Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Os Implacáveis (1972)

Crítica | Os Implacáveis (1972)

Um dos mais arrebatadores casais da Sétima Arte.

por Ritter Fan
789 views

Em 1968, com Crown, o Magnífico e Bullitt, Steve McQueen alcançou o supremo estrelato em Hollywood, passando a ser o ator mais bem pago da época, apesar da extrema dificuldade que era trabalhar com ele. Curiosamente, porém, seus três projetos seguintes, Os Rebeldes, As 24 Horas de Le Mans e Dez Segundos de Perigo, foram retumbantes fracassos de bilheteria que afetaram sua carreira e sua própria autoconfiança. Quando o roteiro de Os Implacáveis chegou ao seu conhecimento – digo conhecimento, pois quem selecionava tudo para ele era sua primeira esposa,  Neile Adams, grande responsável por sua vitoriosa carreira, já que McQueen notoriamente se recusava a ler roteiros – o ator simplesmente precisava de um sucesso e todos os esforços foram envidados para criar algo que fosse um tiro certo, quase como o que hoje chamamos de filme de algoritmo.

Baseado em romance de sucesso de Jim Thompson, originalmente também contratado para escrever o roteiro que Peter Bogdanovich dirigiria, Os Implacáveis (porque simplesmente traduzir como A Fuga, que essencialmente é o filme, aparentemente não era uma opção…) tinha justamente o objetivo de novamente elevar a carreira de McQueen ao ponto em que esteve quatro anos antes, o que significou que o ator passou a interferir na produção mais do que o normal, levando à demissão tanto de Thompson quanto de Bogdanovich, e a contratação de Walter Hill, então ainda a três anos de sua estreia como diretor, para reescrever o roteiro, em apenas seu segundo trabalho nesta cadeira. Para a direção, Sam Peckinpah foi chamado, mesmo tendo dirigido o fracasso anterior do astro, o que acabou criando uma trinca imbatível tanto atrás quanto na frente das câmeras.

Mas era necessário mais uma pessoa para fechar os nomes mais importantes: a atriz que viveria Carol McCoy, esposa do ladrão de bancos Carter “Doc” McCoy (McQueen), que acabou de sair da prisão em condicional. A busca por alguém para o papel foi incessante, com o ator vetando todas as atrizes que porventura tivessem chance de ofuscá-lo em tela (ele ficara irritadíssimo com a indicação de Rupert Crosse ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Os Rebeldes), mas ao mesmo tempo preocupado em trazer alguém com star power suficiente para atrair mais gente para as telonas. Como a produção era originalmente da Paramount, então sob o comando do grande Robert “Bob” Evans, sua esposa Ali MacGraw, egressa do estrondoso sucesso de seu papel em Love Story: Uma História de Amor e, por causa dele, uma das mais cobiçadas atrizes dos anos 70, foi um dos primeiros nomes conectados ao papel, o que acabou esmorecendo quando o roteiro entrou em rotação, sendo comprado pela National General Pictures, mas que acabaria sendo a grande escolha. Em poucas palavras, não poderia haver uma dupla de marido e mulher nas telonas de 1972 que fosse mais poderosa e atrativa para o público do que a formada por McQueen e MacGraw, tanto que os dois acabariam se divorciando de seus respectivos esposos e casando no ano seguinte.

A entrada de Hill no roteiro teve como objetivo transformar a obra original, que tinha pegada surrealista em seu famoso final, em um veículo para McQueen, o mesmo valendo para Peckinpah, que, apesar do fracasso de Dez Segundos de Perigo, teve uma boa experiência com o astro. No longa, a saída de Doc McCoy (é “Mc” e “Mac” para todo lado nesse filme, sejam nos sobrenomes da dupla principal de atores, seja nos da dupla principal de personagens) da prisão se dá quando ele, tendo sua condicional negada, pede que sua esposa negocie sua liberação com o gângster Jack Beynon (Ben Johnson) que compõe o painel julgador. Em uma sequência inteligentemente filmada, com Carol visitando Jack em seu escritório com uma roupa particularmente sexy e Peckinpah fazendo uso de cortes precisos, já há a indicação de que o acordo encetado por ela em nome de seu marido não inclui apenas um trabalho de Doc para Beynon, mas, também, ela própria entregando-se para o vilão.

O que segue daí, ou seja, o roubo do banco com o casal McCoy tendo que trabalhar com dois bandidos escolhidos por Beynon, Rudy Butler (Al Lettieri) e Frank Jackson (Bo Hopkins) e a traição de Rudy já prevista por Doc, e, claro, a fuga, são, apenas, confeitos em um bolo cujo centro é a relação entre Doc e Carol e como ela é abalada pelo que Carol tem que fazer para libertar o marido e, também, como isso acaba sendo violentamente revelado para Doc. Não existem dúvidas possíveis sobre o que Carol sente por Doc e MacGraw acerta em cheio nesse aspecto de sua personagem, equilibrando força e um certo grau de frieza que lhe permite participar de um assalto e uma meiguice que, sendo muito sincero, Doc simplesmente não merece. Não que McQueen não esteja bem em seu papel, pois ele está daquela sua maneira durona e estoica, mas sim porque o personagem em si é difícil, caminhando na fronteira entre o herói bonitão e o anti-herói desagradável. O que não funciona muito bem é como a direção de Peckinpah por vezes quer fazer o espectador crer que Carol tem sentimentos por Beynon, algo que navega contra a maré de tudo o que é mostrado antes e depois da cena climática com o vilão principal, ainda que a sequência do casal no caminhão de lixo e, depois, no lixão da cidade em que Doc precisa se curvar à Carol, seja memorável.

Al Lettieri, hoje certamente mais lembrado como Virgil “O Turco” Sollozzo de O Poderoso Chefão, papel que viveu no mesmo ano de lançamento de Os Implacáveis, é o arquétipo do vilão porcaria, mas asqueroso e odioso, algo que é amplificado por sua relação abominável com a esposa fogosa do coitado do veterinário que ele obriga a ajudá-lo com seu ferimento. Mas o ator empresta um nível de amoralidade tão grande à obra como um todo que, na comparação, ele faz Doc parecer um santo recém-canonizado pelo Papa, pelo que ele tem uma função narrativa importante que é mostrar o fundo do poço vilanesco de maneira consideravelmente eficiente.

Os Implacáveis acabou sendo o sucesso que McQueen precisava, abrindo espaço para a estirada final de sua carreira encerrada abruptamente por sua doença avassaladora. O longa é uma grande história de amor com um casal principal absolutamente cativante e inesquecível em meio a uma atmosfera de podridão e sujeira – e nenhuma honra – entre bandidos que, talvez, tenha um final feliz demais para combinar com o restante, ainda que, claro, sendo um filme feito para agradar o maior número possível de pessoas, ele faça todo sentido.

Os Implacáveis (The Getaway – EUA, 1972)
Direção: Sam Peckinpah
Roteiro: Walter Hill (baseado em romance de Jim Thompson)
Elenco: Steve McQueen, Ali MacGraw, Ben Johnson, Sally Struthers, Al Lettieri, Slim Pickens, Richard Bright, Jack Dodson, Dub Taylor, Bo Hopkins, Roy Jenson, John Bryson
Duração: 122 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais