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Crítica | Os Irmãos e Irmãs Toda

por Luiz Santiago
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Os Irmãos e Irmãs Toda (1941) foi o primeiro filme de Yasujiro Ozu rodado durante a Segunda Guerra, isso após um inédito hiato de quatro anos em sua carreira. Seu filme anterior, O Que Foi Que a Senhora Esqueceu? (1937), tinha um tom melancólico, mas muito diferente desta película sobre a família Toda, que traz uma forte marca trágica, depressiva, tanto para o tempo histórico em que se passa, quanto para a forma como o diretor e seu parceiro no roteiro, Tadao Ikeda, exploram a situação principal, que é a postura dos filhos ao tratar a mãe e a irmã solteira como bagagens inconvenientes e fazer de tudo para que não fiquem em suas casas, após a morte do patriarca da família, que trouxe dívidas e tempos financeiros difíceis para todos.

O espectador irá notar muitas semelhanças com o excelente longa de Leo McCareyA Cruz dos Anos (1937), mas o roteiro tem em sua raiz uma temática já apresentada no cinema em filmes americanos como Over the Hill to the Poorhouse (versões de 1908 e 1920) e Honrarás Tua Mãe (1931), além de um filme chinês (hoje perdido) de 1937. O tema é delicado. Com a morte do Sr. Shintaro Toda (Hideo Fujino), a matriarca (Ayako Katsuragi) e Setsuko, a filha mais nova da família (Mieko Takamine) tornam-se um problema para todos os outros irmãos. Elas precisam se hospedar em algum lugar, já que a mansão e os bens valiosos do clã foram vendidos para o pagamento de dívidas deixadas pelo pai. A partir daí, todos colocam problemas, esquivam-se, destratam (ou deixam ser destratadas) as duas mulheres que, dado o momento financeiro da família, precisam da bondade dos irmãos e irmãs para poderem morar em algum lugar.

A obra começa em um tom de felicidade, com Ozu talvez mais burocrático que o normal na direção — embora as escolhas iniciais dele possam ser entendidas, por contraste de atmosfera, no decorrer da obra — e com a família festejando o aniversário de 69 anos da Sra. Toda. Os cortes de cena e a maneira como os grupos de irmãos aparecem mostram algo cultural e particularmente interessante que será de grande importância para uma melhor compreensão da obra. No primeiro ponto, a formalidade e até afastamento entre pais e filhos, após certa idade, parece ter um relevo ainda maior no seio da cultura clássica japonesa. No segundo, essa família em específico parece sustentar uma face simpática e harmoniosa, mas todos os filhos do casal querem apenas isso: serem deixados em paz, seguindo suas vidas normalmente, sem ter que se preocupar com pai, mãe ou irmã caçula. É um ponto delicado porque se divide entre o direito que alguém tem de querer sua privacidade e “paz”, mas ao mesmo tempo de profundo egoísmo e ingratidão, especialmente para com a figura da mãe.

Ozu sempre soube manipular bem as emoções e fazer com que os laços matrimoniais, fraternais, paternais e familiares estivessem representados em distintas camadas ao longo de seus filmes, algo que ocorre aqui a partir de uma emotiva reflexão sobre o abandono (ou o destrato) dos filhos para com os pais ou algum familiar em necessidade — algo que se torna ainda pior porque estamos falando de pessoas que realmente podem ajudar. Infelizmente o roteiro se quebra demais na forma como tenta erguer um bloco de identidade para cada um, especialmente no miolo da fita, mas o foco central permanece ativo e o diretor ainda adiciona um elemento de memória e simbologia, como o pássaro em uma rica gaiola, rejeitado por uns filhos, visto com indiferença por outros. No fim, a ajuda vem de quem menos se espera, do filho aparentemente mais desapegado e despreocupado, que protagoniza uma cena constrangedora, necessária e muito real na parte final da obra, num clássico “almoço problemático de família”.

Aqui também vale a citação ao fato de Shojiro (Shin Saburi) ir trabalhar na China. Na época, o país estava ocupado pelos japoneses, como consequência dos eventos da Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937 – 1945), o que faz até hoje com que alguns ‘críticos’ negativizem a obra por conta desse aspecto do do roteiro, onde um personagem vai à China para reerguer sua vida, fazer daquele lugar, na época ocupado, uma oportunidade de fugir das tradições e hipocrisia do Japão. O absurdo de taxar Ozu de conivente com a política externa de Hirohito, porque ele escreveu que alguns de seus personagens foram tentar a vida na China é tão grande, que nem vale aqui maiores explanações. O fato é que o diretor mantém a tristeza e o desalento ativos mesmo nessa fagulha de esperança, uma espécie de fuga, porque mesmo com a possibilidade de uma nova vida, o comportamento ingrato dos muitos filhos da Sra. Toda é algo que não mais irá lhe sair da cabeça.

Delicado e com uma temática até hoje relevante, Os Irmãos e Irmãs Toda mostra que dentro de uma mesma família é possível encontrar bons e maus exemplos de acolhimento, assistência e amor, além de mostrar que os filhos — ou a maioria dos filhos — podem ser muitas coisas, menos um bom plano de seguridade para a velhice.

Os Irmãos e Irmãs Toda (Todake no kyôdai) — Japão, 1941
Direção: Yasujiro Ozu
Roteiro: Yasujiro Ozu, Tadao Ikeda
Elenco: Mieko Takamine, Shin Saburi, Hideo Fujino, Ayako Katsuragi, Mitsuko Yoshikawa, Masao Hayama, Tatsuo Saitô, Kuniko Miyake, Yoshiko Tsubouchi, Michiko Kuwano, Chishû Ryû, Chiyoko Fumiya, Chôko Iida, Yaeko Izumo, Shohichi Kawamura, Toshiaki Konoe, Masami Morikawa, Fumiko Okamura, Takeshi Sakamoto
Duração: 105 min.

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