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Crítica | Os Smurfs (2011)

por Gabriel Carvalho
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Com direito a uma clássica animação nos anos 80, era inegável que Os Smurfs, a franquia em quadrinhos criada pelo belga Peyo, mais cedo ou mais tarde ganharia sua própria versão live-action. Scooby-Doo, Garfield e Flinstones, no entanto, são bons exemplos do potencial de fracasso que tal adaptação carregaria nas costas. Logo de cara, o filme faz questão de apresentar uma trama simplérrima, criada sobre um roteiro bobo, condizente com a faixa etária alvo, mas mesmo assim, extremamente superficial se comparado com outros filmes infantis muito mais profundos.

Para piorar, Os Smurfs é terrivelmente capitalizado, nos levando diretamente da vila encantada para Nova York, com o intuito de inserir personagens humanos, ou seja, nomes famosos e sendo assim justificar o orçamento em live-action com mais de uma figura real, além dos desenhos computadorizados. Enquanto que durante os primeiros minutos o cenário é bastante lúdico, com uma palheta de cores vivas e efeitos especiais muito bons, garantindo ao diretor Raja Gosnell liberdade para ser inventivo, ao sermos finalmente levados para Nova York as coisas mudam de rumo drasticamente.

Primeirmente, essa é uma história bastante desgastada. Diversas obras já retrataram as desavenças de criaturas, animais ou pessoas deslocadas acidentalmente para ambientes desconhecidos, diferentes dos quais estavam acostumadas, tendo que passar por um processo longo de readaptação, repleto de aventuras engraçadinhas e confusão em demasia. Menos de 10 anos antes, Encantada e Selvagem já haviam explorado, cada um em suas proporções, a temática, e coincidentemente, ambos filmes envolveram a descoberta da cidade de Nova York. O que faltava para os produtores e roteiristas era coragem para adentrarem inteiramente na fantasia e apresentarem um mundo inteiramente novo, de um ponto de vista cinematográfico. Por exemplo, a história da criação da Smurfette (Katy Perry) poderia ser um excelente assunto a ser abordado, mas, que aqui, é apenas uma citação desavisada.

A trama em si coloca rapidamente Gargamel (Hank Azaria) e seu fiel escudeiro Cruel a destruírem a vila dos Smurfs, caracterizando e apresentando, dentre centenas de criaturinhas, apenas Desastrado (Anton Yelchin). Sendo assim, em uma debandada das criaturas, o atrapalhado ser acaba seguindo por um caminho que vai de encontro a um portal mágico, aberto devido a noite ser de lua azul. Juntam-se a aventura, além de Smurfette e o já citado Desastrado, Papai Smurf (Jonathan Winters), Gênio (Fred Armisen), Ranzinza (George Lopez) e Arrojado (Alan Cumming), que acabam sendo transferidos para a extraordinária – e clichê – cidade de Nova York. Para finalizar, o destino faz com que o pequeno grupo, em contínua fuga do temível Gargamel, encontrem o casal Patrick (Neil Patrick Harris) e Grace (Jayma Mays) e entrem em uma jornada de volta à casa.

Os péssimos diálogos e as bizarras situações nas quais os personagens acabam por se encontrar (o que é aquela cena onde eles estão jogando Guitar Hero?) não contribuem para que o até esforçado Neil Patrick Harris consiga expor relevância interpretativa dentro da obra. Seu conflito interno não ganha as devidas atenções, e mesmo que ganhasse, a resolução envolvendo o clássico dilema entre família versus trabalho é bem previsível e convencional. Interessante, no entanto, é o papel que o Papai Smurf tem com Patrick, rendendo uma conversa bastante sensível entre os dois. No caso, Jonathan Winters poderia até ter tido mais sucesso no seu personagem se a trama rodeasse dentro da sua própria fantasia. No mundo real, seus conhecimentos e visões soam deveras ultrapassados, vistos que estamos situados em um mundo “completamente” pé no chão.

Gargamel, antagonista principal das histórias dos Smurfs, é trazido à vida por Hank Azaria. Se dependesse exclusivamente do ator teríamos um dos mais caricatos e engraçados vilões infantis caracterizados no cinema. No entanto, a inserção de piadas um pouco nojentas para um público menor é bastante questionável. A escatologia, mesmo que reproduzida em níveis bem inofensivos, não deveria ser repetida constantemente. Porém, percebe-se o talento do ator não em suas falas, pouco delas engraçadas, mas em sua postura inconfundível. A fisionomia, o andar e as feições exageradas de Azaria garantem uma transposição quase idêntica do personagem original para as telas. Sobre o gato Cruel, pouco pode ser dito além da problemática computação gráfica que contrasta muito mal com o verdadeiro gato, presente em cenas de menor complexidade.

O protagonista do filme em si, Desastrado, é uma amálgama dos problemas do longa. O roteiro busca jogar com a subtrama da rejeição e descriminação de um indivíduo, mas falha miseravelmente. É engraçadinho vê-lo ingenuamente tropeçando e fazendo tolices, mas a repetição das mesmas situações cômicas já estão desgastadas logo na primeira metade do filme. Aliás, o longa dura uns 15 minutos a mais que poderiam ter sido facilmente enxugados, visto que há pouco conteúdo a ser abordado.

Ao recriarem a existência de Peyo para dentro do longa, e seus “estudos” sobre essas criaturinhas azuis serem utilizados narrativamente para progredir com a história, os roteiristas, inteligentemente, abordam uma metalinguagem. Retomando aos Smurfs, dos restantes, todos estão sobrando sem terem os seus devidos arcos próprios explorados. Arrojado e Ranzinza são, ao menos, responsáveis por conversas pertinentes ao tom do filme e cenas espirituosamente burlescas. Há uma, em específico, que envolve uma conversa com um M&M’s que fez eu encontrar-me, surpreendentemente, rindo. A decepção reside na personagem de Smurfette que, apesar de sua origem ser bastante motivacional, possui, de fato, apenas uma mini-história sobre vestidos. Pouco considerável para o resultado final.

Sendo assim, pode-se concluir que Os Smurfs é mais um fracasso da onda de live-actions feitos em cima de personagens infantis. Os adultos, que atingidos pela nostalgia, assistirão ou assistiram com seus filhos a reprodução das suas histórias favoritas dos tempos de infância, provavelmente irão se decepcionar. O longa não é mágico o suficiente para recorrer às memórias mais pueris, e também não encontra o caráter explorativo necessário para que justifique-se a mudança de cenário para Nova York. Felizmente, para as crianças, o produto garante diversão na medida certa, mas não suficiente, para que daqui a alguns anos, quando elas tornarem-se enfim adultas o filme continue sendo relembrado com carinho pelas mesmas.

Os Smurfs (The Smurfs) — EUA, 2011
Direção: Raja Gosnell
Roteiro: J. David Stem, David N. Weiss, Jay Scherick, David Ronn
Elenco: Hank Azaria, Neil Patrick Harris, Jayma Mays, Sofia Vergara, Tim Gunn, Jonathan Winters, Anton Yelchin, Katy Perry, Fred Armisen, George Lopez, Alan Cumming
Duração: 103 min.

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