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Crítica | Os Justiceiros, de Stephen King

por Rafael Lima
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Em 1996, Richard Bachman já havia sido exposto como um pseudônimo de Stephen King há mais de dez anos, com King inclusive encenando um enterro para Bachman quando revelou a informação ao público. Mas o autor resolveu trazer uma nova obra de seu pseudônimo, ao brincar com o conceito de múltiplas realidades, presente em seu universo literário, principalmente nos livros da série A Torre Negra. A ideia era escrever dois romances que contavam basicamente com o mesmo elenco de personagens, mas inseridos em contextos e cenários diferentes. Assim, ao mesmo tempo em que Stephen King lançou o livro Desespero, sua contraparte falecida, Richard Bachman, teve um “romance póstumo” publicado; Os Justiceiros, que por sua vez, era baseada em um argumento cinematográfico escrito por King na década de 1980, e que chegou a ser oferecido ao diretor Sam Peckinpah poucos meses antes de sua morte.

Na trama, a pacata Rua Dos Alamos, localizada em uma pequena cidade de Ohio, tem a sua tranquilidade brutalmente perturbada quando um furgão colorido passa pela rua, e fuzila todos aqueles que conseguem atingir. Desesperados e sem entender o que esta acontecendo, os sobreviventes se reúnem apenas para descobrir que os telefones do local estão mudos, e que a paisagem em volta está literalmente se transformando em um cenário de faroeste que parece ter sido desenhado por uma criança; com um interminável deserto estando no lugar onde antes estava o resto da cidade. Agora, liderados pelo ex-policial Colin Entragian, os moradores da Rua Dos Alamos precisam descobrir uma forma de sair da macabra situação em que foram envolvidos, enquanto a diabólica criatura responsável se esconde no corpo de uma criança, transformando a sua imaginação infantil em um massacre bem real.

Os Justiceiros revela-se um trabalho que estabelece um ambiente de tensão já em suas primeiras páginas, sustentando essa tensão até a conclusão. A trama se passa em um único dia, e acompanhamos os personagens totalmente desorientados, sem a mínima ideia do que fazer diante do pesadelo bizarro em que foram mergulhados. O escritor não poupa detalhes na descrição da violência, narrando ao leitor todas as consequências dos tiroteios promovidos pelos personagens títulos, ainda que a violência vá alcançando graus mais absurdos à medida em que a narrativa avança, a ponto de se tornar quase cômica, de um jeito macabro, em certos trechos. O autor também cria uma atmosfera de suspense hitchcockiano, pois diferente dos personagens, sabemos que o responsável pelo pesadelo dimensional que se desenrola é um pobre garoto autista com poderes paranormais. Um menino possuído pelo demônio Tak, que faz da vida de sua amorosa tia Audrey um inferno, e agora estende este inferno a toda Rua Dos Alamos.

Como de costume em sua bibliografia, o romancista explora o melhor e o pior que o ser humano tem a oferecer quando posto em situações extremas. O escritor ganha pontos por conseguir dar a cada um dos personagens uma reação diferente diante do cenário surreal da narrativa e, ao apresentar uma série de dilemas morais, transmite para o leitor uma mensagem bem clara: existe um pouco de mocinho e bandido dentro de cada um de nós.

A obra mistura a narrativa em terceira pessoa com passagens epistolares, onde lemos trechos de diários e cartas de determinados personagens, além de matérias de jornal e até mesmo ilustrações feitas pelo menino possuído. Tal recurso pode parecer deslocado em um primeiro momento, mas é apenas o choque inicial, pois ele não só se torna bem articulado com a prosa tradicional, como também após a conclusão do livro, percebe-se que se encaixa de maneira perfeita com todo o contexto da historia.

Os Justiceiros mostra-se um ótimo exercício de suspense de King, onde o autor cria um elenco de personagens carismático e bastante humano, capaz de despertar tanto o amor quanto o ódio do leitor. O surrealismo da narrativa, misturado com uma violência extrema, que flerta descaradamente com o cartunesco em certos momentos, dá um sabor especial a este tenso, mas divertido trabalho de Stephen King, ou melhor, Richard Bachman.

Os Justiceiros (The Regulators)- Estados Unidos. Setembro de 1996.
Autor: Stephen King (Sob o pseudônimo de Richard Bachman)
Editora Original: Dutton
Editora Brasileira: Editora Objetiva, 2001.
Tradução: Marcos Santarrita.
239 páginas

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