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Crítica | Os Sem-Esperança

Política e ideologia.

por Luiz Santiago
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Em seu 18 Brumário de Luís Bonaparte, Marx acrescenta vigor à teoria hegeliana de que os fatos e personagens históricos de grande importância no mundo acontecem duas vezes: “a primeira como tragédia, a segunda como farsa”. Assim foi na Hungria, que sob domínio austríaco (à época, era parte do Império Austro-húngaro), conheceu momentos de intensas revoltas a favor da independência, seguidos de grande preocupação do Império com sua imagem e situação bélica após a Guerra Austro-prussiana de 1866. Uma onda de paranoia política, abuso de poder, delações e medo se apossou do país, e é durante esse período que se passa Os Sem Esperança (1966), brilhante longa de Miklós Jancsó.

Com fortes indicações críticas à história de seu país no século XX, Jancsó realiza uma obra que observa o dia a dia dos acusados de sublevação ao governo, todos reunidos em uma longínqua base do Exército. Através dos inescrupulosos meios de interrogação, os soldados governistas encarnam simbolicamente a divisão soviética que invadiu a Hungria em 1956, e capturou e executou o popular Imre Nagy (que propunha inclusive a retirada da Hungria do Pacto de Varsóvia) e colocou no poder o pró-soviético Janós Kádár, cujo governo representou o recrudescimento do regime, entre 1956 e 1988. Em Os Sem Esperança, Jancsó traz um fato do século XIX para a realidade de seu país em plena Guerra Fria e Era de um “novo domínio indevido“.

Dois momentos cênicos são usados para dar conta do filme inteiro. A “primeira parte” é quase unicamente realizada em internas ou dentro da própria base, um recurso que tem o duplo objetivo de criar a atmosfera fílmica necessária, como também indicar a prisão ideológica ou de ação do indivíduo, minando assim as suas esperanças de lutar. Os grandes planos gerais de duração média imperam durante essa parte; e as delações alcançam o seu ápice. Em dado momento, partidários revoltosos passam a assumir identidades alheias ou a autoria de crimes para poderem livrar-se do futuro trágico. Uma das cenas mais chocantes é da do suicídio coletivo, quando um grupo de homens jogam-se de cima de um prédio ao verem uma mulher ser chicoteada por um grupo de soldados. A “segunda parte” traz a câmera para fora do perímetro da base e os grandes e longos planos gerais aliam-se à música, fortalecendo o sentimento que transmite.

As questões políticas entram no campo da ideologia, da moral e da ética, gerando no espectador uma sensação de tensão, que explode na cena final com grande impacto. As armas e a traição são o cerne de toda a obra. O poder é conseguido através da força e da coação; também sendo mantido e defendido por elas. A traição é o elemento final, quando os rebeldes caem na armadilha preparada pelo próprio governo e arquitetada pelo seu antigo líder e herói. Tanto o descrédito político quanto o questionamento do sofrimento pessoal em prol de uma causa nacional entram em pauta, e a resposta vem com o desfecho do filme, absolutamente lancinante.

A dispensa do herói individual e a arbitrariedade das forças governistas nos indicam claramente a visão do diretor. De nada adianta a intensa luta e renúncia pessoal, se a causa consome-se a si mesma. A fraqueza dos motivos em que se acreditar é o sintoma que acompanharia a doença das ideologias imperantes no mundo ocidental. Através da história de seu país, Jancsó observa uma atitude particular e de cunho político, levando suas causas e consequências para o cinema, de forma a fazer o espectador assumir algum papel ativo e imaginar uma luta contra o poder exercido pela violência. Um cinema ativo. Um cinema que desprende a passividade gerada pela imagem e convida o espectador a questionar as apodrecidas figuras de autoridade. Os Sem Esperança é um filme sobre as decepções políticas e ideológicas, mas é paradoxalmente um filme sobre a esperança. A esperança de que, em algum lugar, as mentes que restaram possam lançar as sementes de um novo caminho de organização e luta contra a opressão.

Os Sem-Esperança (Szegénylegények , Hungria, 1966)
Direção: Miklós Jancsó
Roteiro: Gyula Hernádi
Elenco: János Görbe, Zoltán Latinovits, Tibor Molnár, Gábor Agárdi, András Kozák, Béla Barsi, József Madaras, János Koltai, István Avar, Lajos Öze
Duração: 90min.

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