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Crítica | Os Quatro Grandes, de Agatha Christie

por Luiz Santiago
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O contexto de produção e publicação de Os Quatro Grandes é bem diferente daquilo que estamos acostumados nos romances de Agatha Christie, especialmente aqueles que envolvem o seu grande detetive Hercule Poirot. Não que a autora não tivesse trabalhado histórias de espionagem antes. Seu livro de 1922, O Adversário Secreto, foi o primeiro a trazer para o leitor esse tipo de cenário, e dois anos depois ela voltaria a repetir o gênero sob uma forte camada de suspense policial em O Homem do Terno Marrom. Convenhamos também que O Segredo de Chimneys (1925) não deve nada a esses romances de caráter social, misterioso e político onde conspirações internacionais, indivíduos poderosos, coisas ocultas e elementos de espionagem fazem a festa na narrativa. Todavia, nenhum desses livros anteriores da escritora britânica se comparam a Os Quatro Grandes.

Em termos de qualidade, a obra está mais próxima do ótimo O Homem do Terno Marrom do que dos outros livros citados, mas há uma interessante diferença aqui, e ela se dá essencialmente no tipo de base narrativa que constitui The Big Four. O volume é uma junção romanceada de 12 contos previamente publicados pela autora, o que explica a sequência mais picotada dos grandes capítulos e a forma um tanto diferente de a autora ligar essas aventuras em uma única linha, colocando Poirot e seu amigo Arthur Hastings (que está suportável e até bem interessante nesse livro, à parte os seus momentos xenofóbicos — o trecho em que ele comenta a aparência dos eslavos entrevistados por Poirot é de uma nojeira insuperável) na trilha desse grupo internacional cujo principal objetivo é derrubar a ordem corrente das principais potências do mundo e instituir suas ditaduras pessoais nesses lugares.

Nesse livro a autora utiliza os caminhos literários de espionagem instituídos durante a Primeira Guerra Mundial e adiciona o seu olhar de burguesa europeia ao olhar para a Revolução Russa (mais especificamente, a Revolução de Outubro), e criar um grande elemento ameaçador aos governos Ocidentais, centrando, para marcar o exotismo da obra, o grande cabeça do grupo na China. Li Chang Yen é o nome desse grande cérebro que nunca dá as caras mas que está por trás de tudo o que acontece nos caminhos da política, das bolsas de valores e das guerras naquela conjuntura. Ao seu lado estão o americano Abe Ryland, o “Rei do Sabão”, dito mais rico que Rockefeller; a cientista francesa Madame Olivier, dita mais genial que Marie Curie; e o obscuro mas simplesmente imbatível ator britânico Claude Darrell, um mestre dos disfarces conhecido como O Destruidor.

Em muitos momentos da história eu imaginei estar lendo alguma trama de Arsène Lupin ou, pensando muito mais à frente, alguma história clássica de Diabolik, tamanha a quantidade de reviravoltas, mudanças de personalidade e aventuras dentro de aventuras que a gente tem nessas páginas. O fato de o livro ser uma costura de contos permitiu ainda mais essa impressão de tramas diluídas, carregando problemas de construção no enredo, como personagens que não possuem peso algum; investigações internas que só servem de distração e, o pior de todos os problemas do livro, o final muito corrido — especialmente se considerarmos o épico encaminhamento que a autora deu para a presença de Poirot no mesmo local que os 4 Grandes, ao cabo da aventura.

O encerramento da obra traz uma declaração bastante interessante do detetive belga, que diz que, após esse caso, irá se aposentar e plantar abobrinhas, o que coloca essa aventura, estendida ao longo de vários meses, cronologicamente antes de O Assassinato de Roger Ackroyd, onde vemos, de fato, o homenzinho aposentado no interior da Inglaterra e… plantando abobrinhas. Os Quatro Grandes é um livro muito diferente de tudo o que estamos acostumados da Rainha do Crime. Não é uma obra que eu apresentaria para marinheiros de primeira viagem na bibliografia da autora, mas apesar de ser uma de suas produções menos comentadas e talvez mais desprezadas, é uma das que eu indico fortemente para os já iniciados.

Os Quatro Grandes (The Big Four) — Reino Unido, 27 de janeiro de 1927
Autora: Agatha Christie
Edição original: William Collins & Sons
Edição lida para esta crítica: HarperCollins UK (Kindle), 2010
No Brasil: HarperCollins (2020)
Tradução: Luisa Geisler
242 páginas

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