Em 1988, a Fuji Television Network criou um programa de quase duas horas, onde exibia às sextas-feiras à noite, uma grande variedade de produções, que iam de quadros de variedades a filmes e curtas-metragens com os mais diferentes temas. Em 1992, filmaram alguns curta-metragens que adaptavam os escritos do mestre Edogawa Ranpo, em seu primeiro ano trabalhando o detetive Akechi Kogoro, ou seja, os contos lançados pelo autor no ano de 1925. E é claro que, nessa sequência de curtas, não se podia deixar de adaptar a primeiríssima aventura do estranho e sagaz detetive, a história intitulada Assassinato na Colina D.
A primeira coisa que nos chama a atenção aqui, levando em consideração o detetive, é que ele é interpretado por uma atriz, mas o roteirista Koharu Terauchi não fez isso pensando em mudar o gênero do personagem. É por este motivo que a abordagem para Kogoro, nesta versão televisiva, é inovadora. Sendo um homem interpretado por uma atriz, o personagem passa a exibir características bem femininas, o que é uma maneira curiosa de pensarmos esse estranho homem de raciocínio rápido e grande introspecção. Sua voz, seu olhar despreocupado, os cabelos bagunçados e a maneira solta de andar, balançando os ombros (tique que o autor faz questão de destacar no conto original) estão presentes no filme, e me impressionaram ao ser aplicados a um personagem tão diferente do que eu esperava ver na tela.
A base narrativa da obra é muito fiel à original. O narrador é mostrado logo no início, bebendo chá em um local em frente à livraria de segunda mão, onde o crime acontece. Ele chama a atenção para coisas diferentes do cenário e tenta convencer o espectador de que é alguém extremamente preparado para resolver um crime. Quando Kogoro entra em cena, há uma certa tensão no ar, como se o narrador se sentisse um pouco ameaçado, e esta atmosfera segue até o final, quando o tão lógico e observador narrador é confrontado (dizendo melhor: humilhado) pela exposição lógica e muito bem estudada sobre o que de fato aconteceu na livraria. Ambos os personagens (Kogoro e o narrador) são muito inteligentes, e essa disputa de intelectos, de pontos de vista e de métodos investigativos são exploradas por Ranpo em seu texto, algo que o diretor Teruhiko Kuze soube transmitir muito bem na telinha.
A composição estética do curta mistura as cenas dos atores com maquetes e bonecos, criando um modelo visual híbrido com stop-motion que torna a história muito criativa. A rua, as lojas e toda a demonstração das principais pistas são dispostas em modelos de maquete, algo que a direção manipula muito bem a favor do mistério. Por ser um crime de quarto fechado, aos moldes japoneses, nossa curiosidade fica ainda maior, pois queremos entender como o enredo irá trabalhar a resolução de um “crime impossível” numa arquitetura diferente da que estamos acostumados.
Do meio para o final, contudo, existem elementos que poderiam ser melhor expandidos, principalmente em relação à investigação. O mesmo vale para a direção no quarto de Kogoro, na sequência final, que perde um pouco da dinâmica da primeira parte do curta. No geral, contudo, a adaptação é muito bem produzida e consegue fazer jus ao ótimo conto de Edogawa Ranpo. Com humildade e certa disposição infantil para olhar as coisas ao redor, Akechi Kogoro resolve um crime que termina com uma nova tragédia, provocada por uma mente atormentada pela culpa, diante de um crime que não queria ter cometido. Um dilema moral e tanto.
Os Primeiros Casos de Akechi Kogoro: Assassinato na Colina D (D坂殺人事件 名探偵明智小五郎誕生 / The Early Cases of Akechi Kogoro, 1925: The Case of the Murder on D.Hill) — Japão, 1992
Direção: Teruhiko Kuze
Roteiro: Koharu Terauchi (baseado no conto homônimo de Edogawa Ranpo)
Elenco: Mitsuko Mori , Hiromi Go , Chosuke Ikariya , Yasuko Matsuyuki , Keizo Kanie , Kii Negishi , Akako Maro , Naomasa Musaka , Yasunori Danta , Denden , Kazuaki Hankai , Hatsue Nishi , Makoto Ito , Eitaro , Reiko Niimura , Tsumura Takashi , Rakuko Tane
Duração: 28 min.
