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Crítica | Os Tigres Não Têm Medo

Conto de fadas cruelmente real.

por Kevin Rick
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Durante uma apresentação escolar, Estrella (Paola Lara) é interrompida por um tiroteio. Durante o acontecimento, a professora de Estrella entrega a ela três pedaços de giz que ela diz que concederá três desejos mágicos. Dessa forma, Tigres Não Têm Medo, logo em seu início, começa a utilizar uma das coisas mais lindas do mundo para falar sobre uma das piores: a imaginação infantil na triste realidade da infância interrompida pelo crime. Mesclando fantasia e elementos sobrenaturais com horrores da vida real, a cineasta mexicana Issa López conta a história de um grupo de órfãos tentando sobreviver à horrível violência dos cartéis de drogas no México.

Entre imagens de tigres grafitados se movimentando, trilhas de sangue que perseguem Estrella, entre outras sequências fantasiosas igualmente impressionantes, a diretora começa a criar elementos alegóricos de suma importância para as metáforas sobre um conto de fadas cruelmente real. E a metáfora mais trágica e cruel de López reside na consequência dos desejos de Estrella, transformando a imaginação infantil em um escapismo falho, normalmente piorando situações reais e criando circunstâncias de horror. Em um mundo com monstros de carne e sangue que carregam armas, nem mesmo a fantasia à la Peter Pan pode salvar Estrella e seus amigos.

Assim sendo, Issa López conduz uma narrativa de realismo mágico que sempre parece transitar entre duas linguagens: a documental (demonstrando a vida cotidiana das crianças na rua) e a fantasia, ambas em prol do horror social das vítimas infantis. A diretora é muito feliz na conexão do drama (incluindo aí o subtexto de crítica social) com o terror. Por exemplo, o título indica uma tremenda alegoria do filme, onde vemos os meninos constantemente reverenciar uma espécie de história de ninar de um tigre que escapou dos homens ruins, e vive em meio as ruas livre, sem medo. É bastante literal o vínculo do tigre com o sentimento que as crianças almejam, e López desfruta disso, exteriorizando a imagem do tigre ao longo da obra com a fantasia.

A cineasta constantemente faz esse jogo entre as duas linguagens para realçar o perigo e o simbolismo de sua história. A violência influencia as situações alegóricas, e vice-versa, transformando Tigres Não Têm Medo em uma poderosa associação entre discurso temático e experiência do terror – um complicado elo dramático e atmosférico que praticamente todo diretor de terror almeja. Partindo de outro ponto, é curioso como, mesmo partindo de uma fantasia sombria, a autora consegue criar uma sensação otimista e pueril (sempre ironicamente trágicos) em alguns momentos esparsos da obra, como quando eles encontram um casarão abandonado (normalmente um palácio em um conto de fadas típico), e ficam felizes com peixes que fugiram do aquário e bolas de futebol abandonadas. López é inteligente nesse tratamento de momentos dramáticos e felizes da perspectiva dos jovens (ótimos atores mirins, aliás), que encantam na mesma medida que emocionam.

Por um lado negativo, a cadência do filme pode ser morosa em alguns momentos mais rotineiros, reflexo da linguagem documental de López, com várias sequências da cidade sucateada e vielas grafitadas, mas paradoxalmente funcionam na proposta de evidenciar um problema social mexicano do longa. Além disso, a diretora é um tantinho passiva com o terror ao longo da obra, com uma certa dificuldade em criar um sentimento de tensão e urgência com algumas sequências de terror ora rápidas demais, ora muito comprometidas com o simbolismo e não tanto com a sensação. O desfecho, no entanto, dispõe de um tremendo clímax de horror social, completando com esmero um longa fascinante visualmente e assustador (especialmente no subtexto) de uma realidade que gostaríamos que fosse fantasiosa, assim como Estrella, mas Issa López não dá espaço para a fuga da imaginação infantil. Há apenas a trágica verdade.

Os Tigres Não Têm Medo (Vuelven) – México, 2017
Direção: Issa López
Roteiro: Issa López
Elenco: Paola Lara, Juan Ramón López, Ianis Guerrero, Rodrigo Cortes, Hanssel Casillas, Nery Arredondo, Tenoch Huerta
Duração: 83 min.

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