no filme que carrega seu nome. Suas motivações permanecem mal-definidas e, embora a intepretação over-the-top de Keaton seja marcante e nada desprovida de charme, o fato é que o bio-exorcista deve desfrutar de no máximo 20 minutos de tela no total, sendo ao menos metade destes gastos no próprio estabelecimento do personagem. Esse uso econômico do próprio personagem titular acaba tendo seu custo, com um desfecho que vem rápido demais e, embora traga excelentes elementos visuais e desenvolvimentos interessantes e hilários para cada um dos personagens, traz também ares de apressado. A forma com que os Maitland e os Deetz acabam por resolver seu conflito não provém de outra coisa senão do fato de que o filme se encerra, meio que sem mais nem menos, dispensando o foco para a alternância entre um improvável final feliz e uma nova piada gráfica aleatória com Betelgeuse.

Os Fantasmas se Divertem traz um pós-vida audiovisualmente divertido, cheio de exageros e com o bom humor e inventividade característicos do trabalho de Burton. Grande parte de seu charme se encontra na construção de mundo original e no carisma dos personagens, com destaque para a Lydia de Winona Ryder e o Betelgeuse de Michael Keaton, o que no entanto não resolve um enredo um tanto sem foco e que evolui do ponto A ao B sem ter como fio condutor o arco dos que deveriam ser nossos personagens centrais, os Maitland. O quão pouco nós temos de Betelgeuse também causa estranhamento, de forma que a película parece de alguma forma abreviada em relação a uma versão que realmente fizesse jus ao ótimo set-up efetuado pelos dois atos iniciais. Ainda assim, trata-se de uma comédia que trata de temas mórbidos de forma lúdica e genuinamente divertida, que vale a pena ser vista ou revisitada pelos momentos em que funciona.

Os Fantasmas se Divertem (Beetlejuice) – EUA, 1988
Direção: Tim Burton
Roteiro: Michael McDowell, Larry Wilson, Warren Skaaren
Elenco: Alec Baldwin, Geena Davis, Annie McEnroe, Maurice Page, Hugo Stanger, Michael Keaton, Rachel Mittelman, Catherine O’Hara, Jeffrey Jones, Winona Ryder, Glenn Shadix
Duração: 92 min.

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