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Crítica | Os Inventados

Um experimento sobre a arte de encenar.

por César Barzine
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Uma obra onde os personagens – e não apenas seus respectivos atores – interpretam outros personagens, até que um destes, perdido em meio a essa encenação, acaba naturalmente deixando de lado a performance e busca compreender o que é e o que não é real. A ficção atinge um ponto máximo para esse protagonista, e o limiar dela com a realidade provoca a perplexidade deste personagem-real.

Os Inventados poderia facilmente ser um filme experimental, um ensaio hermético sobre as fronteiras da performance, mas na verdade o longa acaba sendo bem simples e até convencional. A história é sobre Marino, um yuppie que trabalha em um escritório e busca uma carreira como ator, daí se inscreve num workshop onde ficará isolado com mais quatro pessoas numa casa em que cada um irá encarnar a persona do outro e encenar ela a cada minuto. O filme basicamente é uma demonstração em tempo real de O Método – como é chamada a técnica de interpretação inspirada no modelo soviético Sistema Stanislavski -, desenvolvida pela escola de teatro nova-iorquina Actors Studio, em que os atores buscavam resgatar emoções do passado e expandir o seu personagem para a vida real. Assim, Os Inventados torna-se quase que uma experiência de laboratório, em que o público acompanha a transfiguração de cada intérprete.

Porém, em seguida, tanto o público quanto Marino passam a duvidar da natureza desse experimento na medida em que cada personagem vai desaparecendo e os demais não estranham nada, como se eles nunca tivessem estado ali. O único que tem consciência – ou falta dela? – do que aconteceu é Marino. Os Inventados é, então, um jogo que brinca com a noção do criar e encenar; primeiro distorcendo o real – personagens passam a ser “outros personagens” -, e depois pela ausência desse irreal – em que cada personagem some abruptamente. Ao questionar quem ainda se encontra naquele espaço, os personagens-atores agem com naturalidade, restando a dúvida de onde está a encenação.

Seria cada desaparecimento uma farsa? Marino estaria ficando louco? Ou é um fenômeno paranormal? Ora, como o filme em si já é uma farsa propriamente dita, não há por que exigirmos uma resposta concreta. As coisas são o que são. Ou seja, elas são o irreal, o absurdo e o farsesco. Este universo diegético forma um espetáculo metalinguístico, ao passo que o próprio campo não-diegético do longa também o é. O que resta é a mentira pela mentira, sem resoluções e reviravoltas. E é neste ponto que o roteiro se demonstra seguro, pois qualquer tentativa de elevar a estranheza da história poderia se configurar no artifício fácil e simplista para deixá-la mais palatável.

A narrativa nada mais é do que um conjunto de pequenas situações que passam a se concentrar no elemento fantástico/anormal. Este que se mantém discreto, sem o desejo de transformar o filme numa espécie de terror ou sci-fi. O clima em torno de Os Inventados é o do intimismo, que é acentuado na relação de Marino com Sabrina, a única personagem restante além dele. Os diálogos entre os dois, quando não estão discutindo a suposta metafísica que ronda naquele espaço, se dão através de conversas banais que acabam criando uma pequena sugestão afetiva de Marino por ela. 

É curioso notar a discrepância entre o primeiro ato e o restante da obra. De início, o filme transmite uma forte energia com a montagem agitada e rítmica. A personalidade meio atrapalhada de Marino cria um tom bem estilizado ao lado dos cortes constantes e o ritmo frenético. Após esse prólogo, há uma atmosfera mais serena e suave. O isolamento naquela grande casa, a série de estranhezas em curso, e o trabalho de iluminação que valoriza fortemente o escuro (principalmente nas cenas internas), transferem Os Inventados para uma abordagem oposta, indo de uma aparente comédia para um suspense minimalista que possui um caráter de ensaio, mas que ainda assim sempre conserva – com bastante lucidez – uma simplicidade em sua estrutura.

Os Inventados (Los Inventados) – Argentina, 2021
Direção: Leo Basilico, Nicolás Longinotti, Pablo Rodríguez Pandolfi
Roteiro: Leo Basilico, Nicolás Longinotti, Pablo Rodríguez Pandolfi
Elenco: Gastón Dubini, Rosina Fraschina, Verónica Gerez, Juan Grandinetti, Sebastian Godoy, Iván Moschner
Duração: 91 minutos.

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