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Crítica | Os Irmãos Sisters, de Patrick deWitt

por Luiz Santiago
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Na manhã, colocando minhas botas, senti uma dor forte no meu dedão esquerdo. Virei e bati no fundo da bota, esperando que saísse um espinho, mas o que vi foi uma aranha grande e peluda caindo de costas no chão, oito patas se movendo no ar frio. Meu pulso disparou e fiquei muito mal porque tenho bastante medo de aranhas, cobras e coisas que se arrastam, e Charlie, sabendo disso, veio me ajudar, jogando a criatura no fogo com sua faca. Vi a aranha se enrolar e morrer, pegando fogo como uma bola de papel, e fiquei feliz por seu sofrimento.

__ Era um animalzinho poderoso, irmão.

Oregon City, 1851: este é o tempo e o espaço onde começa a jornada dos irmãos Eli e Charlie Sister para cumprir mais uma ordem do Comodoro, poderoso homem para quem a dupla trabalha. Segundo romance escrito pelo canadense Patrick deWittOs Irmãos Sisters é um “faroeste familiar”, por assim dizer. O título deixa claro qual é a relação central que o autor irá explorar no livro, e é a partir dessa relação fraterna que acompanhamos a partida dos dois assassinos de aluguel para a Califórnia, em plena Corrida do Ouro, para matarem um homem chamado Hermann Kermit Warm que, segundo o Comodoro, havia lhe roubado dinheiro.

A relação entre Eli e Charlie é definitivamente a melhor coisa do livro, e a diferente visão de mundo que cada um possui torna a longa jornada a cavalo ainda mais interessante. A obra começa, aliás, com um capítulo chamado Problema com Cavalos, onde o narrador (Eli), fala como ele e seu irmão perderam os antigos cavalos — sem nome — numa missão anterior e agora estavam com Nimble e Tub, com quem precisavam se acostumar. O leitor inicia a viagem notando a relação sentimental de um homem para com o outro; de cada um para com seus animais e a forma como encaram seu próprio trabalho, motivo de brigas constantes entre eles e que também serve para o autor desenvolver as características morais de cada um, além de formar a nossa impressão inicial e, no final da obra, mostrar o que mudou e o que permaneceu igual.

Conflito entre dois irmãos não é algo novo na literatura, independente do gênero, então o leitor não encontrará aqui algo realmente novo ou cheio de surpresas (bem, exceto pelo final, que é terno e diferente do que se pode imaginar à primeira vista), mas com certeza irá se divertir bastante ao longo de toda a viagem da dupla. As pessoas mais do que hilárias — e outras bem trágicas — que eles encontram no meio do caminho, as doenças que eles contraem, as doenças do cavalo de Eli (Tub) e a relação amigável que ele tem com o animal, as brigas morais, as provocações e uma certa piscadela folclórica, brincando um pouco com fantasia… tudo isso é escrito dentro de uma deliciosa prosa que usa de diferentes vertentes do humor, de alguns relatos históricos e de bom tratamento para o Universo do western.

A segunda parte do volume foi a que menos me agradou. O humor permanece em diversas cenas e bons momentos de violência, de reflexões sobre a vida e características gerais dos romances sujos ou históricos aparecem e sustentam a nossa atenção. Mas um certo acordo realizado na parte final desequilibra a história. Por um lado, mostra um rompimento de expectativas, mas particularmente não gostei muito desse longo bloco, e especialmente de uma narração meio solta e um pouquinho enjoativa de Warm (vocês entenderam que ele quis dizer que o pai era homossexual ou… outra coisa?), mas como disse antes, o livro permanece bom do começo ao fim, só que cai de qualidade na segunda parte.

Por conta de alguns eventos, os personagens falam pouco no último capítulo e essa marcha meio silenciosa reúne uma porção de características dos irmãos Sister e demonstra o quanto cada um mudou ou teve fortalecidas algumas de suas opiniões. O que me deixou com o coração partido na segunda parte foi tanto o destino do cavalo Tub quanto a maré de azar e derrotas que afeta os irmãos, chegando ao patético e hilário ponto em que até de prostitutas unidas e vingativas acabam apanhando e sendo roubados. É um ótimo momento da obra, reafirmando a derrota, mas ao mesmo tempo dando uma visão de esperança em meio à miséria que, pelo menos na minha leitura, soou forçadamente “americano demais“.

O refúgio dos personagens no final do livro é, como disse anteriormente, inesperado. Não é exatamente a meu preferida entre as opções imaginadas, mas eis aí uma decisão que funciona bem, mesmo sendo diferente de tudo o que o autor plantou no decorrer da trama. Se pensarmos nas mudanças pelas quais eles passaram, faz total sentido esse retorno ao ninho, dando um descanso familiar e muito bonito para esses dois assassinos miseráveis que querem tentar uma vida diferente. Nesse sentido, o livro pode até ser visto como um romance de amadurecimento tardio para os dois irmãos, que em meio às tragédias  de um trabalho sujo, unem-se ainda mais (ou se apartam civilizadamente, é difícil dizer ao certo) e resolvem que é tempo de fazer outras coisas. Em meio à amargura, um novo momento começa para os irmãos Sisters.

Os Irmãos Sisters (The Sisters Brothers) — EUA, 2011
Autor: Patrick deWitt
No Brasil: Editora Planeta (2013)
Tradução: Marcelo Barbão
272 páginas

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