Home QuadrinhosMinissérie Crítica | Os Últimos Dias do Homem Animal (2009)

Crítica | Os Últimos Dias do Homem Animal (2009)

por Luiz Santiago
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Uma história crepuscular, digna de um personagem tão potencialmente rico como o Homem Animal. Criado em 1965, por Dave WoodCarmine Infantino, o Bichoso apareceu pela primeira vez na Strange Adventures #180 e passou muito tempo fazendo pontas e sendo apenas um personagem B e estranho que conseguia ter acesso às funções de animais próximos a ele. Em 1988, porém, a coisa mudou. Com o arco de estreia de Grant Morrison no primeiro título solo do personagem, o mundo animal na DC Comics ficou ainda mais selvagem e interessante. Cancelado em 1995, no arco Dores de Parto, escrito por Jerry Prosser, o título também finalizava a fase de destaque do Homem Animal na casa das sombras, que voltaria “apenas” a fazer parte de equipes ou atuar como convidado em algumas revistas, arcos e sagas.

Em 2009, Gerry ConwayChris Batista colocaram a “pá de cal” com esta minissérie em 6 edições, trazendo o “fim ideal para um herói de família” como Buddy Baker. Um final patético, em concepção, mas bastante honesto com o personagem, se levarmos em conta a sua longa jornada ao lado da esposa e dos filhos. Basicamente, temos Buddy às voltas com problemas de relacionamento e de conexão com os poderes, algo que não é nenhuma novidade na cronologia do personagem. O que difere aqui é o tempo.

A trama se passa em San Diego, no ano de 2024 e, como era de se esperar, Maxine já está bem grandinha (e namorando) e Cliff é um advogado viciado em trabalho. Já a relação entre Buddy e Ellen é pautada pelo carinho e amor que sempre os acompanharam, mas neste momento de suas vidas, os anos de patrulha fora da Terra, o afastamento constante de Buddy da vida familiar e os atuais perigos e falhas nos poderes que ele vem apresentando preocupam Ellen, que passa a cobrar mais de Buddy, que se enerva com a esposa, ela mesma bastante ocupada com seu próprio trabalho. Um ciclo de afazeres que o autor trabalha muito bem em sua essência, caindo apenas na armadilha de segmentar demais as participações dos filhos.

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Mais um para a lista TOP SOCÃO dos quadrinhos.

Um dos bons caminhos apresentados por Conway nesta aventura é a perda de um dom pessoal que por muito tempo serviu como referência e modo de vida para alguém. E vejam, isso pode ser aplicado a diversas situações, o que torna o dilema do Homem Animal aqui algo bastante Universal, se as proporções forem devidamente guardadas e corretamente aplicadas a casos de perdas de habilidades para algum indivíduo. Em seus desenhos, Chris Batista procurou fazer o máximo de distanciamento do personagem, colocando-o oprimido pelo cenário, destacando os momentos em que estava confuso emocionalmente — a cena com Estelar pode irritar alguns leitores — e em em outros pontos, trazendo essa confusão mais para perto, fazendo com que Buddy sofra em planos visuais fechados, intensificando o drama e aplicando de maneira fluída o caminho emotivo que a história tem. A arte final de Dave Meikis e, nas edições #5 e 6, de Wayne Faucher, fica mais na retaguarda, fazendo um trabalho mais simples e limpo do que deveria.

Infelizmente, na formulação dos sofrimentos da família Baker e com um novo momento na vida de Buddy se aproximando, o autor coloca dois vilões que acabam ganhando muito mais espaço do que a própria família central da história, o que evidentemente não é algo interessante. Fúria Sangrenta (Bloodrage) ainda tem uma intromissão aceitável, mas todo o caminho vilanesco de Prismatik é uma verdadeira pedra no sapato, porque ocupa espaço de acontecimentos mais interessantes sobre o protagonista e nada disso é utilizado a favor da trama. Outro desvio bastante incômodo do texto é o momento de Buddy com Estelar. A conversa faz sentido pela história que eles têm juntos, por já terem trabalhado por um tempo considerável ao lado de Adam Strange, mas a conexão se perde ao longo da trama, sendo apenas retomada como ideia de ciclo no final da minissérie, infelizmente vindo com uma colocação moral questionável por parte de Kori.

À parte esses tropeços de desenvolvimento da história e apresentação e interação dos personagens, é inegável que Os Últimos Dias seja uma minissérie emotiva e que feche um capítulo bem interessante para a vida do Homem Animal. Há em suas páginas uma imediata referência ao arco A Origem das Espécies e um último questionamento de Buddy com os alienígenas que fizeram nele uma mudança radical, permitindo que o então “homem comum de uma cidade pequena” se tornasse uma das poucas pessoas na Terra que podiam acessar o Campo-M da vida animal; um dos poucos humanos a poder entrar e sentir de perto o Vermelho.

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Claro que não poderia faltar encontro metalinguístico, metafórico, metafísico e simbólico de Buddy com os mentores de seu poder.

A última reflexão da história é sobre a utilidade de uma pessoa e o respeito que seus amigos e colegas de trabalho podem demonstrar quando ele não for mais o mesmo de antes (fisicamente falando, ou em termos de deter algum tipo de habilidade). Por mais triste que seja, esta é a nova realidade — a metáfora de Buddy se despindo, como último momento de uso de seus poderes, é dolorosa e perfeitamente bem pensada pela arte, um dos momentos de excelente diagramação da minissérie. O fim chega para todos e pode vir de diversas formas. Para Buddy, foi a percepção de que seus poderes eram destinados apenas a fazer parte dele por um espaço de tempo. Depois, ele precisaria se conectar a outras raízes e encontrar uma outra maneira de ser útil. É triste, mas é exatamente o comportamento pragmático que vemos a natureza tomar com o surgimento e desaparecimento de novas espécies ou novas caraterísticas de seres viventes.

A participação da Liga não chega exatamente a atrapalhar mas oferece desvios temporários sem os quais a minissérie passaria bem melhor. Claro que não são tão incômodos como a apresentação de Prismatik, mas eles aparecem em todo o miolo da aventura. O convite feito a Buddy, o diálogo meio infantil com a esposa e os filhos e a ótima cena final são chamados do autor à reflexão. O tempo passa e as coisas se apagam. É preciso saber viver diante do nosso “novo eu” em cada fase da vida. Antes do nosso “último dia” definitivo, existirão dezenas de “últimos dias” de coisas que deixaremos de fazer por maturidade, capacidade ou habilidade. As surpresas podem nem sempre ser agradáveis, mas elas chegam. E fugir não é uma opção válida. Em sua queda — ou a caminho de um outra fase de ascensão — o Homem Animal nos ensina esta valiosa lição de entendimento e aceitação de si mesmo. O fim é só um novo começo.

Last Days of Animal Man (EUA, 2009)
Roteiro: Gerry Conway
Arte: Chris Batista
Arte-final: Dave Meikis (com Wayne Faucher nas edições #5 e 6)
Cores: Michael Atiyeh
Letras: Clem Robins
Capas: Brian Bolland
Editoria: Chris Conroy, Joey Cavalieri
145 páginas

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