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Crítica | Os Meninos (1976)

Um clássico do terror espanhol sobre a perversão da inocência.

por Rafael Lima
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Quando Os Meninos, filme dirigido por Narciso Ibañez Serrador chegou aos cinemas em 1976, o arquétipo da criança assassina já não era uma novidade no cinema de terror. A essa altura, a pequena psicopata Rhoda Penmark já havia aterrorizado a sua vizinhança em A Tara Maldita (1956), as crianças de Midwick já haviam provocado uma onda de mortes em A Aldeia Dos Amaldiçoados (1960), e no mesmo ano em que o filme de Serrador foi lançado, o anticristo ganharia o rosto inocente de uma criança no clássico A Profecia (1976). O que diferencia então, esta produção espanhola dos outros exemplares fílmicos de crianças malignas? Afinal, a pergunta do título original Quien Puede Matar Un Niño? está no coração desse tipo de produção de terror. Mas o que distingue  Os Meninos de seus pares é que o motivo por trás do comportamento macabro das crianças não possui uma origem clara, o que torna a pergunta do título ainda mais poderosa.

Na trama, Tom e Evelyn são um casal britânico que estão tirando férias sozinhos no litoral espanhol, antes que o seu terceiro filho nasça. Querendo fugir da agitação da cidade, o casal resolve passar alguns dias em uma pequena ilha turística. Mas ao chegarem lá, percebem que todos os adultos do lugar desapareceram e as crianças locais exibem um comportamento estranho, que não demora a se tornar violento. Logo, Tom e Evelyn se veem lutando por suas vidas, enquanto tentam entender por que as crianças da ilha estão tentando matá-los. 

Escrito pelo próprio diretor, a partir de um romance de Juan José Plans, Os Meninos abre com uma montagem documental que retrata como as crianças são as maiores vítimas de grandes tragédias da humanidade, retratando eventos violentos como o holocausto e as guerras da Coréia e do Vietnã para ilustrar esse ponto, apontando assim um mundo que não é seguro para as crianças. Ao mesmo tempo, o 1º ato da narrativa nos traz uma visão mais íntima desse problema, através das conversas do casal protagonista, que debatem sobre a responsabilidade de se colocar mais uma criança nesse mesmo mundo hostil.

A trama se constrói sem pressa, nos dando tempo de conhecer Tom e Evelyn e sua relação, assim como construindo o clima de suspense à medida em que o casal chega até a pequena ilha e começa a perceber aos poucos que há algo de muito errado com o local, desde a total ausência de adultos, passando pelo estranho comportamento das crianças, até os misteriosos telefonemas de uma voz feminina estrangeira e desesperada. Os sinais de que algo macabro aconteceu naquele povoado vão sendo entregues de maneira sutil em uma construção crescente de desconforto, que segue em um ritmo progressivo, mesmo após o casal perceber a natureza homicida das crianças da ilha, em uma passagem particularmente brutal, mesmo que não mostre uma gota de sangue sequer.

Um dos grandes méritos da obra é nunca expor o real motivo do porquê as crianças estão agindo de forma homicida, em uma abordagem semelhante à vista no clássico Os Pássaros (1963), de Alfred Hitchcock. Ainda que o filme apresente uma hipótese ou outra sobre os motivos dos pequenos assassinos e nos mostre como essa psicopatia coletiva se espalha, o roteiro parece mesmo convidar o público a tecer as suas próprias opiniões sobre o significado da onda de violência infantil. Seria a natureza de alguma forma expurgando a ameaça que os adultos representam para as crianças? Os pequenos estariam apenas liberando de forma prematura e descontrolada os impulsos de morte e destruição que terão quando adultos? Cabe ao espectador decidir.

Mas se o roteiro já é bastante instigante em sua simplicidade, o trabalho de direção de Serrador se destaca ainda mais. Ainda que tenha algumas passagens realmente violentas (como a grotesca cena em que um cadáver é usado como pinhata), Serrador opta por apostar, a maior parte do tempo, no poder da sugestão, deixando que a nossa imaginação e a interpretação de seus atores retratem o horror e a loucura da situação apresentada. O primeiro assassinato que vemos em cena, por exemplo, é filmado de longe pelo diretor, de modo a nos fazer compartilhar do choque e a incredulidade do casal protagonista.

Da mesma forma, a decupagem valoriza os close-ups, de modo a contrapor o pavor no rosto dos adultos com o sorriso nos rostos das crianças enquanto elas cometem atos de violência. Indo mais a fundo nos aspectos técnicos, vale destacar a direção de fotografia de José Luis Alcaine (colaborador habitual de Pedro Almodóvar), que usando sombras marcadas e uma paleta de cores levemente amarelada, frisa o calor intenso do ambiente, criando um verdadeiro cenário infernal. Chama a atenção também a boa trilha sonora de Waldo de Los Rios, que mesmo não sendo extremamente original ao apelar para melancólicas melodias infantis, é apropriada e bem utilizada pela obra.

Com Os Meninos, Narciso Ibañez Serrador entrega um grande clássico do cinema de terror espanhol, em uma trama que sabe explorar o cerne do terror das histórias de crianças assassinas, usando o fator do desconhecido para tornar a pergunta quem pode matar uma criança? ainda mais perturbadora. A metáfora proposta pela obra também é bastante incômoda, pois aqui a corrupção da inocência pode não vir de um mal sobrenatural, extraterreste, ou de um distúrbio psicológico. A corrupção da inocência pode muito bem ser um processo natural, fruto da própria violência e crueldade cíclica do ser humano, e isso é aterrador.

Os Meninos (Quien Puede Matar Un Niño?) – Espanha, 1976
Direção: Narciso Ibañez Serrador
Roteiro: Narciso Ibañez Serrador (Baseado em Romance de Juan José Plans)
Elenco: Lewis Flanders, Prunella Ransome, Antonio Iranzo, Marisa Porcel, Luís Ciges, Aparício Rivero
Duração: 107 Minutos.

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