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Crítica | Os Pobres Diabos

Religiosidade e a fantasia em quadros teatrais do cinema.

por Davi Lima
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Para assistir Os Pobres Diabos, que conta a história de um picadeiro montado em Aracati, no Ceará, parece ser necessário captar referências do teatro e das pinturas para se admirar o filme. Antes de se deslumbrar com a obra,  admiramos as interpretações dos atores e a fotografia das construções  de ambientes em tela. Porém, o que o diretor Rosemberg Cariry faz aqui é propor uma tarefa adaptativa do teatro e da arte plástica complexa demais para se preocupar com o drama mais básico. 

As primeiras impressões do filme é que há uma mistura de religiosidade sertaneja e fantasia artística de quadros teatrais. Infelizmente esse estilo da obra não vivifica a história, apenas produz uma espécie de arte pela arte dentro do teatro infernal dos pobres do circo.

As melhores cenas que podemos ver no longa envolvem a quebra da monotonia das paisagens abertas, ou a montagem de cenas para mostrar a personagem Meio Kilo (Sâmia Bittencourt) rindo para a câmera. O filme é recheado de outros elementos   da linguagem teatral, com os gestos definindo o ritmo em contraste com o que a câmera dita. O contexto narrativo que os personagens se apresentam no circo dão os atalhos para emular pinturas como de A Última Ceia, de Da Vinci. Mas quando há um trato de verossimilhança fora desses pontos  técnicos, o diretor parece muito mais preocupado em situar sua formalidade – provavelmente proposta pelo filho Petrus Cariry – do que inter-relacionar os personagens do picadeiro.

O foco mais inter-relacional dos personagens, que traz mais intriga cômica e drama conflituoso, é a “cornografia“, ou seja, quando Creuza (Silvia Buarque) coloca chifre em Zeferino (Gero Camilo) com Lazarino (Chico Diaz), o palhaço. Inegável a correlação desse trio com o teatro do inferno com a trama política de  Lamparino (outro nome do Lampião) e Maria (Maria Bonita) reinando sobre o diabo e discutindo democracia. São apontamentos irônicos que reverberam em outros ícones em Os Pobres Diabos, como o leão morto, a carne de gato e a personagem evangélica. São sucessões de pecados ambíguos entre a fantasia e a realidade que prenunciam o desastre. 

Nesses momentos, os temas da pintura sacra emulada na fotografia, e o teatral, performando os bastidores da “cornografia”, se completam  até mesmo numa narrativa política paralela. Quando o roteiro sobre o banditismo de Lamparino e Maria é apresentado no picadeiro, dá animação ao caráter mais técnico do pai e filho Cariry na montagem, direção e fotografia, pois o que é sisudo se bagunça. Com falas ácidas sobre política, o teatral e o pictórico se tornam mais informal e cria entretenimento mais real dos elementos do filme.

E é nessa linguagem formal e informal que compõe o cinema, por bem e por mal, ajuda a desenvolver no filme uma espécie de acúmulo de pecados até o apocalipse dramático. Começando do campo teatral com a cena dos roubos de um ladrão com máscara (similar àquelas  usadas numa tragicomédia grega), até finalizar na pintura com a lona do circo queimada como no inferno, dando sentido ao picadeiro ser crucificado pelos erros dos personagens. Durante o longa há vários sintomas de um desastre na história entre o teatro e a pintura. No entanto, a tragédia e a comédia, símbolos básicos da teatralidade helênica, nunca se convertem além da representação, sobrando o comentário político relacionado a arte não valorizada, mas pouco integrada aos personagens. A linguagem plural de artes, teatro e pintura, que compõem o cinema, servem à busca por integração da história com as intenções mais subliminares, mas os integrantes, nos seus dramas, são nada mais nada menos que vozes ocas de um teatro com má sonoplastia.

O fato é que Os Pobres Diabos tem um verniz técnico a se admirar, nos colocando como espectadores a pensar no cinema adaptado de outras artes. Isso definiu os prêmios no Festival de Brasília e, sem dúvida, a família Cariry representa bem o cinema cearense em sabedoria cinematográfica. No entanto, se o desapego por um roteiro clássico, e um apego maior à narrativa adaptativa do cinema com as reproduções de imagem e som, colocam o cotidiano do Gran Circo Teatro Americano e seus personagens num apelo trágico de entretenimento, também diz muito pouco sobre os tipos de cinema que pretende ser. 

Nem o teatral nem a pintura são críveis na medida dos personagens. Os integrantes da unidade da história, com toda a técnica de roteiro, som e imagem, também não são. A ruína infernal, no final do filme, bem cinematográfica na montagem, justifica o drama dos pobres mas não deslumbra um progresso dramático. Rosemberg Cariry não nos faz acreditar no cinema-teatro e no cinema-pintura. Tornam-se apenas passagens, quando na verdade são suas fontes de significados, para entendermos a história do circo como reprodução da arte popular, pobre e imoral.

Os Pobres Diabos – Brasil, 2017
Direção: Rosemberg Cariry
Roteiro: Rosemberg Cariry
Elenco: Chico Díaz, Everaldo Pontes, Georgina Castro, Gero Camilo, Nanego Lira, Sâmia Bittencourt, Silvia Buarque, Zezita Matos
Duração: 93 minutos

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