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Crítica | Os Rapazes da Banda (1970)

por Luiz Santiago
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You’re singing for yourself and the boys in the band.
Nasce Uma Estrela (1954)

Um ano antes da Rebelião de Stonewall (junho – julho de 1969), evento que desembocaria no largo movimento social chamado de “Libertação Gay” (que durou de 1969 até meados dos ano 80), uma peça de teatro chamada The Boys in the Band, escrita por Mart Crowley, colocou New York City em polvorosa. Estreando Off-Broadway em 14 de abril de 1968, Os Rapazes da Banda foi a primeira peça com temática inteiramente LGBT, e todo o seu processo de produção, do encontro do teatro até a escalação do elenco, foi uma verdadeira façanha. Mas aconteceu. E tanto para o bem, quanto para o mal, entre um mutirão de críticas vindas da própria comunidade até o importantíssimo papel histórico e cultural que a peça — e logo depois, o filme — tiveram, o projeto foi um enorme sucesso. Dois anos depois dos palcos, chegava aos cinemas a adaptação da obra, dirigida por William Friedkin.

O roteiro do filme foi escrito por Mart Crowley, adaptando de sua própria peça a história de um grupo de amigos que se reúne para comemorar o aniversário de um deles. O contido formato teatral é manipulado por Friedkin já no começo, com uma interessante abertura de espaço cênico, apresentando takes dos personagens andando pela cidade e, em seguida, estabelecendo a câmera no apartamento de Michael (Kenneth Nelson), o anfitrião que receberá os amigos para comemorarem o aniversário de Harold (Leonard Frey). Do uso da trilha sonora à forma ágil como o diretor captura os rapazes nesse momento inicial do filme, o espectador tem a impressão de que está diante de uma verdadeira festa, e mesmo após o início dos diálogos intensos, cheios de gírias gays nova-iorquinas dos anos 70 e uma amigável agressividade na forma como Michael e Donald (Frederick Combs) se tratam, o clima de festa impera e logo cresce, para aos poucos se transformar em outra coisa.

Uma das maiores críticas que fazem até hoje ao filme é em relação à “forma estereotipada” com que trata os homens gays, além de mostrar cada um com algum tipo de problema sério em sua vida pessoal, quase como servisse de conselho e acusação: “ser gay é ser assim“. Bem, isso não é verdade. Um primeiro ponto a se levantar, antes de tudo, é que sim, em alguns aspectos, Os Rapazes da Banda envelheceu mal, especialmente no tipo de tratamento interno que marca esse grupo de amigos, além do caráter racista de uma das falas de Michael para Bernard (Reuben Greene). O que torna um tipo de conteúdo problemático em um enredo é a forma e o contexto narrativo com que é trabalhado. Se não há uma auto-repreensão, um revés ou um condicional dramático para costurar esse “elemento criticável“, o conteúdo se torna problemático. A fala de Michael para Bernard é um exemplo disso. É racismo puro e simples, mesmo quando contextualizado no calor de um momento tenso da obra. Já o mesmo não podemos dizer de uma verdadeira estereotipação dos personagens.

E de cara é fácil perceber que essa acusação é superficial. Cada um dos rapazes possui uma expressão de gênero distinta, e mesmo que entendamos que nem todo o tipo de homem gay pode ser ver representado nessas personas (o que seria impossível), fica dramaturgicamente complicado chamar o filme de redutivo ou estereotipado, quando na verdade temos diversos homens cis que se expressam do modo mais afeminado ao mais guardado no armário ou masculinamente-normativo possível. E sim, o recorte que o roteiro dá para esses homens é um recorte típico da época em que foi escrito, mas convenhamos, é um recorte honesto, com problemas e dilemas que abordam promiscuidade, recusa de alguns a assumirem um relacionamento, culpa cristã, homofobia internalizada, questões ligadas ao suicídio, drogas, saúde mental e relações com os próprios amigos e membros da comunidade, com os familiares, com os colegas de trabalho e a sociedade em geral. O que temos aqui é um filme de estrutura teatral, marcado por diálogos ágeis, direção intimista e temáticas que, a despeito de certas linhas de abordagem serem datadas para os avanços e pensamentos da comunidade LGBT hoje, podem ser vistos em qualquer lugar e representarem a situação de milhares de pessoas.

A relação entre os amigos aqui é venenosa, como em qualquer amizade muito próxima, especialmente entre gays. Interpretações diversas podem surgir sobre a motivação e manutenção desse tipo de tratamento, mas o próprio roteiro se adianta e faz isso para nós, mostrando a perturbação pessoal de Michael, a proposta de seu humilhante jogo e o que isso faz com os outros personagens, retirando as máscaras e revelando traumas, pensamentos, amores, escolhas de vida. O afeminado Emory (Cliff Gorman) tem um dos momentos mais poderosos nesse sentido, quando entendemos a sua personalidade, a sua expressão livre. Seu olhar sério, sua mudança na voz, a dor que sentimos ao ouvir o seu relato sobre a época de escola é uma das coisas mais tocantes do filme, assim como será a subsequente crise de ansiedade de Michael, que embora tenha tido atitudes e falas imperdoáveis, tem também o seu arco de exposição, de queda de máscaras, mostrando a origem do seu sofrimento e por que agia daquela forma.

Mas o mais importante em Os Rapazes da Banda é o tom de parcial esperança que o roteiro nos deixa, ao final. Não é apenas um filme sobre homens gays em um ambiente onde elementos sombrios/tóxicos de sua personalidade, masculinidade, seus problemas pessoais e outras dificuldades psicológicas, emocionais e atitudinais vêm à tona, causam sofrimento e tudo fica por isso mesmo. Veja, por exemplo, o relacionamento de Hank (Laurence Luckinbill) e Larry (Keith Prentice) e a tentativa e declaração de amor que ocorre entre eles. Mesmo em um ambiente nada propício, o amor que todos esses amigos verdadeiramente possuem um para com o outro e a ação praticamente terapêutica aqui executada sugere possibilidades de mudança. O espectador parte de um início alegre, com montagem ágil dos rapazes apenas se divertindo (a cena da dança é simplesmente maravilhosa), e entra em um intenso modo de diálogo teatral, encerrando a noite com uma expiação. Como disse antes, é um filme que possui elementos datados e, por isso mesmo, incômodos, mas não é o tipo de obra apenas importante pelo seu pioneirismo e impacto sociocultural.

Os Rapazes da Banda nos conta uma história que pode ser real para muitas pessoas e, principalmente, uma condição que precisa ser analisada, com dores e dinâmicas de relações interpessoais que nenhum de nós deve promover ou aceitar, mas superar. Nem tudo na comunidade LGBT é close. Como qualquer grupo humano, trata-se de pessoas com problemas pessoais e interpessoais; alguns gentis, outros rudes; alguns acalentadores, outros algozes; alguns bem resolvidos com suas coisas e outros nem perto disso. O que fica desse exercício terapêutico é a necessidade de procurar ajuda para si e oferecer, quando puder, ajuda àqueles que precisam. No fim, todos se encaminham. E como sempre, depois de uma grande crise, há uma atmosfera de melancolia, de tristeza, de incertezas. Mas também de esperança. Resta procurar um lugar para se sentir bem e ter em mente que amanhã é um outro dia. Fim de cena. Apaguem a luz ao sair.

Os Rapazes da Banda (The Boys in the Band) — EUA, 1970
Direção: William Friedkin
Roteiro: Mart Crowley  (baseado em sua própria peça)
Elenco: Kenneth Nelson, Frederick Combs, Cliff Gorman, Laurence Luckinbill, Keith Prentice, Peter White, Reuben Greene, Robert La Tourneaux, Leonard Frey
Duração: 118 min.

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