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Crítica | Os Pássaros, de Frank Baker

por Leonardo Campos
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Por causa da profunda permanência das aves de Alfred Hitchcock em nosso imaginário cultural, torna-se hercúlea a tarefa de fazer uma análise do romance Os Pássaros, de Frank Baker, sem deixar de mencionar, em algum momento, o clássico filme do cineasta, uma de suas produções mais famosas e impactantes no quesito visualidade e temática. Repleto de possibilidades interpretativas, o filme na verdade traz em seus créditos, uma referência ao irregular conto homônimo de Daphne Du Maurier, uma história com momentos impactantes, mas de pouquíssima profundidade psicológica para os personagens, além da brevidade diante de determinados acontecimentos que ganhariam mais impacto se trabalhado nos pormenores. Há, no entanto, muitos elementos de Frank Baker no filme de 1963. A cena da cabine telefônica, alguns ataques detalhados com precisão cirúrgica ao longo das descrições do escritor, além de traços da atmosfera literária, presentes na narrativa audiovisual. O prefácio de Ken Moog, conhecido pesquisador da obra do mestre do suspense, também cheio de subjetividade, expõe maiores detalhes.

Não podemos afirmar que Hitchcock se inspirou declaradamente no livro, mas numa perspectiva da literatura comparada, há muitas ilações de conexões pertinentes. Ativo e sempre em busca de se superar, é provável que o realizador tenha tido acesso ao conteúdo antes ou durante o processo de produção de seu filme de monstros conhecido, dentre tantas coisas, pelas histórias turbulentas de bastidores. Voltemos, no entanto, ao livro de Baker, relançado numa luxuosa edição pela sempre cuidadosa Darkside Books, num projeto editorial que vai além da capa dura com design deslumbrante, assinado pela Retina 78, também responsável pela impactante diagramação e demais ajustes. As aves, em todas as obras mencionadas nesta reflexão também concisa, atacam impiedosamente os humanos e ganham maior poder em nossa imaginação pela falta de dados exatos que nos expliquem os seus incidentes bizarros, tomados por fortes doses de violência.

É um livro para deixar qualquer colecionador encantado, algo que não podemos dizer exatamente de seu conteúdo. Enquanto narrativa literária, Os Pássaros peca por digressões vertiginosas, com exceção de algumas passagens brilhantemente apavorantes na primeira e na terceira parte, trechos de tensão que parecem escritos por autores diferentes, tamanha a mudança de estilo e ritmo na abordagem dos acontecimentos. Com tradução de Bruno Dorigatti, eficiente na associação com a linha de pensamento das gerações mais atuais, a edição traz notas de rodapé que vão além da mera conceituação de vocábulos transportados para o nosso idioma, dando ao livro um importante material de estudos para o campo da tradução. Ele é minucioso e cuidadoso nas expressões, bem como em pontos geográficos que precisam de maior explicitação para que adentremos no clima pretendido por Frank Baker, ao longo das 298 páginas do livro.

Na história de cunho apocalíptico, nosso narrador-personagem é um homem ambíguo com relacionamento muito próximo ao eixo materno de sua vida. Ele, psicanaliticamente, ainda não matou a sua mãe. O interesse amoroso por uma russa desperta sentimentos diversos, algo que vem acompanhado de passagens ambíguas sobre a sua observação diante de certas presenças masculinas, responsáveis por despertar o que há de homoafetivo dentro de seu ser. Ele vaga por sua existência comum entre a casa e o trabalho, deflagra a chegada da modernidade ao comentar em detalhes os costumes, as novas formas de comunicação e entretenimento, tais como o rádio e o cinema, meios impactantes e que transformaram o século XX, junto ao advento da televisão, posteriormente. Em busca desses prazeres da vida material britânica da época, o narrador apresenta um misto de fascínio diante de tudo isso, sempre relacionando com a expressão “depois da chegada dos pássaros”, como se as aves perigosamente predadoras fossem alegóricas.

Diante do exposto, para o leitor mais interessado numa empolgante aventura, as passagens deste tipo estão apenas nas primeiras páginas e nas vertiginosas passagens próximas ao desfecho. Ademais, a escrita de Frank Baker é tomada por muitos instantes de marasmo. Sabemos que há muita coisa acontecendo ali, mas as suas viagens memorialísticas atrapalham as conexões com o sistema nervoso da história, isto é, o ataque dos pássaros. Equilibrada e sem muita complexidade filosófica, algo que a tornaria ainda mais desinteressante, haja vista a dificuldade em deixar os acontecimentos fluírem, a estrutura de Os Pássaros é um exercício literário que pede do leitor bastante atenção para evitar se perder diante das linhas narrativas que parecem partir de um lugar para o outro sem muito critério. Alegoricamente, as aves permeiam toda a narrativa, seja pela busca de explicações para a sua chegada e permanência, seja na análise dos perfis dos personagens. Londres, nesta história de suspense e horror, nunca mais foi a mesma.

Aqui, não há a habitual antropomorfização que os filmes de terror e outras publicações literárias investem, voltadas ao processo de aparente violência instintiva cheia de consciência por parte dos animais, revoltados com a aniquilação do meio ambiente, ação constantemente perpetrada pelos humanos. Há algumas menções a isso, comentários bíblicos, políticos e sociais, dispersos em descrições de diálogos observados pelo narrador, um personagem com fluxo de consciência compartilhado em algumas passagens conosco, amontoado de pensamentos organizados que nos permite compreender melhor as suas ações e determinações para conseguir chegar ileso ao desfecho da história. “Nenhuma das minhas palavras conseguirá descrever aquela catástrofe”, afirma o narrador ao contar para a sua filha, em 1935, uma história inspirada em acontecimentos reais, mas também entrelaçado em altas doses de subjetividade, num relato que fala de si e do coletivo, com relatos que trafegam entre a memória, incerta, e a objetividade de alguns fatos.

Os Pássaros (The Birds, Reino Unido – 1936)
Autor: Frank Baker
Editora no Brasil: Darkside Books
Tradução: Bruno Dorigatti
Páginas: 298

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