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Crítica | Os Guarda-Chuvas do Amor

por Laisa Lima
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Na França dos anos 60, o que se produzia eram histórias de amor. Não um amor melodramático, mas sim um amor em toda sua amplitude, quase distópico se observado a cercania sempre controversa de seus adeptos. A Bela da Tarde (Luis Buñuel, 1967) e Baía dos Anjos (Jacques Demy, 1963), por exemplo, tratam, um nos moldes de um devaneio sem pudor e o outro no formato de uma roleta – literalmente -, das aflições do coração. Além desta semelhança, dois outros fatores em comum nestas obras se unem para a confecção de uma nova percepção sobre o ato de amar: a atriz Catherine Deneuve e o diretor Jacques Demy fazem parte, então, do que viria a ser o ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes; Os Guarda-Chuvas do Amor (1964).

O que pode ser mais angustiante para uma jovem apaixonada do que a incerteza da concretização de seu destino favorável com seu amado? Pois bem, Geneviève (Catherine Deneuve) passa por isso após Guy (Nino Castelnuovo), por quem a menina é apaixonada, ser convocado e partir para a Guerra da Argélia. Neste meio tempo, a mãe de Geneviève, opositora ao namoro dos dois somente pelo fato do rapaz ser pobre, incentiva a moça, depois de descobrir que ela está grávida, a se despedir da paixão por Guy e seguir em frente com outro homem. O seguimento da confusão estabelecida na mente da personagem de Deneuve é dividido por três atos, também indicados pelas cores incutidas em cada cena, transitando a meio da vivacidade, neutralidade e sobriedade. Tudo isto com uma musicalidade diferenciada.

Na contramão da maioria dos filmes da Nouvelle Vague, ainda em voga nos anos 60, o preto e branco característico do movimento dá lugar à uma cenografia multicolor, parecido com uma espécie de auge do technicolor. As tonalidades escolhidas por Demy, auxiliado pelo diretor de fotografia Jean Rabier, enganam quem pensa que se trata de um enredo alegre condizente com os lacinhos rosa de Geneviève e com os guarda-chuvas coloridos na vitrine de sua loja com a mãe. Tais elementos cênicos inclusos até na vestimenta dos personagens, dialogam com as locações em uma combinação refletora dos sentimentos dos componentes da obra. O azul, existente em momentos em que a cor se faz adequada visto seu popular significado de tristeza, é só uma das diversas colorações espalhadas pelo cenário, que premedita o que o espectador pode tirar de conclusão a partir da manifestação colorau aliada a interpretação dos atores. A condução principal, por isto, está no pacto entre o que é sentido por meio das sensações e da aparência.

Ainda no âmbito da Nouvelle Vague, a vanguarda francesa preza pela descontinuidade, pela fragmentação da montagem e por um certo amadorismo. Em Os Guarda-Chuvas do Amor, isto passa longe. O visual já pré-determinado é claramente um artifício narrativo de primeiro plano, e a predileção pelos diálogos sem margem para improvisação ou erros, é mais um causador de desconfiança quanto a entrada do filme no hall da vertente artística. A temática, embora voltada para a decadência pessoal diante da irrealização e das adversidades da tentativa de ser amada(o), não detém maiores entradas na psicologia humana ou possui um sarcasmo nesta tarefa. Aqui, o acompanhamento do drama de Geneviève não esconde os obstáculos vivenciados pelos demais, com um foco voltado majoritariamente para as decepções pertencentes às idealizações amorosas frustradas. 

Para o alcance deste objetivo, o mérito se direciona igualmente aos intérpretes, principalmente Deneuve e Nico. Ambos traduzem o que é uma separação e, com a contribuição novamente dos panos de fundo coloridamente expressivos, a fazem ainda mais dramática. Ainda assim, a ingenuidade dos jovens, especialmente de Geneviève, ecoa nas falas sempre cantadas. Michael Legrand, responsável pela trilha sonora, brinda o público com a sinceridade de um diálogo natural, nos moldes de acordes e falsetes executados com competência pelo talento do elenco. Portanto, o encantamento de um universo sintético e descontente é suficiente para que a audiência se conecte com ele.  

O roteiro baseado na melancolia crescente vinda da distância entre o amar e o ser amado, inserido em uma França, frequentemente apresentada como mágica e aqui exposta dentro da beleza que a chuva tem, impregna em Os Guarda-Chuvas do Amor uma poeticidade pouco vista e pouco replicada. Todavia, a obra está longe de ser universal. O estilo totalmente musical de Demy a conduzir não é unanimidade entre, talvez, os impacientes de plantão. Para aqueles que apreciam trabalhos bem feitos, bem pensados e bem executados, além de sentimentalmente tocantes, este filme pode servir. Independente do parecer da coletividade, a película catapultou o diretor, que tem como maior ganho, a obra de 1964. Considerando o poder que o cinema tem de trazer cor à uma vida sem graça, é certo que Os Guarda-Chuvas do Amor fará perfeitamente este trabalho.     

Os Guarda-Chuvas do Amor (Les Parapluies de Cherbourg) – França, Alemanha, 1964
Direção: Jacques Demy
Roteiro: Jacques Demy
Elenco: Catherine Deneuve, Nino Castelnuovo, Anne Vernon, Marc Michel, Ellen Farner, Mireilli Perrey, Jean Champion, Pierre Caden, Jean-Pierre Dorat, Bernard Fradet, Michel Benoist
Duração: 91 min.

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